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5 exemplos de poesia filosófica para apreciar a união entre filosofia e poesia

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Confira a nossa seleção de exemplos de poesia filosófica em português!

A poesia tem sido usada desde muitos séculos para expressões as mais variadas possíveis.

Na antiguidade, por exemplo, era muito comum a escrita de epigramas em versos, assim como pequenos bilhetes; de outro lado, tínhamos as majestosas epopeias.

E é com naturalidade que notamos a poesia utilizada para expressar problemas filosóficos, sejam morais, estéticos ou quaisquer outros que versam sobre a existência humana e a relação travada entre o homem e o mundo.

Em português, autores como Antero de Quental, Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos destacaram-se na produção de poemas deste tipo, isto é, poemas que não se limitam a expressar um sentimento, mas encerram em si uma profunda reflexão sobre a vida.

Dito isso, preparamos uma seleção com 5 exemplos de poesia filosófica para que você possa ler e apreciar.

Boa leitura!

Exemplos de poesia filosófica

Não basta abrir a janela, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Agonia de um filósofo, de Augusto dos Anjos

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo…
O Inconsciente me assombra e eu nele rolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!

Assisto agora à morte de um inseto!…
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de polo a polo
O ideal de Anaximandro de Mileto!

No hierático areópago heterogêneo
Das ideias, percorro, como um gênio,
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!…

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!

Elogio da Morte, de Antero de Quental

Morrer é ser iniciado.
Antologia Grega.

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me para o coração robusto.

Não que de larvas me povoe a mente
Esse vácuo noturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas noturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, úmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
Dum mundo estranho, que povoa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

Nesta viagem pelo ermo espaço,
Só busco o teu encontro e o teu abraço,
Morte! irmã do Amor e da Verdade!

III

Eu não sei quem tu és — mas não procuro
(Tal é minha confiança) devassá-lo.
Basta sentir-te ao pé de mim, no escuro,
Entre as formas da noite, com quem falo.

Através do silêncio frio e obscuro
Teus passos vou seguindo, e, sem abalo,
No cairel dos abismos do Futuro
Me inclino à tua voz, para sondá-lo.

Por ti me engolfo no noturno mundo
Das visões da região inominada,
A ver se fixo o teu olhar profundo…

Fixá-lo, compreendê-lo, basta uma hora,
Funérea Beatriz de mão gelada…
Mas única Beatriz consoladora!

IV

Longo tempo ignorei (mas que cegueira
Me trazia este espírito enublado!)
Quem fosses tu, que andavas a meu lado,
Noite e dia, impassível companheira…

Muitas vezes, é certo, na canseira,
No tédio extremo dum viver magoado,
Para ti levantei o olhar turbado,
Invocando-te, amiga derradeira…

Mas não te amava então nem conhecia:
Meu pensamento inerte nada lia
Sobre essa muda fronte, austera e calma.

Luz íntima, afinal, alumiou-me…
Filha do mesmo pai, já sei teu nome,
Morte, irmã coeterna da minha alma!

V

Que nome te darei, austera imagem,
Que avisto já num ângulo da estrada,
Quando me desmaiava a alma prostrada
Do cansaço e do tédio da viagem?

Em teus olhos vê a turba uma voragem,
Cobre o rosto e recua apavorada…
Mas eu confio em ti, sombra velada,
E cuido perceber tua linguagem…

Mais claros vejo, a cada passo, escritos,
Filha da noite, os lemas do Ideal,
Nos teus olhos profundos sempre fitos…

Dormirei no teu seio inalterável,
Na comunhão da paz universal,
Morte libertadora e inviolável!

VI

Só quem teme o Não-ser é que se assusta
Com teu vasto silêncio mortuário,
Noite sem fim, espaço solitário,
Noite da Morte, tenebrosa e augusta…

Eu não: minh’alma humilde mas robusta
Entra crente em teu átrio funerário:
Para os mais és um vácuo cinerário,
A mim sorri-me a tua face adusta.

A mim seduz-me a paz santa e inefável
E o silêncio sem par do Inalterável,
Que envolve o eterno amor no eterno luto.

Talvez seja pecado procurar-te,
Mas não sonhar contigo e adorar-te,
Não-ser, que és o Ser único absoluto.

Criança desconhecida e suja brincando à minha porta, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.

O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! Pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.

Idealizações, de Augusto dos Anjos

IV

Poeta, em vão na luz do sol te inflamas,
E nessa luz queimas-te em vão! És todo
Pó, e hás de ser após as chamas, lodo,
Como Herculanum foi após as chamas.

Ah! Como tu, em lodo tudo acaba,
O leão, o tigre, o mastodonte, a lesma,
Tudo por fim há de acabar na mesma
Tênebra que hoje sobre ti desaba.

Ninguém se exime dessa lei imensa
Que, em plena e fulva reverberação,
Arrasta as almas pela Escuridão,
E arrasta os corações pela Descrença.

Ergue, pois, poeta, um pedestal de tanta
Treva e dor tanta, e num supremo e insano
E extraordinário e grande e sobre-humano
Esforço, sobe ao pedestal, e… canta!

Canta a Descrença que passou cortando
As tuas ilusões pelas raízes,
E em vez de chagas e de cicatrizes
Deixar, foi valas funerais deixando.

E foi deixando essas funéreas, frias,
Medonhas valas, onde, como abutres
Medonhos, de ossos, de ilusões te nutres,
Vives de cinzas e de ruinarias!

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que tenha gostado de nossa seleção de exemplos de poesia filosófica.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa coletânea de poemas sobre guerra.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. 5 exemplos de poesia filosófica para apreciar a união entre filosofia e poesia. [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poesia-filosofica-poemas-exemplos-portugues/. Acesso em: 27 out. 2024.