Saiba o que é cesura, por que utilizá-la na poesia, como utilizá-la, e veja exemplos de grandes poetas!
A cesura é um elemento técnico muito importante quando falamos em construções poéticas rítmicas, especialmente em se tratando de versos regulares.
O problema, porém, é que muitos falam em cesura e poucos falam dela com propriedade, gerando uma confusão enorme — e temos como agravante, inclusive, o fato de que mesmo alguns dicionários a definem de maneira imprecisa.
Sendo assim, preparamos esse artigo para que você saiba de uma vez por todas o que é cesura e como utilizá-la na poesia.
Boa leitura!
A confusão sobre o conceito de cesura
Antes de abordarmos o que é cesura, gostaríamos de ilustrar com alguns poucos exemplos a confusão que paira em redor deste conceito tão empregado na poesia.
Não desejamos, de forma alguma, desmerecer nenhum dos responsáveis por tais definições; cremos, somente, que seja didático expô-las aqui.
O dicionário Michaelis dá-nos quatro definições para cesura, nas acepções relativas à metrificação:
- Última sílaba de uma palavra que começa o pé de um verso latino ou grego.
- Pausa que se faz no verso, na poesia moderna, depois de cada um dos acentos tônicos predominantes que regulam a cadência.
- Primeira parte das duas em que se divide o verso hexâmetro.
- Pausa no fim do primeiro hemistíquio do verso alexandrino.
Na primeira delas, temos uma definição de cesura para a poesia grega e latina; na segunda, para a poesia moderna; na terceira, para hexâmetros; na quarta, para versos alexandrinos.
Pela primeira e pela segunda, podemos supor que um verso pode conter várias cesuras; pela terceira e pela quarta, que há apenas uma cesura no verso.
Manuel do Carmo, em Consolidação das leis do verso, define cesura da seguinte maneira:
A cesura é o repouso da voz sobre a sílaba tônica de uma, ou mais de uma, das palavras que constituem o verso, acentuando deste modo tal sílaba mais do que as outras.
Mais adiante, na mesma obra, diz o seguinte:
Sendo a cesura o acento tônico do verso e, portanto, a acentuação da ideia nele contida, podemos, às vezes, passar sem ela, e até devemos fazê-lo, quando queremos prolongar a espera, chamando melhor a atenção para a ideia que se quer acentuar.
E ainda:
A cesura, que é o acento tônico do verso, auxilia a ondulação do ritmo.
Que concluir disso tudo? É a cesura uma sílaba, uma parte do verso, um acento tônico?
Vejamos se conseguimos elucidá-lo.
O que é cesura?
Em poesia, cesura é uma pausa (ou corte) intencional praticada no interior do verso que funciona como apoio rítmico na estrutura de versos longos.
A cesura explica-se por uma necessidade de pausa natural que surge quando pronunciamos versos longos, e não é correto justificá-la simplesmente porque alguns versos podem ser decompostos em versos menores.
Replicamos, aqui, as palavras de Manuel Said Ali, que dispensa apresentações:
Entendemos por cesura uma pausa ou corte no interior do verso sem estender a denominação à sobra ou sílaba final do vocábulo atingido pelo corte, afastando assim a deplorável confusão que se encontra em alguns compêndios e dicionários.
Pausas separativas de grupos fonéticos e sintáticos ocorrem naturalmente em qualquer ponto do verso. Aplicamos, porém, particularmente o nome de cesura à pausa intencional e usual em um ponto determinado do verso.
Por que utilizar a cesura na poesia?
Para entender por que utilizar a cesura na poesia, é preciso, primeiro, entender como e por que ela ocorre.
Como dissemos, a cesura é uma pausa intencional praticada pelo poeta no interior do verso.
Essa pausa localiza-se no centro ou próxima ao centro do verso, e divide-o em duas partes de extensão igual ou próxima que, em poesia, chamamos de hemistíquios.
Especialmente para metros com acima de dez sílabas poéticas, a declamação natural exige uma pausa na pronúncia, o que não ocorre em metros menores, que são pronunciados num só impulso.
