Confira a nossa seleção de poemas de Machado de Assis e conheça o lado poeta deste nome enorme da literatura brasileira!
Machado de Assis dispensa apresentações. Esse imenso escritor brasileiro, contista, cronista, romancista e teatrólogo, é amplamente considerado o maior nome da literatura brasileira.
O que poucos sabem é que Machado foi, também, poeta, e sua obra poética inclui diversas traduções, além de composições originais.
Como diz a Academia Brasileira (chamada, em vida de Machado, de “Casa de Machado de Assis”), “a obra de Machado de Assis abrange, praticamente, todos os gêneros literários”.
Por isso, preparamos uma seleção com 4 poemas de Machado de Assis para que, caso você não conheça, possa entrar em contato com a obra poética deste enorme escritor.
Boa leitura!
Poemas de Machado de Assis
Soneto de natal
Um homem, – era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, –
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Uma criatura
Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as forças dobra.Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a vida.
Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
– “Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:– “Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:– “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume.”
Mas o sol, inclinando a rútila capela:– “Pesa-me esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me esta azul e desmedida umbela…
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?”
A mosca azul
Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Industão,
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada,
Em certa noite de verão.E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua, – melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.Um poleá que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:
“Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que to ensinou?”Então ela, voando, e revoando, disse:
– “Eu sou a vida, eu sou a flor
Das graças, o padrão da eterna meninice,
E mais a glória, e mais o amor.”E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo,
E tranquilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.Entre as asas do inseto, a voltear no espaço,
Uma cousa lhe pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço
E viu um rosto, que era o seu.Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu,
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada ao corpo de Vichnu.Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,
Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo, as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,
Com grandes leques de avestruz,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios,
Voluptuosamente nus.Vinha a glória depois; – quatorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações, e o parabéns unidos
Das coroas ocidentais.Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpos os corações.Então ele, estendendo a mão calosa e tosca,
Afeita a só carpintejar,
Como um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensar que ali tinha um império,
E para casa se partiu.Alvoroçado chega, examina, e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Rota, baça, nojenta, vil,
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.Hoje, quando ele aí vai, de aloé e cardamomo
Na cabeça, com ar taful,
Dizem que ensandeceu, e que não sabe como
Perdeu a sua mosca azul.
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa seleção de poemas de Machado de Assis.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa coletânea de poemas famosos curtos da literatura brasileira.
Um abraço e até a próxima!