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Quadra (ou quarteto): o que é, características e exemplos

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Saiba o que é quadra (ou quarteto) em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A quadra é, entre todos, o tipo estrófico mais frequente na poesia portuguesa.

Encontramo-la com ou sem rima, aliada ou não a outros tipos estróficos, e possuindo versos de mesmo ou diferentes metros.

A seguir, elucidaremos o que é quadra em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de quadra

Em poesia, quadra (ou quarteto) é o nome que se dá à estrofe composta de quatro versos.

A quadra é o tipo estrófico mais comum em toda a poesia ocidental, e nela se funda, muitas vezes, a base de estrofes mais longas.

É difícil traçar a origem das quadras, mas a encontramos na poesia greco-romana e na poesia chinesa, já em textos milenares, e seu uso é frequentíssimo da poesia medieval em diante, quer no ocidente, quer no oriente.

Usualmente, a quadra é rimada, e apresenta o mais das vezes um dos três esquemas rímicos: abcb, abab ou abba.

No primeiro e no segundo esquema, temos rimas que chamamos alternadas, cruzadas ou entrelaçadas, com a diferença que, no primeiro deles, o primeiro e terceiro versos são brancos.

No terceiro esquema, temos rimas que chamamos enlaçadas, isto é, rimam em parelha dois versos entre outros dois que também rimam.

Também se encontra, com menos frequência, quadras que apresentam rimas em parelha (aabb) e ainda outros esquemas, como aaaa e aaba; todos eles, contudo, são menos usuais, especialmente na poesia popular portuguesa.

Aplicação da quadra

A quadra tem aplicação vastíssima na poesia ocidental e, em relação aos tercetos, apresenta possibilidades de realização mais variadas.

Quanto ao metro, é mais comum encontrarmos quadras isométricas; mas as heterométricas também são frequentes, como nos exemplos abaixo:

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava,
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil.
(Casimiro de Abreu)

E o que era o teu amor, que me embalava
Mais do que meigos sons da meiga lira?
Um dia o decifrou — não mais que um dia —
Fingimento e mentira!
(Gonçalves Dias)

Quanto ao tipo de composição em que são empregadas, encontramos quadras tanto em poemas curtos, como em poemas de maior extensão; encontramo-las em poemas formados apenas por séries de quadras, mas também misturada a outros tipos estróficos.

Muitas formas fixas envolvem quadras em suas composições, como por exemplo o soneto, o rondó, o rondel, a balada e a vilanela.

Também a quadra foi e é utilizada, assim como o dístico, isoladamente, especialmente em epigramas e epitáfios, encerrando em si mesma a completude de uma ideia.

Exemplos de aplicação da quadra

Abaixo daremos alguns exemplos de aplicação da quadra em suas variadas possibilidades.

Ismália, de Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Autopsicografia, de Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo

No more! O never more!
(Shelley)

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade — é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas…
E de ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai… de meus únicos amigos,
Poucos — bem poucos — e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei… que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores…
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo…
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
— Foi poeta — sonhou — e amou na vida. —

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos…
Deixai a lua pratear-me a lousa!

A um poeta, de Olavo Bilac

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.