Confira a nossa seleção de poemas de Bocage, esse que é um dos nomes mais importantes da poesia portuguesa.
Bocage é, sem dúvida, um dos maiores poetas da língua portuguesa.
Tido frequentemente como o maior representante do Arcadismo lusitano, Bocage, embora possa ser considerado um autor “clássico”, inspirou inúmeros poetas românticos e é verdadeiramente um ícone da poesia portuguesa.
António Feliciano de Castilho, por exemplo, chegou a dizer que, se “os versos de Camões satisfazem, os de Bocage encantam”.
Somente por isso já é possível ter uma noção da dimensão deste poeta. Mas sua influência não para por aí…
Pensando nisso, preparamos uma seleção com 6 poemas de Bocage, para que você possa conhecer um pouco mais da obra desse grande poeta português.
Boa leitura!
Poemas de Bocage
Meu ser evaporei na luta insana
Meu ser evaporei na luta insana
Do tropel de paixões que me arrastava:
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana!De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganosDeus, ó Deus!… quando a morte a luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.
Sátira
Besta e mais besta! O positivo é nada…
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crês, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d’Elmano a fúria temes…
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!És de rábula vil corrupta imagem;
Tu vendes o louvor, como ele as partes,
Mas ele na enxovia infâmias paga,
E tu, com tústios, que aos caloiros pilhas,
Compras gravatas, em que a tromba enorme
Sumas ao dia, que de a ver se embrusca,
Qual em tenra mãozinha esconde a face
Mimoso infante de papões vexado.
Útil descuido aos cárceres te furta,
À digna habitação de ti saudosa
(Digo, o Castelo), estância equivalente
Aos méritos morais, que em ti reluzem.De saloios vinténs larápio sujo,
A glória do teu ódio restitui
A quem no teu louvor desacreditas.
Se honrada pelos sábios d’Ulisseia
(D’Ulisseia não só, de Lísia toda)
Galgando a Musa minha aos céus não fosse,
E se a nojenta epístola brotasse
Dentre o lameiro das ideias tuas,
Em regras, que são mais ou que são menos
Do que exigem do metro as leis d’Apolo
(Em regrinhas aquém e além do metro,
Que versos hão-de ser, ou versos foram,
Quando o que a Musa quer é só que o sejam),
Dissera a gente, gritaria o mundo:
«Louvado e louvador são dois patetas!»Ó versos aleijões! De Insauro ó versos!
Prosa de toda a gente e versos dele!
Fora! Eu me benzo, eu renuncio o pacto!
Antes um corno pelos peitos dentro,
Que um verso de Saunier pelos ouvidos,
Bem que, indagados de atenção miúda,
Sinônimos parecem corno e verso,
Quando em linhas venais galegos tentas,
Teus sócios, teus colegas, teus patronos;
Ou quando sensabor, ou quando insano
Louvas de graça e por dinheiro infamas
(Que a resposta, eu bem sei, rendeu-te cobres).Falas em faixa? E com que faixa, e como!
Não sabes que, apesar da atroz gravata,
Sai teu focinho a malquistar-te às vezes
Com quantos olhos há, que todos negam
Seres da espécie racional primeira,
E a negra forma macacal te impinge?
Quindorna tens, que por amor te engoma.
Tanto sofreis, ó Cotovia, ó Taipas!Jamais se envileceu luxúria tanto,
E tanto na eleição jamais cincaste!
Só se vós por ser burro amais Insauro!
Esses podres c…, que vendem peste,
Esses, meu nome, teu trovão, teu raio,
Esses, em súcia torpe, aonde és gente,
Meu nome, a glória minha enxovalharam;
Que mulher de decoro, esposa virgem,
Se manchasse em te ouvir seu grau, su’alma,
O caos volvera e se abismara o globo.Espoja-te a meus pés, baqueia, ó bruto,
E em actos burricais o que és pregoa!
Ou da matula vil, onde patinhas,
Irás à Fama em sátiras d’Elmano,
Que é pior para ti do que ir ao Letes!
A negra fúria Ciúme
Morre a luz, abafa os ares
Horrendo, espesso negrume,
Apenas surge do Averno
A negra fúria Ciúme.Sobre um sólio cor da noite
Jaz dos Infernos o Nume,
E a seus pés tragando brasas
A negra fúria Ciúme.Crespas víboras penteia,
Dos olhos dardeja lume,
Respira veneno e peste
A negra fúria Ciúme.Arrancando à Morte a fouce
De buído, ervado gume,
Vem retalhar corações
A negra fúria Ciúme.Ao cruel sócio de Amor
Escapar ninguém presume,
Porque a tudo as garras lança
A negra fúria Ciúme.Todos os males do Inferno
Em si guarda, em si resume
O mais horrível dos monstros,
A negra fúria Ciúme.Amor inda é mais suave,
Que das rosas o perfume,
Mas envenena-lhe as graças
A negra fúria Ciúme.Nas asas de Amor voamos
Do prazer ao áureo cume,
Porém de lá nos arroja
A negra fúria Ciúme.Do férreo cálix da Morte
Prova o funesto azedume
Aquele a quem ferve n’alma
A negra fúria Ciúme.Do escuro seio dos fados
Saltam males em cardume:
O pior é o que eu sofro,
A negra fúria Ciúme.Dos imutáveis destinos
Se lê no idoso volume
Quantos estragos tem feito
A negra fúria Ciúme.Amor inda brilha menos
Do que sutil vagalume,
Por entre as sombras que espalha
A negra fúria Ciúme.
És dos céus o composto mais brilhante
Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso
Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados;E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso.
Camões, grande Camões, quão semelhante
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrílego gigante;Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.Modelo meu tu és, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa seleção de poemas de Bocage.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa coletânea de poemas de António Ramos Rosa.
Um abraço e até a próxima!