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Verso decassílabo: o que é, tipos, características e exemplos

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Saiba o que é decassílabo em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

O decassílabo é um dos tipos de verso mais amplamente utilizados em português, e seu emprego remonta aos primórdios de nossa poesia.

Neste metro estão algumas das mais conhecidas obras da literatura universal, como Os Lusíadas, de Camões, A divina comédia, de Dante, os sonetos de Petrarca e Shakespeare, entre muitas outras.

A seguir, elucidaremos o que é decassílabo na poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de decassílabo

Em poesia, decassílabo é o nome que se dá ao verso que possui dez sílabas poéticas, segundo a contagem silábica praticada em português.

Nesta contagem, também chamada contagem francesa ou contagem de Castilho, considera-se para efeito de definição do metro o número de sílabas poéticas do verso até sua última sílaba tônica.

Desta forma, o decassílabo pode possuir dez, onze ou doze sílabas poéticas reais, a depender se sua última sílaba tônica recai em palavra aguda, grave ou esdrúxula, respectivamente.

Quanto à acentuação, o verso decassílabo possui, normalmente, três, quatro ou cinco sílabas fortes.

Características do verso decassílabo

O decassílabo é um verso antiquíssimo em nossa língua e apresenta plasticidade impressionante; sua popularidade talvez seja somente comparável ao heptassílabo, embora, em composições de vulto e mais ambiciosas, sua utilização seja certamente mais frequente.

Segundo Manuel Said Ali, sua importação ao português deriva das literaturas provençal, ibérica e italiana; portanto, de três distintas fontes, cada qual aportando características específicas.

Encontra-se para este metro realizações variadíssimas, embora o padrão construtivo italiano tenha sido de uso mais frequente ao longo dos séculos.

Em decorrência de ter sido este o verso preferido para poemas épicos, há quem o chame de verso heroico; todavia, o mais das vezes, esta denominação refere-se ao decassílabo acentuado na sexta sílaba.

O decassílabo é largamente aplicado tanto em estrofes isométricas, quanto em estrofes heterométricas: a primeira aplicação predomina e, nestas últimas, o mais frequente é encontrá-lo associado ao hexassílabo.

Vale notar também que é este o metro no qual tradicionalmente são construídos sonetos.

Quanto ao ritmo, o verso decassílabo, em português, é empregado tanto em estrofes de cadência apenas silábica, quanto silábico-acentual.

Tipos de decassílabo

O decassílabo é um metro de possibilidades variadíssimas de realização.

Cavalcanti Proença, em Ritmo e poesia, elenca 28 destas possibilidades, o que nos dá uma vaga ideia de quão rico é este metro, que comporta ainda muitas outras.

Geralmente, o decassílabo costuma ser classificado quanto à disposição acentual de suas sílabas, havendo numerosas denominações utilizadas ao longo do tempo para referir-se a este metro.

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Dentre elas, as principais são:

  • Decassílabo heroico: chama-se heroico o decassílabo acentuado de praxe na 6ª sílaba.
  • Decassílabo sáfico: diz-se do decassílabo acentuado na 4ª e 8ª sílabas, formando o esquema acentual 4-8-10.
  • Decassílabo italiano: diz-se das composições que misturam decassílabos heroicos e sáficos, tal como costumavam ser aplicados na poesia italiana.
  • Verso de gaita galega: este tipo de decassílabo caracteriza-se pelo esquema acentual 4-7-10, podendo também vir acentuado na primeira sílaba.
  • Decassílabo ibérico: Manuel Said Ali aplica essa denominação para decassílabos que seguiam a tradição ibérica, que geralmente resultava nos esquemas acentuais 1-4-7-10 e 2-5-7-10.
  • Pentâmetro iâmbico: esta denominação é mais frequente na literatura inglesa, onde, em vez do número de sílabas, é pelo número de pés (e sua qualidade) que se costuma classificar os versos. O termo refere-se ao decassílabo de alternância binária em ritmo iâmbico, que resulta no esquema acentual 2-4-6-8-10.

Abaixo, daremos exemplos destes tipos.

Decassílabo heroico

Este tipo de decassílabo, o mais comum entre todos, serviu de base para inúmeros poemas das mais variadas extensões.

Sua característica é, simplesmente, o acento obrigatório na sexta sílaba; mas dificilmente o verso apresenta-se sob o esquema acentual 6-10.

A posição do acento na sexta sílaba confere um apoio rítmico interessante, ficando o dinamismo dos versos por conta das variadas possibilidades de posicionamento dos demais acentos.

Alguns exemplos, com nosso destaque para as sílabas tônicas.

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Esquema acentual 1-3-6-10:

Fundem círculos ximos de espanto
(Geir Campos)

Esquema acentual 1-4-6-8-10:

Pode habitar talvez um Deus distante
(Antero de Quental)

Esquema acentual 3-6-10:

Com o amarrilho vermelho das estradas
(Cassiano de Abreu)

Esquema acentual 2-6-8-10:

As obras com que Amor matou de amores
(Camões)

Esquema acentual 1-6-10:

Leda serenidade deleitosa
(Camões)

Decassílabo sáfico

Este tipo de decassílabo, também chamado simplesmente verso sáfico, caracteriza-se por acentuação conforme o esquema 4-8-10.

Como dito anteriormente, na maioria das vezes este padrão mistura-se ao decassílabo heroico em composições, produzindo um efeito de grande harmonia, sem tornar os versos monótonos.

