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Ode: o que é, tipos, características e exemplos

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Saiba o que é ode na poesia, quais seus tipos, suas características e veja exemplos de odes em português!

A ode é um dos tipos de composição poética mais populares e, desde a Grécia, têm sido utilizada por inúmeros poetas.

Assim como outras formas poéticas, a ode evoluiu e, modernamente, possui características um pouco diferentes daquelas que caracterizavam as odes tradicionais.

Para dizer como Stephen Fry, em The Ode Less Travelled (que traduzimos livremente abaixo):

Os poetas hoje podem optar por chamar suas obras de odes, mas em vez de sugerir quaisquer implicações formais, isso provavelmente promete, à sombra de Keats, uma reflexão romântica sobre temas como natureza, beleza, arte, alma e sua relação com a própria elaboração de um poema em si.

Sendo assim, preparamos esse artigo para que você saiba o que é ode, quais seus tipos, suas características, e veja exemplos de odes em português.

Boa leitura!

O que é ode?

A ode era, para os gregos, uma composição poética destinada ao canto (em grego, “ode” quer dizer “canto”).

Tais cantos, porém, possuíam uma característica muito pronunciada: tratavam-se de cantos de exaltação, que eram geralmente acompanhados de música, de coros e, às vezes, de dança.

Os romanos adotaram a ode e separaram-na da música, como expõe Carol Maddison em Apollo and the Nine – A History of the Ode.

A partir de então, a ode ficou sendo o que é, hoje, para nós. Para dizer como Olavo Bilac e Guimarães Passos em seu Tratado de versificação, a ode é, para nós modernos, “um poema lírico, em que se exprimem, de modo ardente e vivo, os grandes sentimentos da alma humana”.

Resumindo: se temos, no espectro da poesia lírica, de um lado, a elegia, que é um canto triste e melancólico, do outro temos a ode, que é um canto entusiasmado e vigoroso.

Tipos de ode

As odes podem ser classificadas de diversas maneiras, especialmente hoje, quando seu sentido descolou-se um pouco do antigo.

Tradicionalmente, porém, há cinco tipos de ode, como expõe Napoleão Mendes de Almeida em sua Gramática metódica da língua portuguesa:

  1. Sacra, que, segundo as circunstâncias, pode-se chamar salmo, hino, cântico.
  2. Anacreôntica (de Anacreonte, poeta lírico grego), em que se canta decente e graciosamente o amor, os prazeres e o vinho.
  3. Heroica ou pindárica (de Píndaro, príncipe dos poetas líricos gregos), de assunto e estilo nobres e elevados, em honra e louvor dos heróis, para festejar os seus feitos.
  4. Epódica, que se ocupa de matéria filosófico-moral.
  5. Sáfica, que tem por objetivo a regularidade das estâncias, que são de quatro versos cada uma; assim chamada por ter sido muito cultivada por Safo, poetisa grega (nota: estes quatro versos, em português, consistem em três decassílabos seguido de um tetrassílabo).

Características da ode

Resumidamente, as odes possuem como característica principal o tom laudatório, exaltado e emotivo.

Sendo a ode um poema lírico, seus versos são geralmente marcados pela subjetividade, ou seja, são versos que expressam emoções, pensamentos e sentimentos experimentados pelo eu lírico.

Como vimos no tópico anterior, as odes podem ser divididas em tipos, que o mais das vezes resumem sua temática, ou aquilo que está sendo exaltado.

As odes clássicas caracterizavam-se, também, por serem divididas em estrofes semelhantes entre si tanto pelo número, quanto pela medida dos versos.

Modernamente, posto que as odes não mais se destinam ao canto, não possuem elas o mesmo rigor formal quanto à disposição das estrofes e à métrica.

Ad Curso de Poesia

Servem as odes, hoje, para exaltar em versos tudo aquilo que nos desperta entusiasmo.

Um exemplo de ode moderna, que não se vale de métrica nem apresenta regularidade na estrofação, é a impressionante Ode marítima, de Fernando Pessoa.

