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Écloga (ou égloga): o que é, características e exemplos

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Saiba o que é écloga (ou égloga) em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A écloga é um dos tipos de poema mais antigos e mais característicos na poesia ocidental.

Principalmente por influência do grande poeta Virgílio, numerosos poetas portugueses cultivaram-na, como Camões, Sá de Miranda, Cláudio Manuel da Costa, entre muitos outros.

A seguir, elucidaremos o que é écloga em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de écloga

A écloga é uma composição poética que retrata a vida no campo, prestando homenagens ao amor, à natureza e à tranquilidade da vida campesina.

É geralmente composta por diálogos (ou monólogos) em que os interlocutores expressam seus sentimentos e estados de ânimo.

Tais sentimentos, quase sempre, resumem-se no elogio da vida campestre, nos amores pastoris e em frustrações amorosas.

A écloga também se presta a reflexões filosóficas, e é comum encerrarem uma lição moral.

Por extensão de sentido, modernamente chamam-se éclogas quaisquer poemas que tenham como temática a vida bucólica.

O termo écloga é derivado do grego ekloge, que significa literalmente “escolha”, “seleção”.

História da écloga

Segundo J.A. Cuddon (The Penguin Dict. of Lit. Terms and Lit. Theory), o termo écloga foi aplicado pela primeira vez para referir-se aos poemas bucólicos de Virgílio, inspirados nos idílios de Teócrito.

A despeito de alguns outros poetas do período clássico que cultivaram este tipo de poema, a grande popularização das éclogas deu-se, primeiro, no Renascimento, através de figuras como Dante, Petrarca e Boccaccio, por influência de Virgílio.

Posteriormente, nos séculos XV e XVI, as éclogas popularizaram-se ainda mais através de grandes poetas como Battista Mantovano, Garcilaso de la Vega, Edmund Spenser, Juan Boscán, Lope de Vega, entre outros.

Em português, a introdução das éclogas é atribuída a Sá de Miranda; entre os muitos poetas que a cultivaram, destacamos Camões, Bernardim Ribeiro, Diogo Bernardes e os conhecidos poetas da chamada Escola Mineira.

Características da écloga

A écloga é um tipo de poema que não se caracteriza pela forma, mas pela temática e pelo tom.

Isso quer dizer que constroem-se éclogas em diferentes metros e com variada estrofação.

Há, mesmo, éclogas erigidas em verso livre, tal como as do heterônimo Alberto Caeiro, de Fernando Pessoa.

Alguns elementos, contudo, caracterizam as éclogas:

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O primeiro deles é consistir a écloga num diálogo ou num monólogo entre homens do campo, quase sempre pastores.

O segundo elemento é a écloga se passar num cenário campestre, manso e agradável, geralmente elogiado pelos interlocutores.

Tal cenário, denominado em latim locus amoenus (lugar ameno), é descrito como um local paradisíaco, ideal para que se viva e ideal para que floresçam virtudes na alma.

O elogio, assim, não se limita à beleza natural do cenário, mas se estende à simplicidade da vida no campo.

O amor é temática frequente nas éclogas, seja em sua face mais bela, seja nas ilusões dele provenientes (aqui, difere da natureza, sempre deleitosa).

Finalmente, também é comum nas éclogas o enaltecimento da renúncia aos bens terrenos, da dedicação integral à contemplação da natureza e da busca pelo equilíbrio, ou aurea mediocritas.

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Aplicação da écloga

Para demonstrar a aplicação da écloga em português, utilizaremos o exemplo daquela que está numerada como a écloga XII da edição de 1843 das Obras completas de Camões.

A écloga tradicional, de praxe, começa com a apresentação de seus interlocutores, ou seja, dos personagens que dialogarão no poema.

Após a indicação de seus nomes, pode ser que haja uma introdução ao diálogo, ou o diálogo começa imediatamente.

Em ambos os casos, o comum é que os primeiros versos descrevam o cenário e/ou o estado de ânimo de um ou mais interlocutores, tal como vemos no referido exemplo de Camões, que assim começa:

Délio, Alcido, Galásio

Délio

Agora, Alcido, enquanto o nosso gado
Pasce diante nós, manso e seguro,
Sentemo-nos aqui neste abrigado.

Logremos este sol sereno e puro,
Que livre se nos dá, antes que venha
A noite fria com seu manto escuro.

O rico com seu ouro lá se avenha;
Não se farta a cobiça coa riqueza;
Mais arde o fogo quando tem mais lenha.

Com pouco se contenta a Natureza.
Quem isto bem olhasse, certifico
Que não fugisse tanto da pobreza.

O sol também me aquenta, como ao rico;
A fonte água me dá, frutos a terra;
Com pouco mantimento farto fico.

Ah! que a má vaidade nos faz guerra!
Para que gasto tempo em mais palavras?
Os olhos da razão esta nos cerra.

Alcido, tens ovelhas e tens cabras,
De que tiras da lã, tiras do leite;
E não te faltam campos em que labras.

