Saiba o que é dístico em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!
O dístico é um tipo estrófico muito antigo e de variadas aplicações em português.
Encontramo-lo com ou sem rima, aliado ou não a outros tipos estróficos, isolado ou somado a outras estrofes.
A seguir, elucidaremos o que é dístico em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de dístico
Em poesia, dístico é o nome que se dá à estrofe composta de dois versos.
O dístico é também conhecido como parelha e, por isso, às rimas que se dão em dois versos sequenciais chamamos rimas emparelhadas, ou rimas em parelha.
Geir Campos salienta, em Pequeno dicionário de arte poética, que o nome parelha é aplicado ao dístico especialmente se for ele rimado e seus versos contiverem sete ou menos sílabas poéticas, como nestes versos de Cruz e Sousa:
Os miseráveis, os totos
são as flores dos esgotos.São espectros implacáveis,
os rotos, os miseráveis…
Os dísticos, geralmente, apresentam-se metrificados e seus versos apresentam-se no mesmo metro, embora seja possível construí-los em diferentes metros, e mesmo sem metrificar.
Aplicação do dístico
O dístico o mais das vezes é empregado de forma a encerrar uma unidade sintática independente, valendo-se de rimas e expressando uma ideia completa em si mesma.
Daí o vermo-lo frequentemente empregado em adágios populares, máximas, epigramas, etc., muitas vezes com conotação moral ou filosófica, como no seguinte provérbio:
Água mole em pedra dura
Tanto bate até que fura.
O uso proverbial do dístico remonta a muitos séculos e o encontramo-lo, por exemplo, na poesia sânscrita (nos famosos ślokas), na poesia chinesa (aparece no Shi Jing), na poesia árabe e persa.
Na poesia europeia, o uso do dístico intensificou-se após o advento da rima, por volta do século XII, e passou a ter sua qualidade epigramática explorada, tanto isoladamente, quanto no encerramento de poemas, e mesmo em peças dramáticas, para concluir uma cena ou para expressar o clímax de uma ação.
O dístico, como se percebe, é extremamente eficaz e potente para expressar um pensamento ou concluir uma ideia.
Em português, encontramos o dístico aplicado de diversas formas, mas as principais são:
- em epigramas ou adágios;
- fechando sonetos shakespearianos;
- como mote ou glosa em poemas;
- em poemas compostos apenas de dísticos.
Em todas estas aplicações, o mais comum é encontrarmos o dístico rimado, uma vez que as rimas costumam potencializar sobremaneira sua qualidade epigramática, conferindo um sentido ainda maior de unidade, que normalmente já é evidenciada pela sintaxe.
Exemplos de aplicação do dístico
Abaixo daremos alguns exemplos de aplicação do dístico em suas variadas possibilidades.
Exemplos de dístico em adágios
Pobres! num só colchão podem caber uns três,
Mas o maior império é pouco pra dois reis.
(Fontoura Xavier)Ladrão que rouba ladrão
Tem cem anos de perdão.Quem pode, pode;
Quem não pode, se sacode.Quem fala o que quer,
Ouve o que não quer.
Exemplos de dístico em sonetos shakespearianos
Quarto soneto de meditação, de Vinícius de Moraes
Apavorado acordo, em treva. O luar
É como o espectro do meu sonho em mim
E sem destino, e louco, sou o mar
Patético, sonâmbulo e sem fim.Desço na noite, envolto em sono; e os braços
Como ímãs, atraio o firmamento
Enquanto os bruxos, velhos e devassos
Assoviam de mim na voz do vento.Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
Sem dimensão e sem razão me leva
Para o silêncio onde o Silêncio dorme
Enorme. E como o mar dentro da trevaNum constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito.
Soneto inglês nº 1, de Manuel Bandeira
Quando a morte cerrar meus olhos duros
— Duros de tantos vãos padecimentos,
Que pensarão teus peitos imaturos
Da minha dor de todos os momentos?Vejo-te agora alheia, e tão distante:
Mais que distante — isenta. E bem prevejo,
Desde já bem prevejo o exato instante
Em que de outro será não teu desejo,Que o não terás, porém teu abandono,
Tua nudez! Um dia hei de ir embora
Adormecer no derradeiro sono.