Exemplos de odes

Selecionamos três odes em três tipos diferentes de verso que, julgamos, servirão para evidenciar a evolução da ode no tempo.

A primeira delas abre a seção de odes da edição de 1843 das Obras completas de Camões: é uma ode mais clássica, construída em decassílabos (entremeados de hexassílabos), com rimas e estrofação regular.

O poeta responsável pela segunda, José Bonifácio, que nasceu dois séculos depois da morte de Camões, mantém a estrofação regular e a métrica, porém, utiliza versos brancos em sua composição.

Já no último exemplo, avançamos mais um século para chegar à famosíssima Ode triunfal de Fernando Pessoa, construída em versos livres.

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Aproveite!

Ode I, de Camões

Detém um pouco, Musa, o largo pranto
Que Amor te abre do peito;
E vestida de rico e ledo manto,
Demos honra e respeito,
Àquela, cujo objeto
Todo o mundo alumia,
Trocando a noite escura em claro dia.

Ó Délia, que apesar da névoa grossa,
Co’os teus raios de prata
A noite escura fazes que não possa
Encontrar o que trata,
E o que n’alma retrata
Amor por teu divino
Raio, por qu’endoudeço e desatino:

Tu, que de formosíssimas estrelas
Coroas e rodeias
Tua cândida fronte e faces belas;
E os campos formoseias
Co’as rosas que semeias,
Co’as boninas que gera
O teu celeste humor na primavera:

Para ti guarda o sítio fresco d’Ílio
Suas sombras formosas;
Para ti o Erimanto e o lindo Pílio
As mais purpúreas rosas;
E as drogas mais cheirosas
Desse nosso Oriente
Guarda a felice Arábia mais contente.

De qual pantera, ou tigre, ou leopardo
As ásperas entranhas
Não temerão teu fero e agudo dardo,
Quando por as montanhas
Mais remotas e estranhas
Ligeira atravessavas,
Tão formosa que a Amor d’amor matavas?

Pois, Délia, do teu céu vendo estás quantos
Furtos de puridades,
Suspiros, mágoas, ais, músicas, prantos,
As conformes vontades,
Umas por saudades,
Outras por crus indícios
Fazem das próprias vidas sacrifícios:

Já veio Endimião por estes montes
O eco, suspenso, olhando,
E teu nome, co’os olhos feitos fontes,
Em vão sempre chamando,
Pedindo (suspirando)
Mercês à tua beldade,
Sem que ache em ti um’hora piedade.

Por ti feito pastor de branco gado
Nas selvas solitárias,
Só de seu pensamento acompanhado,
Conversa as alimárias,
De todo Amor contrárias,
Mas não como ti duras,
Onde lamenta e chora desventuras.

Das castas virgens sempre os altos gritos,
Clara Lucina, ouviste,
Renovando-lhe as forças e os espritos:
Mas os daquele triste,
Já nunca consentiste
Ouvi-los um momento,
Para ser menos grave o seu tormento.

Não fujas, não de mi! Ah não t’escondas
Dum tão fiel amante!
Olha como suspiram estas ondas,
E como o velho Atlante
O seu colo arrogante
Move piedosamente,
Ouvindo a minha voz fraca e doente.

Triste de mi! Qu’alcanço por queixar-me,
Pois minhas queixas digo
A quem já ergueu a mão para matar-me,
Como a cruel imigo?
Mas eu meu fado sigo,
Que a isto me destina,
E qu’isto só pretende e só m’ensina.

Oh quanto haja que o Céu me desengana!
Mas eu sempre porfio
Cada vez mais na minha teima insana.
Tendo livre alvedrio,
Não fujo o desvario;
Porque este em que me vejo
Engana co’a esperança o meu desejo.

Oh quanto melhor fora que dormissem
Um sono perenal
Estes meus olhos tristes, e não vissem
A causa de seu mal
Fugir, a um tempo tal,
Mais que dantes proterva,
Mais cruel que ursa, mais fugaz que cerva!

