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Sétima: o que é, características e exemplos

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Saiba o que é sétima em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A sétima é um tipo estrófico pouco utilizado na poesia portuguesa em comparação com outras literaturas.

Encontramo-la geralmente na poesia trovadoresca, e esparsamente nalguns poetas modernos.

A seguir, elucidaremos o que é sétima em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de sétima

Em poesia, sétima é o nome que se dá à estrofe composta de sete versos.

Esta estrofe é também registrada como setilha, setena ou hepteto, embora sétima seja sua denominação mais comum.

Sobre as sétimas portuguesas, diz Manuel Said Ali, em Versificação portuguesa, que “falta-lhes feição característica”.

Esta é a razão de as encontrarmos, quando as encontramos, nos mais diversos esquemas rímicos e em versos de variados metros.

Em português, há autores que mesmo a descartam, como Olavo Bilac e Guimarães Passos que, em seu tratado, dizem que “na métrica brasileira, empregam-se tercetos, sextilhas, quintilhas, oitavas, quadras e décimas“.

Aplicação da sétima

A sétima, embora não seja comum na poesia portuguesa, possui variadíssimas possibilidades de realização.

Chega a impressionar não a encontramos com mais frequência trabalhada por nossos poetas, algo que ocorre em literaturas mais antigas, como a inglesa e a francesa.

Na literatura inglesa, são as sétimas muito tradicionais, havendo denominações especiais para diferentes modos construtivos.

Chamam eles Sicilian septet (ou sétima siciliana) a sétima construída em rimas alternadas, conforme o esquema abababa e Spanish septet (sétima espanhola) a sétima tradicionalmente construída em octossílabos de esquema rímico aabccba ou abbacca.

Porém, a mais rica e tradicional forma de sétima da literatura inglesa é a chamada rima real (rhyme royal), brilhantemente trabalhada por poetas como Chaucer, Thomas Wyatt e Milton, e composta de decassílabos segundo o esquema rímico ababbcc.

Já na literatura francesa, especialmente a medieval, encontramos o chamado rondelet, que consiste numa única sétima de esquema rímico abaabba, de forma que os versos 1, 3 e 7 são tetrassílabos idênticos, utilizados como refrão entre os demais versos, que são octossílabos.

Na literatura portuguesa, a aplicação mais comum da sétima se dá no vilancete, também chamado vilancico, que era uma forma de glosa comum na Península Ibérica na época do Renascimento.

Este tipo de poema caracteriza-se por um mote, que é desdobrado, repetido e comentado em novas estrofes. Geralmente, tal mote consiste em um terceto, que é seguido de duas sétimas.

Um exemplo de Camões:

Ad Curso de Poesia

Ó meus altos pensamentos,
Quão altos que vos pusestes
E quão grande queda destes!

Como de mim vos não tinha
Serdes firme num estado
(Pois o viver enganado
Era o maior bem que tinha),
Castelo desta alma minha,
Quão alto que vos pusestes
E quão grande queda destes!

Sabia que éreis de vento,
Como quem vos viu fazer;
Inda assim vos qu’ria ter
Como éreis, sem fundamento.
Quem vos desfez num momento?
Ai! quão alto vos pusestes
E quão grande queda destes!

Exemplos de aplicação da sétima

Abaixo veremos alguns exemplos da aplicação da sétima em português.

Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga

Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha ideia te retrata;
Busca extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca, e mata.

Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto, e escuto
A tua voz, e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos;
Eu beijo a tíbia luz em vez de face;
E aperto sobre o peito em vão os braços.

Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não suporto;
Foge-me a vista, e caio,
Não sei se vivo, ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.

Depois que represento
Por lago espaço a imagem de um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim lhe digo:

“Se queres ser piedoso,
Procura o sítio em que Marília mora,
Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, Amor, se chora.
Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
Uma delas me traze sobre as penas,
E para alívio meu só isto basta.”

