Saiba o que é verso esdrúxulo em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!
O verso esdrúxulo é, entre os tipos de verso portugueses, aquele que confere maior brilho ao poema quando empregado sobriamente.
Ocorre, porém, que seu emprego excessivo dá ao poema, como nota Castilho, uma impressão de “desnatural, afetado, esquisito, e que facilmente degenerará em ridículo”.
A diferença entre estes dois extremos, como está claro, é a parcimônia e habilidade do poeta em seu emprego.
A seguir, elucidaremos o que é verso esdrúxulo em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de verso esdrúxulo
Na poesia portuguesa, o verso é classificado em três tipos básicos, segundo a tonicidade de sua última palavra: agudo, grave e esdrúxulo.
É chamado agudo o verso terminado em palavra aguda, grave o terminado em palavra grave, e esdrúxulo o terminado em palavra esdrúxula.
O verso esdrúxulo é, pois, o verso terminado em palavra esdrúxula, isto é, em palavra cujo acento recai em sua antepenúltima sílaba, chamada proparoxítona pela gramática portuguesa.
Aplicação do verso esdrúxulo
O verso esdrúxulo é, em português, o mais raro entre os três tipos supracitados, e exatamente disso deriva a sua singularidade que, se explorada com inteligência, proporciona efeitos maravilhosos.
Aliás, os vocábulos esdrúxulos são uma das maiores belezas da língua portuguesa, e embora sejam minoria perante os outros tipos de vocábulos da língua, existem em número muito maior e com também maior variedade de vogais tônicas do que encontramos em outros idiomas que os possuem.
Assim, em português são numerosos os efeitos que se pode tirar de versos e vocábulos esdrúxulos, como nota António Feliciano de Castilho em seu Tratado de metrificação portuguesa:
Ideias há, talvez, com as quais a sua toada tem uma secreta afinidade; v.g. — a ideia de extensão ou grandeza; considerai os superlativos, todos datílicos, máximo, ótimo, grandíssimo, boníssimo, altíssimo, profundíssimo, amplíssimo, etc.; não é verdade que o mesmo tom material destes adjetivos assim tem alguma coisa de representativo? Mas não é só com a ideia de grandeza que os esdrúxulos fraternizam, é com a dos sons aprazíveis: música, cítara, harmônica, melódica, cântico; é com as suavidades, amenidades e enlevo: cântico, tácito, balsâmico, odorífero, flórido, simpático, extático, lágrimas, delícias, êxtase, angélico, zéfiro, (…); e com as de movimento e força: trêmulo, rápido, indômito, quadrúpede, (…); é, finalmente até, com as opostas às suaves: hórrido, lúgubre, fúnebre, lôbrego, túmulo, tétrico, (…)
Algumas destas ideias estão belamente exemplificadas no Hino Nacional Brasileiro (destacamos as sílabas tônicas finais dos versos esdrúxulos):
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heroico o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.(…)
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.(…)
Deitado eternamente em berço esplêndido,
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Iluminado ao sol do Novo Mundo!(…)
Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro dessa flâmula
– “Paz no futuro e glória no passado.”
Facilmente percebemos o brilho derivado dos versos esdrúxulos, sem os quais tal composição perderia boa parte de sua beleza.
Mas além disso, é interessante notar o emprego dos vocábulos esdrúxulos nas estrofes acima, posicionados em locais onde normalmente haveria rima.
Por consistirem uma raridade perante o total de vocábulos portugueses, os esdrúxulos, apenas por serem esdrúxulos, contrastam de tal forma com os demais vocábulos que são muitas vezes posicionados no fim dos versos como se fossem rimas, sem no entanto apresentarem reiteração fônica.
Outro exemplo deste emprego, em Raimundo Correia:
Passaste um dia junto a mim de súbito,
Desde esse instante em que te vi amei-te!
E apenas tinhas sobre a fronte angélica,
Singela rosa por singelo enfeite!
Realmente, muito se pode tirar dos vocábulos esdrúxulos portugueses.
Contudo, como já salientamos anteriormente, o emprego exagerado de vocábulos esdrúxulos, não apenas no fim dos versos, descai em extravagância e expõe a composição ao ridículo.
É bom usá-los; mas é bom usá-los com cautela.
Exemplos de aplicação de versos esdrúxulos
Abaixo daremos três exemplos de aplicação de versos esdrúxulos em português.
Dois destes exemplos são de Augusto dos Anjos, que provavelmente é o poeta cujos versos e vocábulos esdrúxulos possuem a ocorrência mais frequente da língua portuguesa, algo que muito contribui para a sua inconfundível e inimitável excentricidade.
Psicologia de um vencido, de Augusto dos Anjos
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
A Ideia, de Augusto dos Anjos
De onde ela vem? De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas da laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica…Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica!
Paixão, de Raimundo Correia
Passaste um dia junto a mim de súbito,
Desde esse instante em que te vi amei-te!
E apenas tinhas sobre a fronte angélica,
Singela rosa por singelo enfeite!Longa e lustrosa cabeleira d’ébano
Caía em roscas nos teus alvos ombros,
Como as torrentes, que se arrojam rábidas
Dos níveos Alpes nos algentes combros!De tal beleza só é Deus o artífice
E aqui da terra nenhum gênio a imita,
Mas sob os seios de nitente mármore
Também d’amor um coração palpita!És tão formosa que esplendente auréola
No teu semblante de criança brilha!
Feliz aquele, que é teu pai; invejam-lhe
Todos a glória de tão linda filha!Bem sei que apenas do Oriente um príncipe
Pôde orgulhoso oferecer-te o braço,
Contudo eu, virgem, tive a doida audácia
De erguer meus olhos para o teu regaço!Basta em minh’alma de tu’alma o anélito
Pra levantar-me o coração dolente,
Bem como o vento em borbotões na África
Levanta a areia do deserto ardente!A minha lira não tem voz, concerta-lhe
As cordas d’oiro com teu mago encanto —
E a gente, que hoje, sem motivo, odeia-me,
Para amanhã para escutar meu canto.Sou orgulhoso! mas se passas, férvido
Meu lábio o rastro dos teus pés não beija?
E não me prostro como a planta súplice
Prostra-se ao vento que a passar pragueja?É que em meu seio da paixão o incêndio
Lavra-me em fúria o coração que te ama,
Como vermelha a labareda enrola-se
Pelas colunas dum palácio em chama.Miragem loura em solidão inóspita,
Ai! não me fujas, nem de mim te escondas!
És meu farol — eu sou baixel sem bússola,
Que o mar sacode em volumosas ondas!Volve a meus olhos os teus olhos vívidos,
Puros, despidos d’altivez sublime,
Que há nesses olhos uma aurora lúcida,
Que expele a noite que o meu ser oprime!Se me os volveres a minh’alma sôfrega
Há de inundar-se dessa nova aurora —
E dirão todos a me ver sem lágrimas:
Como é feliz aquele moço agora!