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10 poemas de Manoel de Barros curtos e belos! (comentados)

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Confira a nossa seleção de poemas de Manoel de Barros, um dos mais populares poetas brasileiros!

Manoel de Barros (1916-2014) é um poeta brasileiro muito popular que, entre aqueles que abordamos neste espaço, destaca-se pela proximidade de nossos dias.

A poesia de Manoel de Barros é marcadamente singular e se caracteriza pelo uso de uma linguagem simples e pessoal, que frequentemente se vale de neologismos e sinestesias para expressar impressões subjetivas e às vezes irracionais.

É uma poesia interessante, que obteve reconhecimento de grandes nomes da literatura brasileira ainda em vida do poeta.

Sendo assim, preparamos uma seleção com 10 poemas de Manoel de Barros curtos e belos, para que você possa entrar em contato e conhecer um pouco da obra deste poeta.

Boa leitura!

Poemas de Manoel de Barros

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

Abrimos nossa lista com este poema que é interessante por girar em torno de uma metáfora.

O menino que carregava água na peneira, em suma, descreve um menino “ligado em despropósitos”, mais especificamente, um menino que gostava de “carregar água na peneira”.

Naturalmente, carregar água na peneira representa uma atividade inútil e ilógica, cuja prática não entrega resultados palpáveis àquele que a executa.

O eu lírico, pois, associa esta atividade à criação poética que, a muitos, pode parecer irracional e sem utilidade, mas frequentemente é capaz de produzir “prodígios” e é fundamental para aquele que descobre nela a sua vocação.

O livro sobre nada

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.

O livro sobre nada é um dos mais conhecidos poemas de Manoel de Barros e é construído inteiramente através de afirmações aparentemente ilógicas e contraditórias.

O eu lírico parece justamente valorizá-las como fundamentais no processo criativo, destacando a importância da inventividade e de que o poeta se afaste do convencional para que crie versos interessantes.

O poema é também um elogio à capacidade da poesia de expressar realidades profundas e autênticas, ainda que por meio de alusões ou contrariando a lógica e a razão.

Biografia do orvalho

11.

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

Neste trecho de Biografia do orvalho temos um poema que discorre sobre a busca do eu lírico pela própria identidade.

Esta identidade é descrita como uma diferenciação dos outros ou, noutras palavras, como um afastamento do convencional.

O eu lírico diz “não aguentar” fazer apenas coisas banais que todas as outras pessoas fazem, mas quer encontrar sua individualidade através da renovação da natureza humana.

Os últimos versos expressam a sua necessidade de fazer algo diferente e único, algo que, enfim, represente sua singularidade.

O fazedor de amanhecer

Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.

Neste poema, temos novamente uma temática muito comum na poesia de Manoel de Barros.

Ad Curso de Poesia

O eu lírico, em suma, versa sobre a própria insignificância ou, antes, sobre a inutilidade daquilo que sabe fazer.

Porém, logo percebemos que ele não enxerga com maus olhos essa inutilidade, pelo contrário, orgulha-se dela.

Aqui, também encontramos o uso criativo de neologismos e a noção implícita de que há beleza no irracional.

Prefácio

Assim é que elas foram feitas (todas as coisas) —
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
Dependimentos demais
E tarefas muitas —
Os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
Que as moscas iriam iluminar
O silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
Que as moscas não davam conta de iluminar o
Silêncio das coisas anônimas —
Passaram essa tarefa para os poetas.

Prefácio é um dos melhores poemas de Manoel de Barros pelo caráter profundo da mensagem que transmite.

Neste poema, como em outros de Manoel de Barros, o eu lírico parece conduzir-nos por afirmações ilógicas e situações pouco importantes.

O poema, contudo, centra-se nas “coisas anônimas”, retratadas como objeto de atenção dos poetas.

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Segundo o eu lírico, é tarefa dos poetas “iluminar o silêncio das coisas anônimas”, isto é, perscrutar o que há de misterioso neste mundo e expressá-lo pela poesia.

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

O apanhador de desperdícios é um poema emblemático de uma ideia explorada por Manoel de Barros em outras composições.

Numa primeira leitura, poderíamos dizer que o que faz o eu lírico neste poema é desvelar-nos sua sensibilidade e seu olhar compassivo para com as coisas “insignificantes”.

