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Soneto: o que é, história, tipos, características, exemplos

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Saiba o que é soneto, quais são suas características, sua história, seus tipos, veja exemplos e mais!

Sem dúvida, é o soneto a forma fixa mais conhecida e mais cultivada na poesia em todas as línguas de matriz europeia.

É raro encontrar um grande poeta que jamais se tenha aventurado a fazer um soneto, e isso diz muito sobre o respeito e o carinho que se nutre por esta forma poética.

De sua criação aos nossos dias, já se explorou uma infinidade de possibilidades construtivas em sonetos; contudo, uma coisa é certa: eles não perderam (e nem perderão) o encanto.

Dito isso, preparamos esse texto para que você saiba o que é soneto, conheça suas características, seus tipos, sua história, além de ver inúmeros exemplos de belos sonetos em português.

Boa leitura!

O que é soneto

O soneto é um poema de forma fixa que contém quatorze versos distribuídos tradicionalmente em quatro estrofes.

O nome soneto é derivado do italiano sonetto, que poderia ser traduzido como “sonzinho”, “pequeno som” ou “pequena canção”, visto que o sufixo etto é utilizado para diminutivos em italiano.

Tradicionalmente, o soneto apresenta duas variações:

  1. Soneto italiano (ou petrarquiano): forma clássica, composta de duas quadras e dois tercetos.
  2. Soneto inglês (ou shakespeariano): composto de três quadras e um dístico.

O soneto tradicional é construído em decassílabos: foi neste metro que compuseram tanto Petrarca, responsável por popularizar a primeira variação, quanto Shakespeare, responsável por popularizar a segunda.

Na França, porém, o metro mais cultivado em sonetos foi o alexandrino: metro, aliás, mais cultivado em toda a poesia francesa.

Quanto à disposição das rimas, há muitas variações, que abordaremos mais adiante.

História do soneto

A criação do soneto é frequentemente atribuída ao poeta italiano Giacomo da Lentini (c. 1210-c. 1260), embora não haja consenso.

Há quem credite sua invenção ao também italiano Guittone d’Arezzo (c. 1235-1294), e ao trovador francês Girard de Bourneuil (morto em 1278).

O que parece certo é que a invenção do soneto remonta ao século XIII e se, como parece, teve seu berço na Sicília, com Giacomo da Lentini, foi fortemente cultivado na Itália, especialmente por Francesco Petrarca (1304-1374), que o difundiu pela Europa.

Nos séculos imediatos à morte de Giacomo da Lentini, embora se tenha registros da produção esparsa de sonetos fora da Itália, como pelo espanhol Iñigo López de Mendonza (1398-1458), a forma ainda não alcançou muitos adeptos.

Coube ao século XVI a verdadeira explosão na disseminação dos sonetos pela Europa.

Na França, o soneto foi introduzido por Mellin de Saint-Gelais (c 1491-1558), em seguida sendo cultivado por poetas como Joachim du Bellay (1522-1560), Vincent Voiture (1597-1648), Isaac de Benserade (1612-1691) e Claude Malleville (1597-1647).

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Na Espanha, embora Iñigo López de Mendonza já tivesse produzido sonetos, sua introdução na língua é creditada a Juan Boscán (c. 1490-1542), cujo amigo pessoal e discípulo, Garcilaso de la Vega (1503-1536), foi responsável pela ampla disseminação.

Na Inglaterra, tanto a invenção do soneto inglês, quanto a introdução do verso branco no idioma são creditadas a Henry Howard, Earl of Surrey (1516-1547) e Thomas Wyatt (c. 1503-1542), que eram amigos pessoais.

O soneto inglês, também chamado soneto elisabetano, seria a forma utilizada e popularizada algumas décadas depois por William Shakespeare (1564-1616).

Já em Portugal, a introdução do soneto é creditada a Sá de Miranda (c. 1485-1558). A popularização desta bela forma poética em língua portuguesa deu-se por ninguém menos que Luís de Camões (c. 1524-1580).

