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5 poemas de António Gomes Leal, poeta e crítico literário português

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Confira a nossa seleção de poemas de António Gomes Leal, poeta e crítico literário português.

António Gomes Leal foi um importante poeta e crítico literário português, nascido em junho de 1848 e que faleceu em janeiro de 1921.

Sua obra poética insere-se nas correntes ultrarromântica, parnasiana, simbolista e decadentista, que floresceram em Portugal a partir de meados do século XIX.

António Gomes Leal, a despeito de sua extensa contribuição em um grande número de periódicos portugueses, chegou a passar fome e é dito que viva da caridade alheia, havendo em Portugal um apelo público feito por alguns escritores, já no final de sua vida, para que o Estado lhe concedesse uma pensão — o que efetivamente ocorreu.

Sua obra mais conhecida é, talvez, O tributo de sangue, mas tanto sua obra poética, quanto sua obra crítica, foram muito apreciadas pelas gerações que se lhe seguiram.

Dito isso, preparamos uma seleção com 5 poemas de António Gomes Leal, para que você possa conhecer um pouco mais da obra deste poeta português.

Boa leitura!

Poemas de António Gomes Leal

Carta ao mar

Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lírico, choroso,
E terno visionário, meu amigo!

Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vai ter contigo,
– Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, – vasto e úmido jazigo!

Nada é mais triste, trágico e profundo!
Ninguém te vence ou te venceu no mundo!…
Mas também, quem te pôde consolar?!

Tu és Força, Arte, Amor, por excelência! –
E, contudo, ouve-o aqui, em confidência;
– A Música é mais triste inda que o Mar!

A visita

Ontem dormia à noute – e, eis que desperto
Sacudido dum vento agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido dum vento do deserto.

Acordei – era Deus, que de mim perto,
Me dizia: Alma céptica e sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!

É preciso que a fé cresça em tua alma
Como no inútil saibro a verde palma,
Verme! filho da Dúvida – Eis-me aqui!

Eu sou a Espada o Antigo, o Onipotente!
Crê barro vil! – Mas eu, descortesmente,
Voltei-me do outro lado e adormeci.

Miséria oculta

Bate nos vidros a aurora,
Vem depois a noute escura;
E o pobre astro que ali mora,
Não abandona a costura!

Para uns a vida é d’abrolhos!
Para outros mouta de lírios!
Bem o revelam seus olhos,
Pisados pelos martírios!

Miséria afugenta tudo!
Miséria tem dons funestos!
Quem é que gaba o veludo
Daqueles olhos honestos!…

Ninguém seus olhos brilhantes
Descobre nessas alturas…
E aquelas formas tão puras,
E aquelas mãos elegantes!

Sempre à costura inclinada!
Morra o sol ou surja a lua
Nunca vi descer à rua
Aquela loura encantada!

Aquele lírio dobrado
Por que assim vive escondido!
Eu bem sei! – não tem calçado!
E é muito usado o vestido!

Por isso não tem porvir
Morrerá virgem e nova,
E aguarda-a bem cedo a cova…
Que eu bem a ouço tossir!

Miséria afugenta tudo!
Miséria tem dons funestos!
Quem é que gaba o veludo
Daqueles olhos honestos!

Pobre flor desfalecida
Tão nova e ainda em botão!
Como teve estreita a vida,
Terá estreito o caixão!

O selvagem

Eu não amo ninguém. Também no mundo
Ninguém por mim o peito bater sente,
Ninguém entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.

Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais calado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitário, inerte e mudo,
– Passividade estupida das Cousas.

Fechei, de há muito, o livro do Passado
Sinto em mim o desprezo do Futuro,
E vivo só comigo, amortalhado
Num egoísmo bárbaro e escuro.

Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos cruéis indiferentes,
Meu peito é um covil, onde, às escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.