O poeta, entendendo essa necessidade, intencionalmente posiciona uma pausa no interior do verso, e essa pausa, chamada cesura, passa a funcionar como um marcador e como um apoio rítmico do verso.
Quase sempre, um efeito resultante da cesura é de que a sílaba tônica que a precede é tida como a tônica principal do verso, e a tradição é que na poesia regular esse posicionamento estenda-se por quantos versos durar a composição.
Perceba que, pronunciando normalmente os versos abaixo, nota-se uma forte acentuação seguida de uma pausa, que assinalamos com “//”.
Exemplos de cesura na poesia
Sete anos de pastor // Jacó servia
(Camões)Os golpes do gibão // ajunta e achega
(idem)Dos Mouros os batéis // o mar coalhavam
(idem)Sobre uma folha hostil // duma figueira brava
(Guerra Junqueiro)Na água mansa do mar // passam tranquilamente
(Olavo Bilac)As mãos da minha Mãe // sobre a minha cabeça
(Olegário Mariano)
A cesura e os versos compostos
Grande parte da confusão que envolve o termo cesura em nossa língua se dá em razão de, em português, não se ter disseminado o cultivo dos chamados versos compostos, na classificação de Rogério Chociay, que os define assim em Teoria do verso:
Aqueles cuja receita métrica prevê dois alinhamentos (poderiam ser mais de dois), considerando-se dois princípios de composição (…) e têm como ocorrência típica a cesura a limitar distintamente ambos os hemistíquios de cada verso.
Na poesia portuguesa, a estruturação tradicional é balizada por um único alinhamento silábico dos versos, o que torna a cesura estruturalmente dispensável, algo que não ocorre em versos compostos, cuja estrutura é necessariamente definida pelos hemistíquios regulares de que se compõe.
Nesta técnica, não observar a cesura fatalmente fará o poeta incorrer em erro.
Manuel Said Ali, que citamos mais acima, defende que a cesura não se deve estender “à sobra ou sílaba final do vocábulo atingido pelo corte”, ou seja, caso ocorra após a sílaba tônica de um vocábulo grave, a sílaba final deverá pertencer ao hemistíquio seguinte.
Isso, em nossa receita de composição tradicional, é justificável. Porém, nos ditos versos compostos, não é o que ocorre, como veremos a seguir.
Exemplos de cesura em versos compostos
Retiramos da obra supracitada de Rogério Chociay alguns exemplos de cesura em versos compostos, para que sua aplicação fique mais clara.
Abaixo, temos versos que o autor denomina alexandrinos antigos, cuja fórmula resume-se à junção de dois hemistíquios hexassílabos (como o alexandrino francês).
Porém, nestes versos, os hemistíquios são independentes, justamente em decorrência da cesura obrigatória, que dispensa a necessidade de sinalefa da última sílaba do primeiro hemistíquio com a primeira do segundo, caso aquela pertença à palavra grave.
Este verso permite, também, a utilização de vocábulos esdrúxulos em ambos os hemistíquios, algo que não ocorre nos alexandrinos franceses, visto que o idioma francês não possui tais vocábulos, e é vetado em português a alexandrinos ditos clássicos, em razão destes se inspirarem no modelo francês.
Em nossa contagem tradicional (que segue o tratado de Castilho), pois, tais versos possuirão doze, treze ou quatorze sílabas poéticas, a depender se o primeiro hemistíquio é grave, agudo ou esdrúxulo.
Abaixo alguns exemplos:
Defronte dos cristais, // que adulam a vaidade,
Não, a razão não julga: // quem julga é a vontade:
Porque feições alheias, // por obra do artifício,
Vos formam da beleza // o mágico edifício.
(Basílio da Gama)Vossa alma é livre agora, // despedaçai os ferros
Que os entes escravizam // num parecer insano;
Mirai o céu azul, // sede robusto e forte,
Além do desespero // não há pior tirano!
(Fagundes Varela)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa postagem e aprendido o que é cesura.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre assonância.
Um abraço e até a próxima!