Características do soneto

Encontramo-nos num século em que todo tipo de inovação já foi feita em poesia, e todas as possibilidades de adulteração das formas clássicas já foram executadas.

Um dos resultados disso é que houve uma descaracterização de tais formas ou, ao menos, passou-se a aplicar a mesma denominação clássica a poemas que não possuem qualidades semelhantes.

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O soneto é uma forma fixa que pode ser flexibilizada até certo ponto, caso contrário a própria palavra “soneto” perderá o sentido. É preciso estabelecer critérios, ainda que poetas possam fazer belas composições desprendendo-se deles.

É preciso, pois, que saibamos diferenciar um soneto de um simples poema de quatorze versos.

Assim, para que um poema seja chamado soneto, ele deve reunir algumas características básicas:

  1. Número de versos: um soneto deve conter quatorze versos.
  2. Estrofação: ou se dispõe os versos numa única estrofe, ou em quatro, que podem variar entre duas quadras e dois tercetos ou três quadras e um dístico.
  3. Métrica: um soneto deve ser metrificado.
  4. Rimas: um soneto deve utilizar rimas.

Tipos de soneto

Podemos dividir os sonetos de três formas distintas, levando em consideração suas características básicas apresentadas no tópico anterior: 1) quanto à estrofação; 2) quanto à métrica e 3) quanto à disposição das rimas.

Dentro destes três critérios, muitas variações são permitidas e tentaremos abordá-las, com exemplos, a seguir.

Há também uma quarta divisão possível, levando-se em conta o gênero poético da composição, a qual também apresentaremos.

Antes de tudo, porém, salientamos que, entre todos os tipos de soneto, dois são os principais, e reúnem características específicas referentes aos três critérios de divisão já mencionados:

  1. Soneto italiano: também chamado de petrarquiano ou camoniano, é um soneto construído em decassílabos dispostos em duas quadras e dois tercetos, de forma que as quadras apresentam a mesma disposição de rimas (ou alternadas, ou enlaçadas) para dois tipos de rima e os tercetos combinam duas ou três rimas diferentes.
  2. Soneto inglês: também chamado de soneto elisabetano ou shakespeariano, é um soneto construído em decassílabos dispostos em três quadras e um dístico, de forma que as quadras apresentam seis tipos de rima sempre alternadas.

Vejamos, agora, de quantas maneiras mais se pode classificar um soneto.

Classificação de sonetos por estrofação

Quanto à estrofação, três tipos de disposição são permitidas: a disposição clássica (ou italiana), a disposição inglesa e a disposição numa única estrofe (soneto monostrófico).

Vejamos alguns exemplos.

Estrofação clássica (ou italiana)

Tradicionalmente, um soneto é composto de quatro estrofes, sendo duas quadras (ou quartetos) seguidas de dois tercetos.

Esta é a disposição clássica, a mais amplamente cultivada e a utilizada por poetas como Petrarca, Camões e Garcilaso.

Abaixo um exemplo:

Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n’alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei por quê.

(Camões)

Estrofação inglesa

Na estrofação inglesa, temos os quatorze versos dispostos também em quatro estrofes, porém divididas em três quadras e um dísticos.

Este modelo foi muito utilizado por poetas ingleses, destacadamente William Shakespeare.

Como dissemos, geralmente esta estrofação também pressupõe o padrão inglês de rimas.

Abaixo um exemplo:

Quando a morte cerrar meus olhos duros
— Duros de tantos vãos padecimentos,
Que pensarão teus peitos imaturos
Da minha dor de todos os momentos?

Vejo-te agora alheia, e tão distante:
Mais que distante — isenta. E bem prevejo,
Desde já bem prevejo o exato instante
Em que de outro será não teu desejo,

Que o não terás, porém teu abandono,
Tua nudez! Um dia hei de ir embora
Adormecer no derradeiro sono.
Um dia chorarás… Que importa? Chora.