Pedro Ivo, de Álvares de Azevedo

Perdoai-lhe, Senhor! ele era um bravo!
Fazia as faces descorar do escravo
Quando ao sol da batalha a fronte erguia,
E o corcel gotejante de suor
Entre sangue e cadáveres corria!
O gênio das pelejas parecia…
Perdoai-lhe, Senhor!

Onde mais vivo em peito mais valente
Num coração mais livre o sangue ardente
Ao fervor desta América bulhava?
Era um leão sangrento que rugia:
Da guerra nos clarins se embriagava —
E vossa gente — pálida recuava —
Quando ele aparecia!

Era filho do povo — o sangue ardente
Às faces lhe assomava incandescente,
Quando cismava do Brasil na sina…
Ontem — era o estrangeiro que zombava,
Amanhã — era a lâmina assassina,
No cadafalso a vil carnificina
Que em sangue jubilava!

Era medonho o rubro pesadelo!
Mas nas frontes venais do gênio o selo
Gravaria o anátema da história!
Dos filhos da nação a rubra espada
No sangue impuro da facção inglória
Lavaria dos livres na vitória
A mancha profanada!

A fronte envolta em folhas de loureiro
Não a escondemos, não!… Era um guerreiro!
Despiu por uma ideia a sua espada!
Alma cheia de fogo e mocidade,
Que ante a fúria dos reis não se acobarda,
Sonhava nesta geração bastarda
Glórias.. e liberdade!

Tinha sede de vida e de futuro;
Da liberdade ao sol curvou-se puro
E beijou-lhe a bandeira sublimada:
Amou-a como a Deus, e mais que a vida!
Perdão para essa fronte laureada!
Não lanceis à matilha ensanguentada
A águia nunca vencida!

Perdoai-lhe, Senhor! Quando na história
Vêdes os reis se coroar de glória,
Não é quando no sangue os tronos lavam
E envoltos no seu manto prostituto
Olvidam-se das glórias que sonhavam!
Para esses — maldição! que o leito cavam
Em lodaçal corrupto!

Nem sangue de Ratcliffs o fogo apaga
Que as frontes populares embriaga,
Nem do herói a cabeça decepada
Imunda, envolta em pó, no chão da praça,
Contraída, amarela, ensanguentada,
Assusta a multidão que ardente brada
E tronos despedaça!

O cadáver sem bênçãos, insepulto,
Lançado aos corvos do ervaçal inculto,
A fronte varonil do fuzilado,
Ao sono imperial co′os lábios frios
Podem passar no escárnio desbotado,
Ensanguentar-te a seda ao cortinado
E rir-te aos calafrios!

Não escuteis essa facção impia
Que vos repete a sua rebeldia…
Como o verme no chão da tumba escura
Convulsa-se da treva no mistério:
Como o vento do inferno em água impura,
Com a boca maldita vos murmura:
“Morra! salvai o império!”

Sim, o império salvai; mas não com sangue!
Vede — a pátria debruça o peito exangue
Onde essa turba corvejou, cevou-se!
Nas glórias, no passado eles cuspiram!
Vede — a pátria ao Bretão ajoelhou-se,
Beijou-lhe os pés, no lodo mergulhou-se!
Eles a prostituíram!

Malditos! do presente na ruma
Como torpe, despida Messalina,
Aos apertos infames do estrangeiro
Traficam dessa mãe que os embalou!
Almas descridas do sonhar primeiro
Venderiam o beijo derradeiro
Da virgem que os amou!

Perdoai-lhe, Senhor! nunca vencido,
Se em ferros o lançaram foi traído!
Como o Árabe além no seu deserto,
Como o cervo no páramo das relvas,
Ninguém os trilhos lhe seguira ao perto
No murmúrio das selvas!

Perdão! por vosso pai! que era valente,
Que se batia ao sol co′a face ardente,
Rei — e bravo também! e cavaleiro!
Que da espada na guerra a luz sabia
E ao troar dos canhões entumescia
O peito de guerreiro!

