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8 poemas de Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”

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Confira nossa seleção de poemas de Gregório de Matos e entenda por que esse poeta era chamado de “Boca do Inferno”!

Gregório de Matos, alcunhado “Boca do Inferno” e “Boca de Brasa”, talvez seja, historicamente, o mais importante poeta satírico brasileiro.

Sua obra é classificada como rebelde, irreverente e até pornográfica.

Como todo artista satírico, foi Gregório de Matos um feroz crítico de seu tempo, o que lhe valeu a perseguição pela Inquisição e a condenação ao degredo.

Depois de morto, graças ao historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, 39 poemas de Gregório de Matos vieram a público através da coletânea Florilégio da Poesia Brasileira.

Desde então, Gregório de Matos é considerado indiscutivelmente uma das figuras mais importantes de seu tempo para a literatura brasileira — a despeito do que se diga de sua obra.

Sendo assim, reunimos uma seleção de 8 poemas de Gregório de Matos, para que você possa medir a mordacidade deste poeta e advogado baiano.

Mas antes, uma nota biográfica.

Boa leitura!

Quem foi Gregório de Matos?

Deixaremos que fale o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen sobre a vida e a personalidade de Gregório de Matos:

A vida do primeiro (Gregório de Matos), que faleceu em 1696, é como a do Castelhano Quevedo, a quem ele quis imitar e muita vez até copia, um tecido de anedotas cômicas e chistosas: era, mais que satírico, mordaz e de caráter extravagante. Deixou-nos muitos versos, que servem a dar ideia da vida do seu tempo na Bahia; mas infelizmente muitas vezes há neles mais chocarrices e indecências que estro. Gregório de Matos não soube ser útil na terra. Acaso desconhecia que a missão de todo o homem, a quem Deus enobreceu com talentos e com gênio, consiste em procurar melhorar quanto possível a multidão. E é certo que ninguém pode nesta (por via de regra não pensante) exercer mais influência do que o poeta, que a um tempo é, com a palavra, arquiteto, músico e pintor; pois constrói, serve-se de sons harmoniosos, e pinta.

Poemas de Gregório de Matos

Contemplando nas cousas do mundo

Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O Velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por Tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazio a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

A Bahia

Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas.
São, ó Bahia, vésperas choradas
De outros que estão por vir estranhos

Sentimo-nos confusos e teimosos
Pois não damos remédios as já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas
Como que estamos delas desejosos.

Levou-me o dinheiro, a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
macutas, correão, nevelão, molhos:

Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

O poeta descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

Aos caramurus da Bahia

Um calção de pindoba, a meia zorra
Camisa de urucu, mantéu de arara,
Em lugar de cotó arco e taquara
Penacho de guarás em vez de gorra.

Furado o beiço, e sem temor que morra
O pai, que lho envasou c’uma titara
Porém a Mãe a pedra lhe aplicara
Por reprimir-lhe o sangue que não corra.

Alarve sem razão, bruto sem fé,
Sem mais leis que a do gosto, quando erra
De Paiaiá tornou-se em abaité.

Não sei onde acabou, ou em que guerra:
Só sei que deste Adão de Massapé
Procedem os fidalgos desta terra.

Buscando a Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p’ra chamar-me,

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

A uma dama

Dama cruel, quem quer que vós sejais,
Que não quero por hora descobrir-vos,
Dai-me licença agora para arguir-vos,
Pois para amar-vos sempre ma negais:

Por que razão de ingrata vos prezais,
Não me pagando o zelo de servir-vos?
Sem dúvida deveis de persuadir-vos,
Que a ingratidão aformoseia mais.

Não há cousa mais feia na verdade:
Se a ingratidão aos nobres envilece,
Que beleza fará, o que é fealdade?

Depois, que sois ingrata me parece,
Que hoje é torpeza o que era então beldade,
Que é flor a ingratidão que em flor fenece.

Efeitos contrários do amor

Ó que cansado trago o sofrimento
Ó que injusta pensão da humana vida,
Que dando-me o tormento sem medida,
Me encurta o desafogo de um contento!

Nasceu para oficina do tormento
Minha alma, a seus desgostos tão unida,
Que por manter-se em posse de afligida
Me concede os pesares de alimento.

Em mim não são as lágrimas bastantes
Contra incêndios, que ardentes me maltratam,
Nem estes contra aqueles são possantes:

Contrários contra mim em paz se tratam,
E estão em ódio meu tão conspirantes,
Que só por me matarem não se matam.

A Jesus Cristo, Nosso Senhor

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que tenha gostado de nossa seleção de poemas de Gregório de Matos.

Se você curtiu este conteúdo, não deixe de ver a nossa coletânea de Fagundes Varela.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. 8 poemas de Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”. [S.I.] 2021. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poemas-de-gregorio-de-matos-boca-do-inferno/. Acesso em: 2 out. 2024.