Ai de mi, que me abraso em fogo vivo,
Com mil mortes ao lado;
E quando morro mais, então mais vivo!
Porque tem ordenado
Meu infelice fado,
Que quando me convida
A morte, para a morte tenha vida.

Secreta noite amiga, a que obedeço,
Estas rosas (por quanto
Meus queixumes me ouviste) te ofereço,
E este fresco amaranto,
Úmido já do pranto,
E lágrimas da esposa
Do cioso Titão, branca e formosa.

Ode aos baianos, de José Bonifácio

Altiva Musa, ó tu que nunca incenso
Queimaste em nobre altar ao despotismo;
Nem insanos encômios proferiste
De cruéis demagogos;
Ambição de poder, orgulho e fasto,
Que os servis amam tanto, nunca, ó Musa,
Acenderam teu estro: a só virtude
Soube inspirar louvores.

Na abóbada do templo da Memória
Nunca comprados cantos retumbaram:
Ali! vem, ó Musa, vem: na lira de ouro
Não cantarei horrores…
Arbitrária fortuna! desprezível
Mais que essas almas vis, que até se humilham,
Prosterne-se a teus pés o Brasil todo;
Eu nem curvo o joelho.

Beijem o pé que esmaga, a mão que açoita,
Escravos nados, sem saber, sem brio;
Que o bárbaro Tapuia, deslumbrado,
O deus do mal adora.
Não; reduzir-me a pó, roubar-me tudo,
Porém nunca aviltar-me pode o fado;
Quem a morte não teme, nada teme.
Eu nisto só confio.

Inchado do poder, de orgulho e sanha,
Treme o vizir, se o grão-senhor carrega,
Porque mal digeriu, sobr’olho iroso,
Ou mal dormiu a sesta.
Embora nos degraus do excelso trono
Rasteje a lesma, para ver se abate
A virtude que odeia — a mim me alenta
Do que valho a certeza.

E vós também, baianos, desprezastes
Ameaças, carinhos, desfizestes
As cabalas, que pérfidos urdiram
Inda no meu desterro.
Duas vezes, baianos, me escolhestes
Para a voz levantar a pró da Pátria
Na assembleia geral; mas duas vezes
Foram baldados votos.

Porém enquanto me animar o peito
Este sopro de vida, que inda dura,
O nome da Bahia, agradecido,
Repetirei com júbilo.
Amei a liberdade, e a independência
Da doce cara pátria, a quem o Luso
Oprimia sem dó, com riso e mofa:
— Eis o meu crime todo.

Cingida a fronte de sangrentos louros,
Horror jamais inspirará meu nome;
Nunca a viúva há de pedir-me esposo,
Nem seu pai a criança.
Nunca aspirei a flagelar humanos.
Meu nome acabe, para sempre acabe,
Se para o libertar do eterno olvido
Forem precisos crimes.

Morrerei no desterro em terra estranha,
Que no Brasil só vis escravos medram.
Para mim o Brasil não é mais pátria,
Pois faltou à justiça.
Vales e serras, altas matas, rios,
Nunca mais vos verei — sonhei outrora
Poderia entre vós morrer contente;
Mas não, monstros o vedam!

Não verei mais a viração suave
Parar o aéreo voo, e de mil flores
Roubar aromas, e brincar travessa
Co’o trêmulo raminho.
Ó país sem igual, país mimoso,
Se habitassem em ti sabedoria,
Justiça, altivo brio, que enobrecem
Dos homens a existência;

De estranha emulação aceso o peito,
Lá me ia formando a fantasia
Projetos mil para vencer mil ócios,
Para criar prodígios!
Jardins, vergéis, umbrosas alamedas,
Frescas grutas então, piscosos lagos,
E pingues campos, sempre verdes prados
Um novo Éden fariam.