Perdão, por vossa mãe! por vossa glória!
Pelo vosso porvir e nossa história!
Não mancheis vossos louros do futuro!
Nem lisonjeiro incenso a nódoa exime!
— Lava-se o poluir de um leito impuro,
Lava-se a palidez do vicio escuro;
Mas não lava-se um crime!

Pequenino morto, de Vicente de Carvalho

Tange o sino, tange, numa voz de choro
Numa voz de choro… tão desconsolado…
No caixão dourado, como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te dormindo… Acorda!
Olha que te levam para o mesmo lado
De onde o sino tange numa voz de choro…
Pequenino, acorda!

Como o sono apaga o teu olhar inerte
Sob a luz da tarde tão macia e grata!
Pequenino, é pena que não possas ver-te…
Como vais bonito, de vestido novo
Todo azul celeste com debruns de prata!
Pequenino, acorda! E gostarás de ver-te
De vestido novo.

Como aquela imagem de Jesus, tão lindo
Que até vai levado em cima dos andores,
Sobre a fronte loura um resplendor fulgindo
– Com a grinalda feita de botões de rosas
Trazes na cabeça um resplendor de flores…
Pequenino, acorda! E te acharás tão lindo
Florescido em rosas!

Tange o sino, tange, numa voz de choro,
Numa voz de choro… tão desconsolado…
No caixão dourado, como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te dormindo… Acorda!
Olha que te levam para o mesmo lado
De onde o sino tange numa voz de choro…
Pequenino, acorda!

Que caminho triste, e que viagem! Alas
De ciprestes negros a gemer no vento;
Tanta boca aberta de famintas valas
A pedir que as fartem, a esperar que as encham…
Pequenino, acorda! Recupera o alento,
Foge das cobiças dessas fundas valas.
A pedir que as encham.

Vai chegando a hora, vai chegando a hora
Em que a mãe ao seio chama o filho… A espaços,
Badalando, o sino diz adeus, e chora
Na melancolia do cair da noite;
Por aqui, só cruzes com seus magros braços
Que jamais se fecham, hirtos sempre… É a hora
Do cair da noite…

Pela Ave-Maria, como procuravas
Tua mãe!… Num eco de sua voz piedosa,
Que suaves coisas que tu murmuravas,
De mãozinhas postas, a rezar com ela…
Pequenino, em casa, tua mãe saudosa
Reza a sós… É a hora quando a procuravas…
Vai rezar com ela!

E depois… teu quarto era tão lindo! Havia
Na janela jarras onde abriam rosas;
E no meio a cama, toda alvor, macia,
De lençóis de linho no colchão de penas.
Que acordar alegre nas manhãs cheirosas!
Que dormir suave, pela noite fria,
No colchão de penas…

Tange o sino, tange, numa voz de choro,
Numa voz de choro… tão desconsolado…
No caixão dourado, como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te dormindo… Acorda!
Olha que te levam para o mesmo lado
De onde o sino tange numa voz de choro…
Pequenino, acorda!

Por que estacam todos dessa cova à beira?
Que é que diz o padre numa língua estranha?
Por que assim te entregam a essa mão grosseira
Que te agarra e leva para a cova funda?
Por que assim cada homem um punhado apanha
De caliça, e espalha-a, debruçado à beira
Dessa cova funda?

Vais ficar sozinho no caixão fechado…
Não será bastante para que te guarde?
Para que essa terra que jazia ao lado
Pouco a pouco rola, vai desmoronando?
Pequenino, acorda! — Pequenino!… É tarde!…
Sobre ti cai todo esse montão que ao lado
Vai desmoronando…

Eis fechada a cova. Lá ficaste… A enorme
Noite sem aurora todo amortalhou-te.
Nem caminho deixam para quem lá dorme,
Para quem lá fica e que não volta nunca…
Tão sozinho sempre por tamanha noite!…
Pequenino, dorme! Pequenino dorme…
Nem acordes nunca!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Sétima: o que é, características e exemplos. [S.I.] 2024. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/setima-hepteto-caracteristicas-exemplos/. Acesso em: 15 mai. 2024.