Inda tu queres mais? Amigo, eu hei-te
De falar claro e sem lisonjerias,
Não hajas medo tu que eu as afeite.

Tu cantavas Amor, Amor tangias;
Falava a tua frauta, agora é muda.
Que mal te mudou tanto em poucos dias?

Percebe-se, pois, que já no primeiro terceto Camões introduz-nos à mansidão do cenário tão característico das éclogas: diante do gado que “pasce”, os interlocutores “abrigam-se” para dialogar.

Também serve esta primeira fala para introduzir a temática da conversa e o estado de ânimo dos interlocutores.

Como se percebe, o discurso é direcionado a Alcido, que aparentemente sofreu uma decepção amorosa.

Logo em seguida, este responde:

Alcido

Muda-se a idade, Délio; e, se se muda
Com ela a condição, nada me espanto;
O gosto me ajudou, já não me ajuda.

Se já cantei Amor, se Amor não canto,
Culpas do tempo são, que vai mudando
O meu cantar alegre em triste pranto.

O tempo, que tão leve vai voando,
Délio, não torna mais; e assi fugindo,
Mil claros desenganos nos vai dando.

Pouco a pouco se veio descobrindo
O mal de uma esperança vã e incerta,
Que me deixou chorando, e foi-se rindo.

(…)

Assim o poema prossegue, e o diálogo se desenvolve, não raro encerrando uma lição moral.

Não se caracterizando por uma forma específica, outros metros podem ser empregados na écloga.

Bernardim Ribeiro, por exemplo, emprega o heptassílabo em sua Écloga de Jano e Franco; Fernando Pessoa, através de seu heterônimo Alberto Caeiro, escreve éclogas em verso livre e que encerram não diálogos, mas monólogos do curioso pastor.

Exemplo de écloga

Abaixo daremos um exemplo de écloga de Cláudio Manuel da Costa, poeta que cultivou com muito brilho este tipo de poema.

A écloga abaixo é construída em decassílabos e utiliza a estrutura que chamamos terza rima.

Écloga V, de Cláudio Manuel da Costa

Frondoso e Alcino

Fron.

Em vão te estás cansando o dia inteiro,
Alcino, em perguntar, que significa
Este, que vês cortar, triste letreiro:

Ele não é debalde: aqui se explica
Tudo, quanto há de grande, novo, e raro,
Na pobre aldeia, e na cidade rica.

Nada pode escapar do golpe avaro…
(Diz cifra breve): agora entende;
Que deste dito o assunto eu não declaro.

Alc.

Se o meu juízo o caso compreende,
Essa letra, que entalhas, e que admiro,
Com a morte de Arúncio fala, ou prende.

Fron.

Ah! Que arrancas um mísero suspiro
Do centro de minha alma; o nome amado
Me faz deixar a vida, que respiro.

Alc.

Eu bem via, que estava o teu cuidado,
Frondoso meu, lembrando a triste morte
Desse caro pastor, tão estimado.

Fron.

E quando esperas tu, que o fatal corte,
Que de mim separou tão doce amigo,
Possa romper de amor o laço forte!

Primeiro se verá nascer o trigo
No céu; dará primeiro a terra estrelas,
Que tenha esta lembrança algum perigo.

Alc.

Triste, e funesto caso! As ninfas belas
Do pátrio Ribeirão tanto choraram,
Que inda alívio não há, nem gosto entre elas.

Os gados largos dias não pastaram;
E mugindo à maneira de sentidos,
A pele sobre os ossos encostaram.

Os mochos pelas faias estendidos
Enchendo a terra, e céu de mil agouros,
Espalharam tristíssimos grasnidos.

Os campos, que té ali se viam louros
Com o matiz vistoso das searas,
Perderam de repente seus tesouros.

Fron.

Esses sinais, Alcino, se reparas,
Dizem cousa maior, que sentimentos
Consagrados da morte sobre as aras.

Quando há mostras no céu, quando há portentos
Na terra, algum segredo há, não sei onde,
Que não é para humanos pensamentos.

Ao meu conhecimento não se esconde
A grandeza do golpe: mas alcanço,
Que a tanta perda a dor não corresponde.

De te buscar exemplos me não canso;
Só te lembro porém, que o tronco duro
Faz mais estrago que o arbusto manso.

Alc.

O que queres dizer, eu conjeturo:
No vime, e no carvalho há igual ruína:
Igual a consequência eu não seguro.

Aquele cai sem dano, este destina
Fatal estrago a tudo, o que está posto
Debaixo dele. É isto? Ora imagina.

Fron.

Jove aparte de nós tanto desgosto:
Baste, para avivar nossa saudade,
O ser cortado em flor aquele rosto.

Contente-se da morte a crueldade
Em nos levar com passo tão ligeiro
Uma tão bela, tão mimosa idade.

Roubou-nos um pastor, que era o primeiro
Entre os nossos do monte; ele nos dava
As justas leis no campo, e no terreiro.

Ele as dúvidas nossas concertava;
E sendo maioral, por arte nova,
Com respeito o agrado temperava.