E não vejo ninguém. Saio somente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguém me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua…

Misticismo humano

A alma é como a noute escura, imensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os cânticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, à noute pelas eiras…
Às vezes vem a névoa à alma satisfeita,
E cai sombria, vaga, e miúda e desfeita…
E como a folha morta em lagos sonolentos
As nossas ilusões vão-se nos desalentos!

Tem um poder imenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cipreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vício aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…

– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, às longas ventanias,
Cheio o peito de sol, através das florestas,
À calma do meio-dia… e dormiam as sestas,
Tranquilos sobre a eira, entre as ervas nas leivas…
Vão cansados depois, entre os ramos e as seivas,
Outra vez sob o Sol – a sua eterna crença! –
Em fructos ressurgir à natureza imensa,
E, aos beijos do luar, descansarem felizes,
Da bem-amada ao pé, no meio das raízes!

Morrer é livramento! oh deve saber bem
Sentir-se dilatar na Natureza mãe!
Ser tronco, ramo ou flor, nuvem, erva ou alfombra,
A rosa que perfuma, a árvore que dá sombra!
Estremecer na encosta às nocturnas geadas,
E recortar o azul das noutes consteladas!

Oh pelo claro azul dessas noites serenas,
Que o segador trigueiro entoa as cantilenas,
Tristes como a lua e o espinho dos martírios,
E que através do azul parecem cair lírios!…
Quando a brisa levanta as folhas indiscretas,
Noivam os rouxinóis e se abrem as violetas…
E a Natureza tem como um sabor de beijos,
Que obriga a soluçar a alma de desejos!…

Que segredos dirão nas brisas mensageiras,
À doçura da lua, a flor das laranjeiras,
O lírio, a madressilva, os jasmins vacilantes,
Que foram já, talvez, seios fortes e amantes,
E que hoje à branca luz dos mirtos siderais,
Conversam sobre o amor e os gozos ideais
Do tempo, que a falar corriam breve as horas,
Que seus olhos leais tinham a cor d’amoras,
E debaixo do Céu teciam longas danças,
Ao pé da amante meiga e de compridas tranças!…

No lago sonolento a flor do nenúfar
Talvez é um coração que abre para chorar!
O lírio um seio bom, – e as violetas curvadas
São os olhos talvez das doces bem-amadas!…

Feliz o semeador que vive entre os arados,
O campo, os lentos bois, longe dos povoados,
Entre os rijos irmãos humildes e trigueiros,
Que vivem sob o sol, à chuva, aos nevoeiros,
E quando à noute finda os suarentos trabalhos,
Vem a doce mulher buscá-lo nos atalhos,
Cujo olhar como a lua é tranquilo e consola,
E descanta chorando à noute na viola!…

E os que andam pelo mar, alegres e contentes,
Entre as ondas e o Céu, saudosos, negligentes,
Entre os cantos do vento, olhos fitos nos céus,
Entre o azul, o escuro, e os frios escarcéus,
Ombro a ombro o abismo, – abismo sempre aos pés,
Que dormem à poesia, à lua das marés,
E morrem uma noute, ó mar, aos teus embalos,
Deixando uns olhos bons e meigos a chorá-los!

Eu por mim não terei um astro bom nos Céus,
Nem uns olhos leais que chorem pelos meus,
E que inda a fronte mal me obscureça a mágoa,
Como espelhos d’amor já sejam rasos d’água!…
Sozinho passarei, e não irei jamais,
Pelas murtas com ela às tardes outonais;
De inverno não terei os consolos do lar,
Nem do estio a doçura imensa do luar;
Meus filhos não irão jamais colher os ninhos;
Ninguém virá à tarde esperar-me nos caminhos!

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa seleção de poemas de António Gomes Leal.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa coletânea de poemas de António Gedeão.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. 5 poemas de António Gomes Leal, poeta e crítico literário português. [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poemas-de-antonio-gomes-leal-poeta-portugues/. Acesso em: 27 out. 2024.