Um dia chorarás… Que importa? Chora.Então eu sentirei muito mais perto
De mim feliz, teu coração incerto.
Exemplo de poema composto somente por dísticos
A lágrima, de Guerra Junqueiro
Manhã de Junho ardente. Uma encosta escavada,
Seca, deserta e nua, à beira duma estrada.Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha,
Bebendo o sol, comendo o pó, mordendo a rocha.Sobre uma folha hostil duma figueira brava,
Mendiga que se nutre a pedregulho e lava,A aurora desprendeu, compassiva e divina,
Uma lágrima etérea, enorme e cristalina.Lágrima tão ideal, tão límpida, que ao vê-la,
De perto era um diamante e de longe uma estrela.Passa um rei com o seu cortejo de espavento,
Elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento.– “No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar,
Há safiras sem conta e brilhantes sem par,“Há rubins orientais, sangrentos e doirados,
Como beijos d’amor, a arder, cristalizados.“Há pérolas que são gotas de mágoa imensa,
Que a lua chora e verte, e o mar gela e condensa.“Pois, brilhantes, rubins e pérolas de Ofir,
Tudo isso eu dou, e vem, ó lágrima, fulgir“Nesta c’roa orgulhosa, olímpica, suprema,
Vendo o Globo a teus pés do alto do teu diadema!”E a lágrima celeste, ingênua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.Couraçado de ferro, épico e deslumbrante,
Passa no seu ginete um cavaleiro andante.E o cavaleiro diz à lágrima irisada:
“Vem brilhar, por Jesus, na cruz da minha espada!“Far-te-ei relampejar, de vitória em vitória,
Na Terra Santa, à luz da Fé, ao sol da Glória!“E à volta há-de guardar-te a minha noiva, ó astro,
Em seu colo auroreal de rosa e de alabastro.“E assim alumiarás com teu vivo esplendor
Mil combates de heróis e mil sonhos d’amor!”E a lágrima celeste, ingênua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu e quedou silenciosa.Montado numa mula escura, de caminho,
Passa um velho judeu, avarento e mesquinho.Mulas de carga atrás levavam-lhe o tesoiro:
Grandes arcas de cedro, abarrotadas d’oiro.E o velhinho andrajoso e magro como um junco,
O crânio calvo, o olhar febril, o bico adunco,Vendo a estrela, exclamou: “Oh Deus, que maravilha!
Como ela resplandece, e tremeluz, e brilha!“Com meu oiro em montão podiam-se comprar
Os impérios dos reis e os navios do mar,“E por esse diamante esplêndido trocara
Todo o meu oiro imenso a minha mão avara!”E a lágrima celeste, ingênua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.Debaixo da figueira, então, um cardo agreste,
Já ressequido, disse à lágrima celeste:“A terra onde o lilás e a balsamina medra
Para mim teve sempre um coração de pedra.“Se a queixar-me, ergo ao céu os braços por acaso,
O céu manda-me em paga o fogo em que me abraso.“Nunca junto de mim, ulcerado de espinhos,
Ouvi trinar, gorjear a música dos ninhos.“Nunca junto de mim ranchos de namoradas
Debandaram, cantando, em noites estreladas…“Voa a ave no azul e passa longe o amor,
Porque ai! Nunca dei sombra e nunca tive flor!…“Ó lágrima de Deus, ó astro, ó gota d’água,
Cai na desolação desta infinita mágoa!”E a lágrima celeste, ingênua e luminosa,
Tremeu, tremeu, tremeu… e caiu silenciosa!…E algum tempo depois o triste cardo exangue,
Reverdecendo, dava uma flor cor de sangue,Dum roxo macerado, e dorido, e desfeito,
Como as chagas que tem Nosso Senhor no peito…E ao cálix virginal da pobre flor vermelha
Ia buscar, zumbindo, o mel doirado a abelha!…