Doces visões! fugi! Ferinas almas
Querem que em França um desterrado morra!
Já vejo o gênio da certeira morte
Ir afiando a foice!
Galicana donzela, lacrimosa,
Trajando roupas lutuosas, longas,
De meu pobre sepulcro a tosca lousa
Só cobrirá de flores!

Que o Brasil inclemente, ingrato ou fraco,
Às minhas cinzas um buraco nega…
Talvez tempo virá que inda pranteie
Por mim com dor pungente!
Exulta, velha Europa! o novo império,
Obra-prima do Céu! por fado ímpio
Não será mais o teu rival altivo
Em comércio e marinha.

Aquele que gigante, inda no berço,
Se mostrava às nações, no berço mesmo
É já cadáver de cruéis harpias,
De malfazejas fúrias.
Como, ó Deus! que portento! a Urânia Vênus
Ante mim se apresenta? Riso meigo
Banha-lhe a linda boca, que escurece
Fino coral nas cores:

“Eu consultei os fados, que não incutem
(Assim me fala piedosa a deusa).
Das trevas surgirá sereno dia
Para ti, para a pátria.
O constante varão que ama a virtude,
Co’os berros da borrasca não se assusta,
Nem, como folha de álamo fremente,
Freme à face dos males.

Escapaste a cachopos mil ocultos,
Em que há de naufragar, como té agora,
Tanto áulico perverso. Em França, amigo,
Foi teu desterro um porto.
Os teus baianos, nobres e briosos,
Gratos serão a quem lhes deu socorro
Contra o bárbaro Luso, e a liberdade
Meteu no solo escravo.

Há de enfim essa gente generosa
As trevas dissipar, salvar o Império;
Por eles, liberdade, paz, justiça
Serão nervos do Estado.
Qual a palmeira, que domina ufana
Os altos topos da floresta espessa,
Tal bem presto há de ser no novo mundo
O Brasil bem-fadado.

Em vão da paixão vil cruzados ramos
Tentarão impedir do sol os raios:
A luz vai penetrando a copa opaca;
O chão brotará flores!”
Calou-se então, voou; e as soltas tranças
Em torno espalham mil sabeus perfumes;
E os zéfiros, as asas adejando,
Vazam dos ares rosas…

Ode triunfal, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical —
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força —
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrénuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!

Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas,
Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!
Actividade internacional, transatlântica, CanadianPacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
E Piccadillies e Avenues de L’Opéra que entram
Pela minh’alma dentro!

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule!
Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!
Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos;
Membros evidentes de clubes aristocráticos;
Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete
De algibeira a algibeira!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
Presença demasiadamente acentuada das cocotes
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,
Que andam na rua com um fim qualquer;
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
E afinal tem alma lá dentro!

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicídio
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

Notícias desmentidas dos jornais,
Artigos políticos insinceramente sinceros,
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes —
Duas colunas deles passando para a segunda página!
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos há pouco, molhados!
Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amo de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!
Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!
Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,
Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente.
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes —
Na minha mente turbulenta e encandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.

Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos,
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta).

Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até à noite ponte misteriosa entre os astros
E o mar antigo e solene, lavando as costas
E sendo misericordiosamente o mesmo
Que era quando Platão era realmente Platão
Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro,
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele.

Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!

Up-lá hô jockey que ganhaste o Derby,
Morder entre dentes o teu cap de duas cores!

(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas.

E ser levado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!

Ó tramways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até ao espasmo!
Hilla! hilla! hilla-hô!
Dai-me gargalhadas em plena cara,
Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,
Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
Rio multicolor anônimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e amo-o! —
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!

(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje…)

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!
Outra vez a obsessão movimentada dos ônibus.
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios
De todas as partes do mundo,
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas.
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!

Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos brocas, máquinas rotativas!

Eia! eia! eia!
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!

Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nosso texto e aprendido o que é ode e quais são suas principais características.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa lista de poemas sobre o carnaval.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Ode: o que é, tipos, características e exemplos. [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/ode-o-que-e-tipos-caracteristicas-exemplos/. Acesso em: 2 mai. 2024.