De mil virtudes suas nos deu prova;
Sempre a bem dirigindo os nossos passos.
Oh quanto esta lembrança a dor renova!

Alc.

Ai! E com quanta mágoa nos teus braços
Eu vi, Frondoso meu, que Arúncio esteve
Desatando da vida os doces laços!

Fron.

Meu pensamento, Amigo, não se atreve
A lembrar-se (ai de mim!) da mortal hora.
Em que vi acabar vida tão breve.

Quem fora duro seixo, ou bronze fora,
Para animar agora na lembrança
Aquela imagem, com que esta alma chora!

Eu vi, Alcino, eu vi, que na mudança
Que do caduco e eterno bem fazia,
A alma tinha cheia de esperança.

Tudo, o que era mortal, aborrecia:
A cópia dos seus gados, o cajado,
(Bem que era de ouro fino) em nada havia.

Em vão o molestava o doce estado
Da honra, e da grandeza: a Jove entregue
O espírito seguia outro cuidado.

Mas ai, Alcino! A voz já não prossegue;
Que tudo, o que a memória vem trazendo,
Receio, Amigo, que a matar-me chegue.

Alc.

As ninfas do Mondego estou já vendo
Descerem para nós com triste pranto.
Ou eu me engano, ou elas vêm dizendo:

Se do lírio, da murta, e do amaranto
Cercada deve ser a sepultura
De Arúncio, a nós nos toca ofício tanto.

Nós o criamos, com feliz ternura,
Dando-lhe o mel, e o leite: a nós nos toca
Mandar o corpo belo à terra dura.

Fron.

De outro lado igualmente se provoca
O Tejo (onde ele viu a luz primeira):
E as ninfas do centro úmido convoca.

A mim só se me deve a glória inteira
(Fala o soberbo Tejo) eu o demando:
Minha há de ser esta honra derradeira.

Aqui lhe estou uma urna preparando,
Coberta de um cipreste; onde a memória
Seu nome viverá sempre guardando.

Por mais que voe a idade transitória,
Nunca se há de apagar aquele afeto,
Que de Arúncio consagro à triste história.

Durarás entre nós, Pastor discreto,
Renovando a lembrança de Corino,
Que da nossa saudade é inda objeto:

Ele te deu o ser; tu peregrino
Retrato de seus dotes, consolavas
Nosso desejo, tão constante, e fino.

Aquele caro irmão, que tanto amavas,
Aônio, digo, aquele, a quem devias
Toda a felicidade, que gozavas,

Hoje lamenta teus saudosos dias;
Hoje chora comigo: eu lhe desejo
Alívio a tão cansadas agonias.

Alc.

Oh! Contente-se embora o claro Tejo
De haver ao mundo dado, quem lhe ganha
Fama, e nome a seu reino assaz sobejo.

Contente-se o Mondego, que na estranha
Ventura de educá-lo, deu ao mundo,
Quem lhe soube adquirir glória tamanha.

O fado, que conhece inda o mais fundo,
Quer, que guarde seu corpo a turva areia
De outro rio, mais triste, e mais profundo.

Do rio, que seu curso não refreia
Até chegar, onde entra a grande costa,
Que banha do Brasil salgada veia.

Rio das Velhas se chama (se reposta
Buscamos nos antigos, a pintura
Das dórcades na história se vê posta).

Os primeiros, que entraram na espessura
Dos ásperos sertões, dizem, que acharam
Três bárbaras, já velhas, nesta altura.

Fron.

Das três Parcas melhor eles tomaram
O nome desse rio; se é verdade,
Que elas a vida humana governaram.

Triste sejas, ó rio: a divindade
De Apolo, que em ti cria o amável ouro,
Se aparte do teu seio em toda a idade.

Não sejas da ambição rico tesouro:
Girar se vejam sobre as praias tuas
Os brancos cisnes não, aves d’agouro.

Do inverno as enxurradas levem cruas
As sementeiras, que teus campos criam:
Deixem só sobre a terra as pedras nuas.

Os pobres navegantes, que se fiam
Dessas funestas águas, desde agora
Conheçam a traição, que não temiam.

Alc.

E contra quem, Frondoso, inda em tal hora
Se armam as pragas tuas! Um delírio
Só para extremo tal desculpa fora.

Se Jove é quem nos manda este martírio,
Soframos o seu golpe: ao pastor belo
Derramemos em cima o goivo, o lírio.

O nosso Ribeirão traz o modelo
Do enterro, que dispõe: nós entretanto
Demos a conhecer nosso desvelo.

Envolto o corpo em um cândido manto,
Que distingue de Deus o brasão nobre,
Aqui se oferece para o nosso pranto.

Enquanto pois o corpo a terra cobre,
Seguindo o teu princípio deixa, Amigo,
Que um voto lhe consagre um pastor pobre,
Um voto, que se escreva em seu jazigo.

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Écloga (ou égloga): o que é, características e exemplos. [S.I.] 2024. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/ecloga-egloga-caracteristicas-exemplos-poesia/. Acesso em: 2 mai. 2024.