Então eu sentirei muito mais perto
De mim feliz, teu coração incerto.

(Manuel Bandeira)

Soneto monostrófico

Para que um soneto seja monostrófico, basta que tenha seus quatorze versos dispostos em uma única estrofe.

Tal disposição geralmente se resume a uma preferência pessoal do poeta no que tange ao aspecto visual do soneto, e costuma valer-se da mesma organização das rimas utilizada em modelos mais comuns, como o italiano e o inglês.

Por isso, quando nos deparamos com sonetos monostróficos, é difícil saber se a disposição dos versos foi uma escolha do autor ou do editor.

Abaixo um exemplo:

São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.

(Vinícius de Moraes)

Outras disposições

Embora certamente haja exemplos para todas as possibilidades de estrofação dos quatorze versos de um soneto, apenas uma, além das apresentadas, encontrou razoável aceitação e é vista com mais frequência em bons poetas.

Trata-se de dispor as estrofes do soneto de forma invertida, isto é, antepor os tercetos (ou o dístico) às quadras.

Abaixo um exemplo:

Ó doce amada minha, quando um dia,
Tu te fores deitar na campa fria,
Irei nela deitar-me ao lado teu.

Beijo, abraço-te muito, ardentemente…
E tu, pálida, muda, indiferente…
Grito, estremeço, morro também eu.

Ouve-se meia-noite; os enterrados
Erguem-se e dançam, grupos nebulosos…
E, estreitamente unidos como esposos,
Ficamo-nos no túmulo deitados.

Eis o dia da ira; convocados,
Erguem-se os mortos para a dor e os gozos.
E nós, do eterno prêmio descuidosos,
Deixamo-nos ficar, bem abraçados.

(Lúcio de Mendonça)

Deixamos, também, a título de curiosidade, uma estrofação rara, utilizada pelo poeta escocês Mark Alexander Boyd (1563-1601) no soneto Sonnet of Venus and Cupid.

Encontra-se, para este soneto, duas disposições: uma oitava seguida de um sexteto; e duas quadras, seguidas de um dístico, seguido de uma quadra.

Ezra Pound, em ABC of Reading, classificou-o como o mais belo soneto da língua inglesa.

Abaixo está ele, em sua versão original:

Fra hank to hank, fra wood to wood I rin
Ourhailit with my feeble fantasie
Like til a leaf that fallis from a tree
Or til a reed ourblawin with the wind,

Two gods guides me, the ane of them is blin,
Yea, and a bairn hrocht up in vanitie,
The next a wife ingenrit of the sea
And Iichter nor a dauphin with her fin.

Unhappy is the man for evermair
That tills the sand and sawis in the air,

But twice unhappier is he, I lairn,
That feidis in his heart a mad desire
And follows on a woman throw the fire
Led by a blind and teachit by a bairn.

Classificação de sonetos por métrica

Tradicionalmente, os sonetos são construídos em decassílabos.

Os poetas franceses, porém, estenderam aos sonetos o seu culto ao verso alexandrino, tornando esta a forma preferida em solo gaulês, e influenciando poetas de outras línguas.

Em língua portuguesa, todos os metros já foram utilizados para construir sonetos, mas perdura a preferência por decassílabos, embora muitos poetas tenham cultivado o alexandrino e experimentado metros como a redondilha maior, o octossílabo, entre outros.

Os metros menores, porém, parecem não oferecer espaço para que uma ideia seja suficientemente desenvolvida, à maneira dos clássicos.

Abaixo listamos alguns exemplos tirados de grandes poetas:

Soneto em hexassílabo (seis sílabas poéticas)

Onde nasci, morri.
Onde morri, existo.
E das peles que visto
muitas há que não vi.

Sem mim como sem ti
posso durar. Desisto
de tudo quanto é misto
e que odiei ou senti.

Nem Fausto nem Mefisto,
à deusa que se ri
deste nosso oaristo,

eis-me a dizer: assisto
além, nenhum, aqui,
mas não sou eu, nem isto.

