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Terza rima: o que é, características e exemplos

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Saiba o que é terza rima em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A terza rima é uma forma poética consagrada universalmente e de vasta utilização na poesia.

Como sugerido pelo termo, a terza rima é proveniente da poesia italiana, cujo mais notável emprego se encontra na magnífica A divina comédia, de Dante.

A seguir, elucidaremos o que é terza rima em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de terza rima

A terza rima é uma forma poética que se caracteriza por um encadeamento de tercetos de esquema rímico fixo.

Nela, o primeiro verso de um terceto sempre rima com o terceiro, o segundo rima com o primeiro e terceiro da estrofe seguinte, e assim por diante, conforme o esquema rímico aba bcb cdc, etc.; ao último terceto da série, é acrescentado um verso final, que completa a rima de seu segundo verso.

Portanto, o esquema rímico final desta forma poética é algo como aba bcb cdcwxw xyx yzy z.

A terza rima é também chamada, em português, terça rima ou terceira rima; em italiano, encontramo-la denominada terzina dantesca ou terzina incadenata.

Sua primeira aplicação sistemática foi feita por Dante, em sua célebre A divina comédia, construída inteiramente nesta forma poética, cuja matemática é baseada no número três, o que sugere a Trindade cristã.

Aplicação da terza rima

A terza rima é uma das formas poéticas mais belas e consistentes, podendo ser aplicada a poemas de variadíssima extensão.

Sua aplicação mais conhecida, como está dito, deu-se em A divina comédia, de Dante; contudo, poetas de muitas outras línguas a aplicaram, seja em composições curtas, seja longas.

O mais interessante da terza rima é a sensação de movimento perpétuo que ela proporciona, posto que o segundo verso de um terceto exige uma nova estrofe para completar-se.

Ao lado da simetria proporcionada pelos tercetos, o poema, pois, é dotado de uma impressão de continuidade e ritmo em razão deste encadeamento rímico, o que é um verdadeiro deleite para aquele que lê.

Exemplos de aplicação da terza rima

Abaixo daremos alguns exemplos de aplicação da terza rima em português.

Terza rima, de Álvares de Azevedo

É belo dentre a cinza ver ardendo
Nas mãos do fumador um bom cigarro,
Sentir o fumo em névoas recendendo…

Do cachimbo alemão no louro barro
Ver a chama vermelha estremecendo
E até… perdoem… respirar-lhe o sarro!

Porém o que há mais doce nesta vida,
O que das mágoas desvanece o luto
E dá som a uma alma empobrecida,
Palavra d’honra, és tu, Ó meu charuto!

Última jornada, de Machado de Assis

I

E ela se foi nesse clarão primeiro,
Aquela esposa mísera e ditosa;
E ele se foi o pérfido guerreiro.

Ela serena ia subindo e airosa,
Ele à força de incógnitos pesares
Dobra a cerviz rebelde e lutuosa.

Iam assim, iam cortando os ares,
Deixando embaixo as fértiles campinas,
E as florestas, e os rios e os palmares.

Oh! cândidas lembranças infantinas!
Oh! vida alegre da primeira taba;
Que aurora vos tomou, aves divinas?

Como um tronco do mato que desaba,
Tudo caiu; lei bárbara e funesta:
O mesmo instante cria e o mesmo acaba.

De esperanças tamanhas o que resta?
Uma história, uma lágrima chorada
Sobre as últimas ramas da floresta.

A flor do ipê a viu brotar magoada,
E talvez a guardou no seio amigo,
Como lembrança da estação passada.

Agora os dois, deixando o bosque antigo,
E as campinas, e os rios e os palmares,
Para subir ao derradeiro abrigo,
Iam cortando lentamente os ares.

II

E ele clamava à moça que ascendia;
“— Oh! tu que a doce luz eterna levas,
E vais viver na região do dia,

Vê como rasgam bárbaras e sevas
As tristezas mortais ao que se afunda
Quase na fria região das trevas!

Olha esse sol que a criação inunda!
Oh quanta luz, oh! quanta doce vida
Deixar-me vai na escuridão profunda!

