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Poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens (com análise)

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Conheça o poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens, e confira nossa análise!

Ismália é um desses poemas que consagram um autor.

De autoria de Alphonsus de Guimaraens, ele conta com inúmeras adaptações para o teatro, para o cinema e até para a música, e é sem dúvida um dos mais celebrados poemas da literatura brasileira.

O autor, natural de Ouro Preto (MG) e nascido Afonso Henrique da Costa Guimarães, fez talvez em Ismália um retrato íntimo de si mesmo; quer dizer, expressou pelo poema preocupações de sua alma dividida entre a realidade e a fantasia, entre a vida e a morte.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Ismália, de Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Análise do poema

  • Tipo de verso: heptassílabo rimado (redondilha maior)
  • Número e tipo de estrofes: 5 estrofes regulares
  • Número de versos: 20 versos

O poema Ismália é construído em heptassílabos rimados, portanto, é um poema que se vale de metrificação e de rima.

Ismália é composta por 5 estrofes regulares, contendo 4 versos cada uma delas: noutras palavras, o poema resume-se em 5 quadras (ou quartetos).

Estrutura do poema

Todas as cinco quadras de Ismália utilizam rimas que chamamos alternadas, cruzadas ou entrelaçadas, apresentando-se conforme o esquema abab.

Os versos de Ismália são metrificados e possuem, cada um deles, sete sílabas poéticas (segundo a contagem de Castilho). Este tipo de verso chamamos em português de redondilha maior, e trata-se de um dos metros mais cultivados em nossa língua.

O poema apresenta somente versos agudos, isto é, versos terminados em palavras que, em poesia, chamamos agudas (em gramática chamamo-las oxítonas), o que contribui para a uniformidade rítmica do poema.

É interessante notar, também, que Ismália apresenta, em todas as estrofes, rimas apenas em “ar” ou “éu”, cujos últimos dois versos, de praxe, terminam com as palavras “mar” e “céu”.

Antíteses em Ismália

Após a análise estrutural do poema, o que primeiro nos chama a atenção é a repetição de “céu” e “mar” nos versos finais de todas as estrofes.

Claramente, quer o poeta enfatizar essa dualidade antagônica presente em todos os versos e querendo talvez representar “vida” e “morte”, “corpo” e “alma”, “realidade” e “fantasia”.

Percebemos esse caráter duplo onde quer que olhemos o poema, a começar por suas rimas alternadas, mas também em elementos mais sutis, como o ditongo aberto de “céu” que sempre rima com ditongos fechados: “enlouqueceu”, “perdeu”, “seu”, “pendeu”, “deu”.

Tais antíteses nos parecem evidenciar uma personagem dividida, tomada de hesitação e incerteza — estas, aliás, são reforçadas pelas reticências que acompanham vários versos.

Sentido do poema

Talvez não haja resumo melhor para Ismália que sua primeira estrofe:

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

Nestes quatro versos, Alphonsus de Guimaraens já nos mostra a essência de seu poema: uma personagem enlouquecida, do alto de uma torre, vendo duas luas, isto é, parecendo confundir a lua com seu reflexo na superfície do mar.

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Neste estado de delírio, Ismália põe-se a cantar e, dado momento, atira-se no mar do alto da torre, nisto consistindo o arco de ação do poema.

A despeito de sua simplicidade, seja de forma ou conteúdo, uma rápida reflexão sobre o poema indica que ele tem algo mais a nos dizer.

Ismália contém algumas imagens muito fortes e sugestivas: o céu, o mar, a torre, voar “como um anjo”, “sonhar”, e por aí vai.

Tais elementos parecem carregar um sentido implícito transcendente, e muitas interpretações ao poema são possíveis.

Uma personagem, pois, delirante, em êxtase, hesita entre “céu” e “mar”, querendo o que está em ambos (a lua), e querendo simultaneamente, ainda que estejam eles tão distantes.

Tal imagem sugere-nos dualidades quase infinitas, como as já citadas no tópico anterior, e parece mostrar-nos um desejo de união, de harmonia inalcançável, uma vez que a personagem quer o impossível.