(Carlos Drummond de Andrade)

Soneto em heptassílabo (sete sílabas poéticas; redondilha maior)

Tranças! ai! tranças formosas!
Cabelo puro e anelado,
Tão negro, tão perfumado
Como as matas tenebrosas!

Nas vossas roscas cheirosas,
Eu sinto o aroma orvalhado,
Que habita o seio doirado
Da madressilva e das rosas.

Por isso, amor, quando vejo
Esses escuros novelos
Revoltos, tenho desejo

De aspirá-los, de sorvê-los,
E de morrer como um beijo
Nas ondas dos teus cabelos.

(Guimarães Júnior)

Soneto em octossílabo (oito sílabas poéticas)

Um dia destes a saudade
(Saudade, a mais triste das flores)
Me deu da minha mocidade
No Palacete dos Amores.

O Palacete dos Amores.
Criação que a força de vontade
Do velho Gomes, em verdade,
Atestava. Linhas e cores.

Compunham quadro de um sainete
Tal, que os amores eram mato
Nos três pisos do palacete.

Mato, não — jardim: por maiores
Que fossem, sempre houve recato
No Palacete dos Amores.

(Manuel Bandeira)

Soneto em decassílabo (dez sílabas poéticas)

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Augusto dos Anjos)

Soneto em dodecassílabo (doze sílabas poéticas; alexandrino)

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.

Prende a ideia fugaz; doma a rima bravia;
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da Vida ao adito profundo,
Arranquei-te do Amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai — vaidade humana! — ao pé do um grão de areia…

(Olavo Bilac)

Classificação de sonetos por disposição das rimas

Assim como na métrica, os poetas já experimentaram todas as possibilidades de rimas que os quatorze versos de um soneto oferecem, uns com mais, outros com menos brilho.

Os modelos de que partiram tais experimentos, naturalmente, foram o italiano e o inglês.

Para que não nos estendamos infinitamente em exemplos, listaremos, aqui, a disposição tradicional inglesa, algumas variações da disposição italiana, e algumas disposições adicionais.

Disposição inglesa

A disposição inglesa, também chamada elisabetana ou shakespeariana, disposição que William Shakespeare utilizou em seus 154 sonetos, é fixa e, por isso, possui uma musicalidade muito característica.

É interessante notar que alguns poetas, mesmo utilizando-a, mantiveram em suas composições a estrofação italiana, isto é, dispuseram o poema em duas quadras e dois tercetos.

Resume-se a disposição de rimas inglesa a três quadras rimando alternadamente seis rimas diferentes seguidas de um dístico, conforme o esquema abab cdcd efef gg.

Abaixo um exemplo:

Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza, mas por altivez.
No tormento mais fundo o teu gemido
Trocar num grito de ódio a quem o fez.

As delícias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana
Sobpor ao gênero sentimento
De uma afeição mais simplesmente humana.

Não tremer de esperança nem de espanto.
Nada pedir nem desejar, senão
A coragem de ser um novo santo
Sem fé num mundo além do mundo. E então,

Morrer sem uma lágrima, que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.

(Manuel Bandeira)

Disposição italiana

A disposição italiana (ou petrarquiana) é, de longe, a mais utilizada, e comporta muitas variações.

As quadras apresentam, de praxe, o mesmo esquema rímico, podendo variar as rimas entre enlaçadas e alternadas, conforme os esquemas abab abab ou abba abba.

Já os tercetos, que podem acoplar-se a qualquer um dos modelos de quadras, podem conter duas ou três rimas, e variados são os esquemas possíveis: cde cde, cdc dcd, ccd eed, cde edc.

De todos esses esquemas possíveis, o mais utilizado é o abba abba cdc dcd.

Abaixo um exemplo neste formato:

Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n’alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas;

Razão feroz, o coração me indagas.
De meus erros a sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co’a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.

Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.

