Saiba o que é pé (ou célula métrica) em poesia, conheça seus tipos e veja exemplos de sua aplicação!
Em poesia, pé é um conceito importantíssimo, sem o qual não se pode entender o fundamento rítmico dos versos.
Embora, em português, o estudo da arte poética tenha-se erigido sobre uma base apenas silábica, a prática prova-nos que em nossa língua houve sempre quem praticasse, como em outros idiomas, a cadência silábico-acentual.
A seguir, elucidaremos o que é pé em poesia, quais são seus tipos e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de pé
Na poesia portuguesa, pé (ou célula métrica) é o nome que se dá à unidade rítmica do verso.
Assim como é possível dividir o verso em sílabas poéticas, é possível dividi-lo em grupos rítmicos, e a estes chamamos pés.
O pé português possui duas ou três sílabas poéticas, sendo uma delas obrigatoriamente forte e a(s) outra(s) fraca(s).
Há autores que teorizam a possibilidade de pés portugueses de quatro sílabas; contudo, em razão do fenômeno da tônica secundária inerente de nossa prosódia, tais pés apresentam-se praticamente como dois pés de duas sílabas, e portanto a maioria de nossos estudiosos considera apenas pés portugueses de duas ou três sílabas (Said Ali, Cavalcanti Proença, Silva Ramos, entre outros).
Dividindo um verso em pés, tomamos consciência de sua estrutura rítmica, e disso deriva a sua grande importância para a versificação.
O pé na poesia portuguesa
Como dissemos anteriormente, o estudo da poesia portuguesa fundou-se numa base apenas silábica, embora vários poetas tenham-na praticado com cadência silábico-acentual.
Posto que não há como falar em pés senão nesta última, o resultado é que não os encontramos abordados em nossos tratados de versificação mais populares.
Apenas a partir do último século têm aparecido estudiosos da versificação portuguesa a empregarem abertamente o termo pé e seus derivados em seus estudos.
Um destes autores é Cavalcanti Proença, que assim abre o primeiro capítulo de seu livro Ritmo e poesia:
Quando alguém começa um trabalho sobre metrificação, deve logo dizer que a métrica latina baseada na quantidade silábica difere da portuguesa, que se funda na tonicidade. Deve, também, acrescentar que, no latim do período imperial, a distinção quantitativa desaparece, substituída pelo timbre. Façamos de conta que já abordei esse ponto e até esclareci que o ritmo tônico de hoje em dia teve origem no latim cantado nas igrejas. Haverá economia de papel, citações latinas, bibliografia e demonstração erudita.
A razão desta advertência é que, em português, tanto a denominação de pé quanto à dos seus tipos é proveniente da poesia greco-romana, nas quais, como está dito acima, não se aplicava as mesmas regras de nossa prosódia.
Contudo, é como diz Manuel Said Ali em Versificação portuguesa:
Aplicamos aos grupos rítmicos de versificação usada nas línguas modernas as denominações antigas de iambo, troqueu, dátilo, etc., sem pensar de modo algum em identificá-los com os chamados pés da metrificação greco-latina. Nomes não muito recomendáveis nem familiares a todos os leitores; mas preferíveis a uma terminologia nova, que seria ainda mais embaraçante.
Feitas as explicações, passemos agora aos tipos de pé portugueses.
Tipos de pé portugueses
Em português, o pé funda-se em redor de uma sílaba forte, seja por natureza, seja por posição.
Esta sílaba é acompanhada de uma ou duas sílabas fracas, de forma que o pé português apresenta, de praxe, duas ou três sílabas poéticas.
Segundo estes critérios, temos cinco tipos possíveis de pés, todos eles encontrados em português, e nomeados da seguinte maneira:
- Iambo (ou jambo): pé composto de uma sílaba fraca seguida de uma sílaba forte (– ~).
- Troqueu: pé composto de uma sílaba forte seguida de uma sílaba fraca (~ –).
- Dátilo: pé composto de uma sílaba forte seguida de duas sílabas fracas (~ – –).
- Anfíbraco: pé composto de uma sílaba forte entre duas fracas (– ~ –).
- Anapesto: pé composto de duas sílabas fracas seguidas de uma sílaba forte (– – ~).
Estes pés podem ser utilizados tanto isolada quanto conjuntamente nos versos.
Quando a fórmula rítmica do verso consiste na sucessão de apenas um destes tipos, dizemos que seu ritmo apresenta alternância binária (iambo, troqueu) ou alternância ternária (dátilo, anfíbraco, anapesto).
Exemplos de aplicação dos pés
Abaixo apresentaremos alguns exemplos de versos construídos inteiramente em cada um dos pés portugueses, para que você distinga o ritmo de cada um deles (nosso destaque para as sílabas tônicas).
Salientamos que, em geral, os pés portugueses sucedem-se até à última sílaba tônica do verso, tal como é natural de nossa contagem silábica; contudo, há casos em que, para a completude do último pé, considera-se também a última sílaba átona do verso.
Ritmo iâmbico (sucessão de iambos: – ~ – ~…)
Que má tenção, que peito em nós se sente
(Camões)A sua enorme graça, o sal antigo
(Cassiano Ricardo)O amor florindo em nós abril e outubro
(Geir Campos)Fechou à minha Elvira a esquiva porta
(Machado de Assis)
Ritmo trocaico (sucessão de troqueus: ~ – ~ -…)
Oh que ação renhida! balas sobre balas
(Franklin Dória)Vão-me os olhos vendo tudo em roda morto,
Tudo chão de areias, sem um pingo d’água.
(Alberto de Oliveira)
Ritmo datílico (sucessão de dátilos: ~ – – ~ – -…)
Fogem d’ouvir as sereias
(Sá de Miranda)Há de cair sobre as ondas
(Gonçalves Dias)Dia de sol, inundado de sol!…
(Camilo Pessanha)
Ritmo anfibráquico (sucessão de anfíbracos: – ~ – – ~ -…)
No berço pendente de ramos floridos,
Em que eu pequenino feliz dormitava,
Quem é que esse berço, com todo o cuidado,
Cantando cantigas, alegre embalava?
(Casimiro de Abreu)
Ritmo anapéstico (sucessão de anapestos: – – ~ – – ~…)
Já não fala Tupã no ulular da procela
(Olavo Bilac)Que mergulha no abismo e mergulha no assombro
(Machado de Assis)