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Poesia e imagens: a linguagem figurada e conotativa em composições poéticas

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Conheça a relação entre poesia e imagens e entenda a importância da linguagem figurada em composições poéticas!

A linguagem figurada é um dos recursos expressivos mais poderosos e que mais caracterizam um discurso propriamente poético.

Expressar-se por imagens, isto é, empregar conotações criativas é explorar o potencial expressivo das palavras, e constitui habilidade muito útil para a criação literária.

O eminente linguista suíço Charles Bally, por exemplo, diz que as imagens e a linguagem conotativa são empregadas por necessidade do espírito humano, que por uma incapacidade expressiva precisa estabelecer um elo entre aquilo que pensa e a realidade concreta, portanto, expressa-se por associação.

Para além desta necessidade, não há dúvida que imagens conferem brilho e potência a qualquer composição literária.

Pensando nisso, preparamos esse texto para explorar um pouco mais da relação entre poesia e imagens, para que você possa compreender a importância da linguagem figurada e conotativa em composições poéticas.

Boa leitura!

O que é imagem em poesia

O dicionário Houaiss define imagem como “qualquer maneira particular de expressão literária que tem por efeito substituir a representação precisa de um fato, situação etc. por uma alegoria, visão, evocação etc.”.

Portanto, uma imagem explora criativamente significados especiais para as palavras, e são inseridas em contextos em que evocam um sentimento ou uma ideia através de uma semelhança, de uma analogia, geralmente se afastando do significado literal da expressão.

Quando Murilo Mendes, por exemplo, refere-se a um de seus professores em A idade do serrote como “moreno, nervoso, cabelos inspirados, olhos de pinguepongue“, ou que “atraem-no até as pessoas de coração míope, mas não lhe agrada muito o céu açucarado“, ele está empregando imagens em todos os termos destacados.

Um coração não pode ser míope, literalmente; mas todos nós compreendemos o que Murilo quis dizer com “pessoas de coração míope”.

Expressando-se desta forma, Murilo conferiu brilho à sua descrição, que excita a imaginação de quem lê.

Por que utilizar imagens na poesia

A relação entre poesia e imagens é mais forte do que em qualquer outro discurso literário.

Isso porque a poesia representa a elevação máxima da emotividade através de palavras, e as imagens cumprem papel importantíssimo colorindo e intensificando a expressão.

Nilce Sant’Anna Martins diz, em Introdução à estilística, que “o mais importante fator de afetividade é certamente o emprego da linguagem figurada”.

Quer dizer: é através de imagens que um poeta conseguirá canalizar toda a sua emoção e expressá-la, uma vez que o discurso literal dificilmente expressará a força daquilo que sente.

Um poeta, por exemplo, poderia expressar sua frustração amorosa dizendo que recebeu “tiros por flores”, ou que foi tratado “como um animal”.

Em ambos os casos, percebemos facilmente que o sentido atribuído às expressões não é o literal e que, através destas imagens, o poeta colocou-se como alvo de uma insensibilidade que teria muito menos brilho e força se expressada de forma mais direta, como por exemplo se dissesse simplesmente “recebi uma recusa” ou “fui maltratado”.

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Sendo assim, fica muito claro quanto se pode ganhar através do uso de imagens na poesia.

Como criar boas imagens em composições poéticas

Muito se pode dizer a respeito de o que define uma boa e uma má imagem na poesia.

Stephen Ullmann, em Lenguaje y estilo, dá-nos algumas referências sobre o que define uma boa imagem:

  • A semelhança que expressa deve ter uma qualidade concreta e sensível. Normalmente ou os dois termos de uma imagem são concretos, ou o primeiro é abstrato e o segundo concreto.
  • Deve ter algo surpreendente e inesperado; deve produzir um efeito de assombro, pela revelação de algo comum entre duas experiências aparentemente díspares.
  • Deve ter certo frescor e novidade, ainda que não seja necessário a imagem ser absolutamente original; mas, se sua força expressiva se debilitou com a repetição, o escritor terá que rejuvenescê-la e infundir-lhe nova vida.