(Bocage)

Disposição francesa

A disposição comumente chamada francesa ganhou este nome pelo uso repetido em poetas gauleses.

Tal disposição, aliada ao verso alexandrino, tornaram-se uma marca inconfundível do soneto francês.

Bem parecida com a disposição tradicional italiana, tem ela as quadras em rimas enlaçadas, operando uma “quebra” no padrão harmônico italiano a partir dos tercetos.

A disposição francesa enquadra-se no esquema abba abba ccd ede.

Disposição spenseriana

Esta disposição, criada pelo poeta inglês Edmund Spenser, é como uma fusão entre as disposições italiana e inglesa.

Tais sonetos, normalmente, seguem ou a estrofação inglesa, ou são apresentados em disposição monostrófica.

O esquema característico desta disposição rímica é abab bcbc cdcd ee.

Disposição puchkiana

Esta disposição, popularizada pelo poeta russo Alexandr Púchkin, geralmente possui apresentação monostrófica.

Nestes sonetos, apesar de geralmente dispostos numa única estrofe, identificamos como três quadras e um dístico, de forma que as três quadras apresentam três esquemas rímicos diferentes.

Esta disposição enquadra-se no esquema abab ccdd effe gg.

Disposição italiana com quadras invertidas

Não é raro encontrar, especialmente em poetas franceses, a disposição rímica à italiana, porém, com inversão nas quadras.

Tais sonetos apresentam as quadras conforme o esquema abba baab, variando os tercetos como faziam os italianos.

O brasileiro Augusto dos Anjos valeu-se desta forma no soneto Psicologia de um vencido.

Muitas outras disposições de rimas são possíveis, mas cremos ter abordado as mais frequentes e mais características.

Classificação de sonetos por gênero poético

O soneto, como disseram Olavo Bilac e Guimarães Passos em seu Tratado de versificação, é uma composição lírica por excelência.

Porém, devido à sua estrondosa popularização, foi esta forma fixa utilizada com brilho em vários outros gêneros poéticos.

Abaixo listamos alguns exemplos, coletados da obra supracitada de Bilac e Guimarães Passos:

Soneto descritivo

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;

Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

(Alberto de Oliveira)

Soneto épico

Filhos da pátria, jovens Brasileiros,
Que as bandeiras seguis de mareio nume,
Lembrem-vos Guararapes e esse cume,
Onde brilharam Dias e Negreiros!

Lembrem-vos esses golpes tão certeiros,
Que ás mais cultas nações deram ciúme;
Seu exemplo segui, segui seu lume,
Filhos da pátria, jovens Brasileiros!

Esses, que alvejam campos, níveos ossos,
Dando a vida por nós constante e forte,
Inda se prezam de chamar-se nossos;

Ao fiel cidadão prospera a sorte;
Sejam iguais aos seus os feitos vossos:
— Imitai vossos pais até na morte!

(Silva Alvarenga)

Soneto satírico

Há coisa como ver um Paiaiá,
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de tatu,
Cujo torpe idioma é cobepá?…

A linha feminina é carimá,
Moqueca, pititinga, caruru,
Mingau de puba, e vinho de caju
Pisado num pilão de Pirajá;

A masculina é um Aricobé,
Cuja filha Cobé, cum branco Paí
Dormiu no promontório de Passé;

O branco é um marau, que veio aqui;
Ela era uma índia de Maré
Cobépá, Aricobé, Cobé, Paí.

(Gregório de Matos)

Soneto humorístico

“O Incesto”. Drama em três atos. Ato primeiro:
Jardim. Velho castelo iluminado ao fundo.
O cavaleiro jura um casto amor profundo,
E a castelã resiste… Um fâmulo matreiro

Vem dizer que o barão suspeita o cavaleiro…
Ele foge, ela grita… — Apito! — Ato segundo:
Um salão do castelo. O barão, iracundo,
Sabe de tudo… Horror! Vingança! — Ato terceiro:

Em casa do galã, que, sentado, trabalha,
Entra o barão armado e diz: “Morre, tirano,
Que me roubaste a honra e me roubaste o amor!”