Tu ao menos perdoa-me, querida!
Suave esposa, que eu ganhei roubando,
Perdida agora para mim, perdida!

Ao maldito na morte, ao miserando,
Que mais lhe resta em sua noite impura?
Sequer alívio ao coração nefando.

Nos olhos trago a tua morte escura.
Foi meu ódio cruel que há decepado,
Ainda em flor, a tua formosura.

Mensageiro de paz, era enviado
Um dia à taba de teus pais, um dia
Que melhor fora se não fora nado.

Ali te vi; ali, entre a alegria
De teus fortes guerreiros e donzelas,
Teu doce rosto para mim sorria.

A mais bela eras tu entre as mais belas,
Como no céu a criadora lua
Vence na luz as vívidas estrelas.

Gentil nasceste por desgraça tua;
Eu covarde nasci; tu me seguiste;
E ardeu a guerra desabrida e crua.

Um dia o rosto carregado e triste
À taba de teus pais volveste, o rosto
Com que alegre e feliz dali fugiste.

Tinha expirado o passageiro gosto,
Ou o sangue dos teus, correndo a fio,
Em teu seio outro afeto havia posto.

Mas, ou fosse remorso, ou já fastio,
Ias-te agora leve e descuidada,
Como folha que o vento entrega ao rio.

Oh! corça minha fugitiva e amada!
Anhangá te guiou por mau caminho,
E a morte pôs na minha mão fechada.

Feriu-me da vingança agudo espinho;
E fiz-te padecer tão cruas penas,
Que inda me dói o coração mesquinho.

Ao contemplar aquelas tristes cenas
As aves, de piedosas e sentidas,
Chorando foram sacudindo as penas.

Não viu o cedro ali correr perdidas
Lágrimas de materno amado seio;
Viu somente morrer a flor das vidas.

O que mais houve da floresta em meio
O sinistro espetáculo, decerto
Nenhum estranho contemplá-lo veio.

Mas, se alguém penetrasse no deserto,
Vira cair pesadamente a massa
Do corpo do guerreiro; e o crânio aberto,

Como se fora derramada taça
Pela terra jazer, ali chamando
O feio grasno do urubu que passa.

Em vão a arma do golpe irão buscando,
Nenhuma houve; nem guerreiro ousado
A tua morte ali foi castigando.

Talvez, talvez Tupã, desconsolado,
A pena contemplou maior do que era
O delito; e de cólera tomado,

Ao mais alto dos Andes estendera
O forte braço, e da árvore mais forte
A seta e o arco vingador colhera;

As pontas lhe dobrou, da mesma sorte
Que o junco dobra, sussurrando o vento,
E de um só tiro lhe enviou a morte.”

Ia assim suspirando este lamento,
Quando subitamente a voz lhe cala,
Como se a dor lhe sufocara o alento.

No ar se perdera a lastimosa fala,
E o infeliz, condenado à noite escura,
Os dentes range e treme de encontrá-la.

Leva os olhos na viva aurora pura
Em que vê penetrar, já longe, aquela
Doce, mimosa, virginal figura.

Assim no campo a tímida gazela
Foge e se perde; assim no azul dos mares
Some-se e morre fugidia vela.

E nada mais se viu flutuar nos ares;
Que ele, bebendo as lágrimas que chora,
Na noite entrou dos imortais pesares,
E ela de todo mergulhou na aurora.

Depois que Magalhães teve tecida, de Camões

Depois que Magalhães teve tecida
A breve história sua, que ilustrasse
A Terra Santa Cruz, pouco sabida;

Imaginando a quem a dedicasse,
Ou com cujo favor defenderia
Seu livro dalgum zoilo que ladrasse;

Tendo nisto ocupada a fantasia,
Lhe sobreveio um sono repousado,
Antes que o sol abrisse o claro dia.

Em sonhos lhe aparece todo armado
Marte, brandindo a lança furiosa,
Com que fez quem o viu todo enfiado;

Dizendo em voz pesada e temerosa:
Não é justo que a outrem se ofereça
Obra alguma que possa ser famosa,

Senão a quem por armas resplandeça
No largo mundo com tal nome e fama,
Que louvor imortal sempre mereça.