Portanto, podemos concluir que, em primeiro lugar, a imagem deve possuir um elo com a experiência concreta; porque, assim, se aproximará daquele que entra em contato com ela.

Em segundo lugar, uma boa imagem deve causar surpresa. Isso é muito importante, e disso deriva que os lugares-comuns devem ser evitados, pois dificilmente surpreendem.

Por fim, Ullmann destaca o “frescor” e a “novidade” que, de certa forma, está relacionado com o conceito de surpresa.

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Adicionaríamos ainda que, muitas vezes, o exagero confere força de expressão a uma imagem e, portanto, se empregado com inteligência, pode ser um recurso interessantíssimo.

Veja, por exemplo, como é forte quando um poeta apaixonado, em vez de dizer “estou apaixonado”, diz “meu peito arde em fogo”.

Obviamente, este poeta está empregando uma imagem, pois seu peito não está literalmente “ardendo em fogo”. Além disso, há um notório exagero na expressão.

O mesmo dar-se-ia se alguém dissesse “carreguei uma montanha nas costas”, “senti-me a cabeça a explodir”, “mirou-me como uma águia”, “tinha braços de canhão”, etc. etc. Os exemplos são infinitos.

Exemplos de imagens na poesia

Para exemplificar como poesia e imagens estão em relação estreita, separamos alguns exemplos de grandes artistas que utilizaram imagens com maestria em suas composições poéticas.

Perceba como, nos versos que citaremos, a expressão vem cheia de força, transborda criatividade e desenha-se vivíssima em nossas mentes.

Para começar, vamos com um dos poetas que melhor e mais originalmente valeu-se de imagens em sua poesia, repleta de exemplos excelentes: o brasileiro Augusto dos Anjos.

Abaixo, os versos que abrem seu poema Monólogo de uma sombra:

“Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras…
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!

Perceba como são expressivas essas imagens, e evocam todo um mistério que colore o poema, deste o início, de um tom sombrio.

Agora, um exemplo do uso de imagens em seu Poema negro:

A desagregação da minha Ideia
Aumenta. Como as chagas da morfeia,
O medo, o desalento e o desconforto
Paralisam-me os círculos motores.
Na Eternidade, os ventos gemedores
Estão dizendo que Jesus é morto!

Um último exemplo de Augusto dos Anjos, tirado de seu poema Os doentes, que dispensa comentários:

Não haver terapêutica que arranque
Tanta opressão como se, com efeito,
Lhe houvessem sacudido sobre o peito
A máquina pneumática de Bianchi!

E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba
A erguer, como um cronômetro gigante
Marcando a transição emocionante
Do lar materno para a catacumba!

Vamos, agora, a um exemplo de Cecília Meireles, que vale-se criativamente de uma imagem talvez comum, mas o faz com muita habilidade:

Treva da noite,
lanosa capa
nos ombros curvos
dos altos montes
aglomerados.

Neste exemplo, tanto “capa” como “ombros” estão sendo utilizados figurativamente.

Mais um trecho de Cecília Meireles, retirado de seu poema Motivo:

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Aqui, Cecília Meireles atribui um significado especial, metafórico para a palavra “vento”, que não quer dizer o vento propriamente dito, mas sim algo que podemos interpretar como “sonho”, “devaneio” ou “vazio”.

Mais um exemplo: agora retirado de Castro Alves:

O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…

E para fechar, um passo do excelente poema Profissão de fé, em que Olavo Bilac compara o trabalho de um poeta ao de um ourives:

Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem,
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nosso texto sobre poesia e imagens e entendido a importância da linguagem figurativa em composições poéticas.

Se você gostou desse texto, não deixe de ver a nossa coletânea de poemas sobre mulher.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poesia e imagens: a linguagem figurada e conotativa em composições poéticas. [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poesia-e-imagens-linguagem-figurada-poetica/. Acesso em: 2 mai. 2024.