O mancebo descobre o peito. — “Uma medalha!
Quem ta deu?!” — “Minha mãe!” — “Meu filho!” Cai o pano…
À cena o autor! à cena o autor! à cena o autor!

(Arthur Azevedo)

O soneto e a chave de ouro

Pertence ao poeta francês Theóphile Gautier (1811-1873) esta célebre frase, que traduzimos livremente a seguir:

Se o veneno do escorpião reside em sua cauda, o mérito do soneto reside em seu último verso.

A este último verso foi atribuído o nome de “chave de ouro”, ou “fecho de ouro”.

Olavo Bilac e Guimarães Passos também disseram:

A tradição quer que o ultimo verso do soneto seja sempre uma “chave de ouro”, encerrando a essência do pensamento geral da composição.

Embora muito se tenha dito e feito contra tal recomendação, há um motivo para se fechar um soneto com um verso desse tipo.

Antes de tudo, temos de questionar: que é a chave de ouro?

A chave de ouro nada mais é do que um verso que resume a mensagem do soneto, um verso que lhe proporciona um encerramento potente, brilhante e memorável.

Muitos poetas, interpretando tal verso como simplesmente o verso mais importante do poema, experimentaram colocá-lo noutro lugar, o mais das vezes como o primeiro do poema.

Consequentemente, não obtiveram o mesmo efeito. Por quê?

Um soneto, quando trabalhado com habilidade, seja abordando uma ideia, um acontecimento, uma personagem, aborda-os criando um mistério e uma expectativa para o próximo verso.

É frequente que, no caso de uma ideia, as quadras exibam um conflito interior, uma indecisão, premissas ou mesmo uma suposição, que permanece não resolvida até que o soneto chegue ao último verso.

Progredindo o poema desta forma, a chave de ouro impõe-se com um efeito enfático e surpreendente, como um verso que conecta, explica, dá sentido à composição — como um verso do qual o poema não pode prescindir.

Por isso, ainda que muitos poetas se rebelem contra esta tirania do encerramento, dificilmente um soneto encantará tanto quanto um soneto que se valha inteligentemente da chave de ouro ou, em outras palavras, que apresente no final a conclusão — que é, parece, o que espera nosso cérebro.

Grandes sonetistas da língua portuguesa

Para fechar nosso texto, gostaríamos, primeiro, de indicar alguns poetas de nossa língua que se destacaram na produção de sonetos.

Se você deseja se aprofundar na arte do soneto, nada melhor do que entrar em contato com autores que representam o que de melhor nossa língua produziu neste formato.

Naturalmente, vários outros poetas fizeram ótimos sonetos em português. Destacamos, contudo, quatro nomes brasileiros e quatro portugueses.

Grandes sonetistas brasileiros

  • Gregório de Matos (1636-1696)
  • Raimundo Correia (1859-1911)
  • Olavo Bilac (1865-1818)
  • Augusto dos Anjos (1884-1914)

Grandes sonetistas portugueses

  • Luís de Camões (1524-1580)
  • Bocage (1765-1805)
  • Antero de Quental (1842-1891)
  • Florbela Espanca (1894-1930)

Exemplos de sonetos famosos

Finalmente, gostaríamos, também, de dar alguns exemplos de sonetos famosos que fizeram tremendo sucesso e que já analisamos com mais profundidade aqui neste site.

Soneto de fidelidade, de Vinícius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Amor é um fogo que arde sem se ver, de Camões

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode o seu favor
Nos mortais corações conformidade,
Sendo a si tão contrário o mesmo Amor?

Versos íntimos, de Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nosso texto sobre o soneto e que ele tenha sido útil para lhe explicar um pouco desta forma poética tão bela.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre o recurso estilístico conhecido como cavalgamento.

Um abraço e até a próxima!