Disse assi: quando Apolo, que da flama
Celeste guia os carros, de outra parte
Se lhe presenta, e por seu nome o chama,

Dizendo: Magalhães, posto que Marte
Com seu terror t’espante, todavia
Comigo deves só de aconselhar-te.

Um Varão sapiente, em quem Talia
Pôs seus tesouros, e eu minha ciência,
Defender tuas obras poderia.

É justo que a escritura na prudência
Ache só defensão; porque a dureza
Das armas é contrária da eloquência.

Assi disse: e tocando com destreza
A cítara dourada, começou
A mitigar de Marte a fortaleza.

Mas Mercúrio, que sempre costumou
Pacificar porfias duvidosas,
Co’o Caduceu na mão, que sempre usou,

Determina compor as perigosas
Opiniões dos deuses inimigos
Com suaves razões e ponderosas.

E disse: Bem sabemos dos antigos
Heróis, e dos modernos, que provaram
De Belona os gravíssimos perigos,

Como tão bem mil vezes concordaram
As armas com as letras; porque as Musas
A muitos na milícia acompanharam.

Nunca Alexandre, ou César, nas confusas
Guerras o estudo deixam grande espaço;
Que as armas jamais dele são escusas.

Numa mão livros, noutra ferro e aço;
Aquela rege e ensina; estoutra fere:
Mais co’o saber se vence, que co’o braço.

Pois, logo, um Varão grande se requere,
Que com teus dons (Apolo) ilustre seja,
E de ti (Marte) palma e glória espere.

Este vos darei eu, em quem se veja
Saber e esforço no sereno peito,
Que é um Leoniz que faz ao mundo inveja.

Deste as Irmãs em vendo o bom sujeito,
Todas nove nos braços o tomaram,
Criando-o co’o seu leite no seu leito:

As Artes e as Ciências lh’ensinaram;
Inclinação divina lh’influíram
Às virtudes morais, que logo o ornaram.

Daqui nos exercidos o seguiram
Das armas no Oriente, onde primeiro
Um soldado gentil instituíram.

Ali tais provas fez de Cavaleiro,
Que, de Cristão magnânimo e seguro,
A si mesmo venceu por derradeiro.

Depois, já Capitão forte e maduro,
Governando toda a Áurea Quersoneso,
Lhe defendeu co’o braço o débil muro.

Porque vindo a cercá-la todo o peso
Do poder dos Achéns, que se sustenta
De alheio sangue, em fúria todo aceso;

Este só que a ti, Marte, representa,
O castigou de sorte, que vencido
De ter quem vivo fique se contenta.

E logo qu’este Reino defendido
Deixou, segunda vez com maior glória
Para o ir governar foi elegido.

Mas não perdendo ainda da memória
Os amigos o seu governo brando,
Os imigos o dano da vitória;

Uns com amor intrínseco esperando
Estão por ele, e os outros congelados
O estão com frio medo receando.

Vede pois se seriam debelados
Por seu claro valor, se lá tornasse,
E dos Índicos mares degradados.

Porque é justo que nunca lhe negasse
O conselho do Olimpo alto e subido
Favor e ajuda com que pelejasse.

Aqui só pode ser bem dirigido
De Magalhães o estudo: este só deve
Ser de vós, claros deuses, escolhido.

Assi Mercúrio disse; e em termo breve
Conformados se vem Apolo e Marte;
E voou juntamente o sono leve.

Acorda Magalhães, e já se parte
A ofrecer-vos, Senhor claro e famoso,
Tudo o que nele pôs ciência e arte.

Tem claro estilo, e engenho curioso,
Para poder de vós ser recebido,
Com mão benigna, de ânimo amoroso.

Pois se só de não ser favorecido
Um alto esprito fica baixo e escuro;
Este seja convosco defendido,

Como o foi de Malaca o débil muro.

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Terza rima: o que é, características e exemplos. [S.I.] 2024. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/terza-rima-caracteristicas-exemplos/. Acesso em: 4 mai. 2024.