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Poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa (com análise)

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Conheça o poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa (“O poeta é um fingidor”…), e confira nossa análise!

Autopsicografia é um poema escrito pelo poeta português Fernando Pessoa, publicado pela primeira vez na revista Presença, nº 36, e disponível em sua coletânea de poemas que leva o título de Cancioneiro.

Este é um dos poemas mais conhecidos do célebre português, e pode-se dizer que são versos que encerram uma filosofia de criação poética particular.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Autopsicografia, de Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Análise do poema

  • Tipo de verso: heptassílabo rimado (redondilha maior)
  • Número e tipo de estrofes: 3 estrofes regulares
  • Número de versos: 12 versos

Autopsicografia é um poema construído em heptassílabos rimados, portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.

O título “Autopsicografia” sugere que os versos se tratam do poeta fazendo uma psicografia de si mesmo.

Estrutura do poema

Autopsicografia possui 12 versos divididos em três quadras (ou quartetos).

Todas as estrofes utilizam rimas que chamamos cruzadas, alternadas ou entrelaçadas, isto é, são rimas que se alternam, apresentando-se conforme o esquema abab.

As rimas utilizadas em todos os versos são chamadas consoantes, ou seja, são rimas que apresentam paridade de sons completa a partir da vogal tônica (exceção feita ao primeiro e terceiro verso da última estrofe, onde o poeta rima “roda” com “corda”).

Os versos de Autopsicografia são heptassílabos, isto é, são versos metrificados que apresentam, cada um deles, sete sílabas poéticas. Este tipo de verso chamamos em português redondilha maior.

Sentido do poema

Para entender o sentido do poema precisamos, primeiro, entender o significado de seu título, “Autopsicografia”.

Psicografia, diz-nos sucintamente o dicionário, é a “descrição psicológica ou de um estado de espírito”.

Autopsicografia, portanto, sugere alguém a fazer uma “descrição psicológica ou de um estado de espírito” de si mesmo.

Assim, vemos que o sujeito poético tenciona descrever o processo psicológico pelo qual passa, neste caso, enquanto poeta.

O poema se inicia com os seguintes versos:

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

O “poeta”, aqui, naturalmente refere-se também ao próprio eu lírico, como nos evidencia o prefixo “auto” do título do poema.

Chama-se ele “fingidor”, e diz fingir “tão completamente” que “chega a fingir a dor que deveras sente”.

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Tais versos contém uma divertida ironia, embora encerrem uma verdade especialmente verdadeira no caso de Fernando Pessoa.

Com “fingidor”, não quer o eu lírico dizer que o poeta é um mentiroso ou um enganador, mas sim que precisa ele dramatizar aquilo que sente a fim de alcançar um efeito potente.

Desta forma, mesmo “a dor que deveras sente” deve ser “fingida”, isto é, transformada, esculpida, acentuada para que se eleve ao estado da arte.

Não há como deixar de mencionar que Fernando Pessoa demonstrou uma capacidade extraordinária para tal “fingimento” ao assumir diferentes personalidades e expressar-se através de seus ilustres heterônimos; quer dizer: Pessoa expressava, através de cada um deles, maneiras distintas de sentir.

Vem a segunda estrofe:

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

Nestes versos, direciona-se o sujeito poético aos leitores querendo insinuar que sentem eles, ao ler o poema, não a “dor lida”, nem a dor “real” já experimentada, mas uma dor nova, criada a partir da leitura do poema.

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Ou seja, parecem sugerir estes versos que o poema cria um sentimento inédito no leitor a partir da interpretação pessoal que faz este dos versos, um sentimento que ele mesmo “não tem”, isto é, que não pode experimentar senão pela poesia.

Finalmente, na última quadra o eu lírico apresenta, em tom lúdico, uma espécie de conclusão:

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

O coração é comparado a um “comboio de corda” a girar “nas calhas de roda” que faz “entreter a razão”.

Neste ponto de Autopsicografia, vemos estabelecida uma contraposição entre “coração” e “razão”, que representam a dualidade sensações-raciocínio, emoções-imaginação, sugerindo que na poesia estão eles sempre se relacionando.

O “entreter” parece dizer-nos que há um gozo intelectual (da “razão”) em ver estimuladas as sensações (o “coração”) durante a leitura ou a criação de um poema.

Portanto, Autopsicografia é um poema que explora, simultaneamente, o ato de criação poética e os efeitos da poesia no leitor.

Sobre Fernando Pessoa

Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em junho de 1888, e morreu, também em Lisboa, em novembro de 1935.

Pessoa é considerado, ao lado de Luís de Camões, o maior poeta da língua portuguesa. Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, e muito mais.

Seja em prosa ou em verso, ler Fernando Pessoa é constatar-se diante de um altíssimo artista, dotado de criatividade impressionante.

Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias.

O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.

Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.

O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.

Os heterônimos de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.

Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:

  • Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
  • Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
  • Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
  • Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.

Obras de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.

Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:

  • 35 sonnets (1918)
  • Antinous (1918)
  • English poems (1921) — em três volumes
  • Mensagem (1934)
  • A Nova Poesia Portuguesa (1944)
  • Poemas Dramáticos (1952)
  • Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
  • Sobre Portugal (1979)
  • Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
  • Livro do desassossego (1982)
  • Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
  • Primeiro Fausto (1986)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa (com análise). [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-autopsicografia-de-fernando-pessoa/. Acesso em: 14 mai. 2024.