Tal harmonia deriva principalmente do fato de que, aqui, a sexta sílaba, embora não seja acentuada, parece-nos ressaltada por estar entre duas fracas; já nos heroicos, a oitava sílaba, ainda que não seja acentuada, soará forte por estar também entre duas fracas.

Assim, ambos os tipos parecem reproduzir o mesmo ritmo a partir da 6ª sílaba.

Alguns exemplos de decassílabo sáfico:

Desaparece sem deixar saudade
(Dante Milano)

Sonoridade potencial dos seres
(Augusto dos Antes)

Decassílabo ibérico

Esta é a denominação que Manuel Said Ali dá para decassílabos que, segundo o autor, resultavam em esquemas acentuais 1-4-7-10 e 2-5-7-10.

Exemplos do primeiro (a este tipo, também já se chamou moinheira ou verso de gaita galega):

Junto do termo de Vila Real
(Gil Vicente)

Dia de sol, inundado de sol!…
(Camilo Pessanha)

Exemplos do segundo:

Têm pés e não andam, mãos e não palpam
(Gil Vicente)

Pentâmetro iâmbico

Em português, dificilmente encontramos esta denominação, embora ela seja corriqueira em outras línguas, especialmente no inglês.

Ocorre que a tradição de nossa língua acostumou-se a classificar os versos pelo número de sílabas (decassílabo = 10 sílabas), enquanto a tradição de outras línguas, como o inglês, o grego e o latim, classifica-os pelo número de pés (pentâmetro = 5 pés).

Um pentâmetro iâmbico refere-se, portanto, a cinco pés iâmbicos, e o iambo é simplesmente uma sequência duas sílabas, sendo a primeira breve e a segunda longa (na poesia grego-latina); convertendo-o para o nosso sistema acentual, o iambo representa uma sílaba átona seguida de uma tônica.

Logo vemos que a equivalência do pentâmetro iâmbico, em português, é um verso decassílabo de esquema acentual 2-4-6-8-10.

Embora seja difícil encontrar composições portuguesas inteira e perfeitamente construídas neste ritmo, o padrão é facilmente encontrável e encaixa-se em nossos versos heroicos.

Alguns exemplos:

Que tenção, que peito em nós se sente
(Camões)

A sua enorme graça, o sal antigo
(Cassiano Ricardo)

O amor florindo em nós abril e outubro
(Geir Campos)

Fechou à minha Elvira a esquiva porta
(Machado de Assis)

Outras variações

Naturalmente, o decassílabo comporta tantas formas quantas permitem o posicionamento dos acentos dentro de sua extensão.

Acima, exemplificamos com as mais frequentes e também aquelas que possuem denominação especial.

Convém, porém, fazer duas notas.

A primeira delas é que um número enorme de poemas construídos em decassílabos apresentam paridade apenas silábica nos versos, isto é, frequentemente, o que encontramos são composições em que os esquemas acentuais alteram-se de verso para verso.

A segunda nota, deixamos para Rogério Chociay que, em seu Teoria do verso, assim se refere às vinte e oito possibilidades de decassílabos elencadas por Cavalcanti Proença em Ritmo e poesia:

Embora vinte e oito possibilidades já pareçam bastantes, essas combinatórias representam apenas um pálido exemplo da riqueza a que pode atingir a linha melódica do decassílabo. Se considerarmos também as pausas internas, as soluções de entoação, a hierarquia entre as sílabas fortes estabelecida pelas construções sintáticas que conformam seu alinhamento, veremos que a pura indicação das sílabas intensas nem sempre nos retrata a real tessitura dos exemplares analisados.

Exemplos de verso decassílabo

Abaixo disponibilizamos alguns exemplos de aplicação do verso decassílabo:

Amor é um fogo que arde sem se ver, de Camões

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode o seu favor
Nos mortais corações conformidade,
Sendo a si tão contrário o mesmo Amor?

Psicologia de um vencido, de Augusto dos Anjos

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Sossega, coração! Não desesperes!, de Fernando Pessoa

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

Soneto do amor total, de Vinícius de Moraes

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Cavador do Infinito, de Cruz e Sousa

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
Mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias…

Alto levanta a lâmpada do Sonho
E com seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!

Adormecida, de Castro Alves

Uma noite eu me lembro… Ela dormia
Numa rede encostada molemente…
Quase aberto o roupão… solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

‘Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina…
E ao longe, num pedaço do horizonte
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras
Iam na face trêmulos — beijá-la.

Era um quadro celeste!… A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia…
Quando ela serenava… a flor beijava-a…
Quando ela ia beijar-lhe… a flor fugia…

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças…
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava, ora afastava-se…
Mas quando a via despeitada a meio,
Pra não zangá-la… sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio…

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
“Virgem! tu és a flor da minha vida!…”

Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga

Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha ideia te retrata;
Busca extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca, e mata.

Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto, e escuto
A tua voz, e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos;
Eu beijo a tíbia luz em vez de face;
E aperto sobre o peito em vão os braços.

Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não suporto;
Foge-me a vista, e caio,
Não sei se vivo, ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.

Depois que represento
Por lago espaço a imagem de um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim lhe digo:

“Se queres ser piedoso,
Procura o sítio em que Marília mora,
Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, Amor, se chora.
Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
Uma delas me traze sobre as penas,
E para alívio meu só isto basta.”