O que ocorre, porém, é algo mais profundo: esta ideia, tão cara a Manoel de Barros, sugere-nos que a riqueza da vida reside nas coisas simples e nos detalhes.

Portanto, o que encontramos por trás destes versos é a singularidade do eu lírico expressa através das particularidades de sua existência individual.

Os deslimites da palavra

Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas.

Os deslimites da palavra é um poema que explora simultaneamente as limitações e as potencialidades da linguagem.

Cada um dos versos do poema encerra uma afirmativa aparentemente ilógica mas compreensível após um esforço de nossa parte.

Quer dizer: compreendemos, ou ao menos parecemos compreender, a motivação e o sentimento que tais afirmações escondem; e isso nos basta.

Assim, é este um poema que parece demonstrar a possibilidade de expressar o indescritível, ainda que de maneira contraditória e talvez irracional.

Aprendimentos

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura
é o caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou que só sabia que não sabia de nada.

Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas
di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas
das árvores servem para nos ensinar a cair sem
alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado
sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente
aprender o idioma que as rãs falam com as águas
e ia conversar com as rãs.

E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos
do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de
ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros
do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara
nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver,
no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar.

Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens.
Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno
grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles —
esse pessoal.

Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova.
Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que
achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam
que o fascínio poético vem das raízes da fala.

Sócrates falava que as expressões mais eróticas
são donzelas. E que a Beleza se explica melhor
por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei
sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.

Aprendimentos é outro entre os poemas de Manoel de Barros mais comentados e mais conhecidos.

Este poema é interessante, primeiramente, pela criativa interpretação e associação do pensamento de diferentes e importantes filósofos.

Também, destacamos a linguagem, trabalhada da maneira toda particular de Manoel de Barros.

Mas a característica mais marcante deste poema é a mensagem que encerra: o eu lírico sugere que o verdadeiro conhecimento está não nas “certezas científicas”, mas nas conexões diretas com o mundo ao nosso redor.

Assim, vemos novamente um destaque à natureza e ao sentido das pequenas coisas que às vezes passam despercebidas em nossa vida.

Tratado geral das grandezas do ínfimo

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

Este conhecidíssimo poema de Manoel de Barros, além de abordar uma de suas temáticas preferidas, é dotado de uma ironia deliciosa.

A começar pelo título, que anuncia um “tratado” sobre um assunto ostensivamente contraditório (“grandezas do ínfimo”), somos capazes de imaginar o poeta a sorrir.

O poema transmite várias mensagens: a primeira, que a poesia é inerente das palavras; a segunda, que nosso conhecimento é não apenas limitado, mas ínfimo diante da complexidade do mundo; a terceira, que grande é aquele capaz de captar detalhes.

Tudo isso é envolto numa linguagem que parece questionar o convencional e induzir-nos a pensar na profundidade das coisas mais simples.

Os versos, também, escancaram a distância do poeta para o homem comum; e esta, ao ser notada pelo eu lírico, é recebida com bom humor.

Olhos parados

Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia.
Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes.
Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente.
Lembrar que estão longe e ter saudades deles…
Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho.
Rir de coisas passadas. Ter saudade da pureza.
Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que a gente já teve.
Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas que a gente já viu.
Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe.
Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles.
Saber que a gente tem amigos de fato!
Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto…
Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.
Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido.
Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas íntimas.

Para fechar nossa lista, este que é outro que está entre os melhores poemas de Manoel de Barros.

Este poema trabalha um elemento novo nesta lista: o sentimento de nostalgia.

Vemos que, nestes versos, o eu lírico como estimula uma reflexão sobre a vida e, mais do que isso, sobre seus detalhes mais marcantes, incluindo vivências, pessoas e sentimentos.

É um poema que, como outros de Manoel de Barros, expressa uma mensagem de valorização das coisas simples, posto que nelas reside nossa individualidade.

Talvez o que haja de mais belo nestes versos é que, após o eu lírico evocar-nos o passado, o que ele faz é preencher-nos de um sentimento de gratidão.

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa seleção de poemas de Manoel de Barros.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa coletânea de sonetos de amor.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. 10 poemas de Manoel de Barros curtos e belos! (comentados). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poemas-de-manoel-de-barros-curtos-poesia/. Acesso em: 5 nov. 2024.