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Aqui entra outro elemento importante do poema: o eu lírico é quem o narra e o faz com verbos no passado, ou seja, trata-se de algo que já aconteceu.

Sabemos, assim, que Ismália não terá o que queria — ao menos, não como poderia supor.

Precisamos notar que a comparação “como um anjo” e a menção a Deus na última estrofe sugerem que tal anseio, tal desejo experimentado por Ismália é conectado ao divino.

Tal aspecto é reforçado pelos versos “Estava perto do céu, / Estava longe do mar…”, que nos insinuam que Ismália já se via distanciada da realidade (da terra, do “mar”), e mais próxima do divino (do “céu”).

Ela se atira da torre após pender “as asas para voar”; então tais “asas” ruflam com pressa, como em afã para alcançar o místico, o divino.

O poema é finalizado com o seguintes versos:

Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Simbolismo em Ismália

Ismália é um poema associado ao movimento que se originou na França e ficou conhecido como Simbolismo.

Tal movimento, cujos maiores expoentes foram Charles Baudelaire, Stephane Mallarmé, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, foi como que uma reação ao Realismo e ao Naturalismo. que reinavam na época.

A poesia simbolista costuma ser altamente sugestiva e ter apelo ao intuitivo, ao transcendente e ao irracional, características que vemos fortemente pronunciadas em Ismália.

Percebemos a influência simbolista no poema quando concluímos que não é possível saber exatamente que quis Alphonsus de Guimaraens dizer-nos com Ismália; as interpretações simplesmente não se esgotam.

Após os versos finais, perguntamo-nos: que querem dizer?

Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Significam eles simplesmente a morte através da separação entre corpo e alma? Ou alcançou Ismália o que tanto ansiava, posto que sua essência dividiu-se e, simultaneamente, “desceu ao mar” e “subiu ao céu”?

Ou, antes: a ação do poema realmente aconteceu ou tratou-se de mero sonho?

São questões que não podemos responder e que nos mostram por que o poema é um dos representantes mais autênticos do Simbolismo brasileiro.

Sobre Alphonsus de Guimaraens

Afonso Henrique da Costa Guimarães (Alphonsus de Guimaraens) nasceu em 24 de julho de 1870, em Ouro Preto (MG).

Filho de um comerciante português e uma brasileira, realizou os estudos primários e secundários em sua cidade natal.

Estudou Direito em São Paulo e terminou o curso em Minas Gerais. Já como acadêmico escrevia para vários jornais, e durante sua vida teria passagem por diversos periódicos brasileiros, como O Mercantil, Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo, A Gazeta, entre outros.

Formando-se em Direito, em 1895, trabalhou como promotor e juiz em Minas Gerais.

Casou-se com Zenaide de Oliveira em 1897, com quem teve 14 filhos.

Publicou seu primeiro livro, Dona Mística, em 1899. Numa de suas viagens ao Rio de Janeiro, conheceu Cruz e Souza, o precursor do movimento simbolista no Brasil.

Faleceu em 15 de julho de 1921, na cidade de Mariana, Minas Gerais, quase dois meses após a morte prematura de uma de suas filhas.

Obras de Alphonsus de Guimaraens

  • Setenário das dores de Nossa Senhora (1899)
  • Câmara ardente (1899)
  • Dona Mística (1899)
  • Kiriale (1902)
  • Mendigos (1920)
  • Pauvre lyre (1921)
  • Pastoral aos crentes do amor e da morte (1923)
  • Escada de Jacó (1938)
  • Pulvis (1938)

Bônus: trecho do seriado “Tudo o que é sólido pode derreter”, dedicado a Ismália, de Alphonsus de Guimaraens

Bônus 2: canção Ismália, de Emicida, com participações de Larissa Luz e Fernanda Montenegro

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa análise do poema Vaso chinês, de Alberto de Oliveira.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens (com análise). [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-ismalia-de-alphonsus-guimaraens-poesia/. Acesso em: 2 mai. 2024.