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O fenômeno da tônica secundária em palavras de quatro ou mais sílabas

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Saiba o que é a tônica secundária e entenda como ela pode influenciar a composição de seus versos!

Em português, a cada palavra é atribuído um acento tônico, o qual pode cair em três diferentes posições: na última, penúltima ou antepenúltima sílaba.

Temos, assim, segundo a gramática, três classes de palavras quanto à posição do acento: oxítonas, ou palavras em que o acento cai na última sílaba; paroxítonas, ou palavras em que o acento cai na penúltima sílaba; e proparoxítonas, ou palavras em que o acento cai na antepenúltima sílaba.

Em poesia, chama-se as palavras oxítonas de agudas, as paroxítonas de graves, e as proparoxítonas de esdrúxulas; e de agudo, grave ou esdrúxulo o verso terminado em cada uma dessas palavras.

Porém, o problema da acentuação em português é complexo e não para por aí.

Alguns estudiosos de nossa língua notaram que palavras com quatro ou mais sílabas, por uma necessidade de pronúncia, necessitam de um acento secundário.

Este fenômeno fonético atraiu a atenção de alguns grandes nomes de nossa literatura que, embora não tenham chegado a consenso, deixaram evidente que a acentuação secundária nas palavras portuguesas é um problema real.

Sem dúvida, é um assunto que não pode passar despercebido a um poeta, visto que a poesia maneja justamente os acentos das palavras para produzir ritmo nos versos.

Pensando nisso, preparamos esse artigo, no qual abordaremos o fenômeno da tônica secundária em palavras com quatro ou mais sílabas, justificando-o e mostrando os impactos que ele pode ter em suas composições.

Boa leitura!

O que é a tônica secundária

A tônica secundária, quando se referindo à acentuação vocabular, é o fenômeno observável em palavras portuguesas de quatro ou mais sílabas em que uma sílaba que não seja a tônica principal da palavra é pronunciada com intensidade maior que as outras não acentuadas.

Manuel Said Ali, em Dificuldades da língua portuguesa, explica o fenômeno:

O vocábulo polissilábico possui tantos acentos desta natureza quantas as sílabas de que se compõe; mas é fácil de ver que, dentre todas, uma se destaca pela pronúncia. É a sílaba tônica. As restantes sílabas, conquanto fiquem em plano secundário, não se proferem necessariamente com uma só intensidade de voz; exigem graus diferentes. Nas palavras dignamente, arbitrado, além da entonação principal em men, tra, ouve-se um acento secundário em di e ar pronunciado com mais força que o da segunda e da última sílaba.

Portanto, a tônica secundária é aquela sílaba responsável por dar um acento de apoio a palavras que, por seu número de sílabas, exigem-no para sua pronúncia natural.

Mas será que exigem mesmo? Vamos ver.

Por que ocorre o fenômeno da tônica secundária

Olavo Bilac e Guimarães Passos, dois grandes nomes da literatura brasileira, rejeitam e ironizam a tônica secundária no Tratado de versificação que publicaram conjuntamente:

Há palavras, que parecem ter dois acentos, mas absolutamente não os tem; os advérbios em ente, por exemplo: — furibundamente, satanicamente, incongruentemente. Reparem que são dois vocábulos juntos; podem enganar o ouvido inexperto, porém não o atento, que não pode deter-se em duas pausas.

Não há dois acentos, porque os ouvidos, embora sejam dois, percebem o mesmo som (a menos que sejam surdos, ou surdo um).

Infelizmente, teremos de discordar dos poetas uma vez que, ainda que sejamos surdos de um ouvido, facilmente percebemos que a acentuação das palavras portuguesas, na prática, não se ajusta a um padrão binário, mas possui gradações, como bem notou Said Ali.

É o que ocorre, aliás, na própria música, em que os tempos fortes nem sempre o são em mesma intensidade.

Cavalcanti Proença, em Ritmo e poesia, estende-se no assunto, exemplificando e dando justificativas mais convincentes e melhor fundamentadas que a breve observação de Bilac e Guimarães Passos.

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Segundo ele, unidades rítmicas (ou células métricas) naturais da língua portuguesa possuem duas ou três sílabas, em virtude da impossibilidade de se pronunciar, em português, três átonas em sequência, sem o apoio de uma tônica:

Com vocábulos ultraesdrúxulos, tais como perdoaram-no-lo, acontece que só conseguimos pronunciá-los, decompondo-os: perdoaram + no-lo. Um acento secundário, de menor duração que o primeiro (á) incide na sílaba final (lô).

Portanto, o fenômeno da tônica secundária é uma necessidade fonética inerente à pronúncia portuguesa.

O gramático até pode se satisfazer atribuindo um acento único às palavras, ou melhor, identificando-lhe o acento dominante. Não o fonetista, e nem o poeta.

Em poesia, as gradações de acentuação das palavras terão impacto direto na sonoridade dos versos, portanto, devem ser estudadas pelo poeta que, em o fazendo, logo perceberá outro fenômeno interessante: a mobilidade do acento secundário.

Vejamos de que se trata.

A mobilidade do acento secundário na poesia

Se negássemos o fenômeno da tônica secundária, como Olavo Bilac e Guimarães Passos, em negrito estariam as sílabas pronunciadas acentuadamente neste verso de Guerra Junqueiro:

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1- Nas pulverizações balmicas da luz

Esquematicamente, teríamos o seguinte, sendo (-) as sílabas não acentuadas e (~) as acentuadas:

– – – – – ~ – ~ – – – ~

Na verdade, lemo-lo conforme abaixo:

2- Nas pulverizações balmicas da luz

Ou, esquematicamente:

– ~ – – – ~ – ~ – ~ – ~

Ler este verso conforme a acentuação do primeiro exemplo, se não é uma absoluta impossibilidade na língua portuguesa, é algo só factível artificialmente.

Na prática, é conforme o segundo exemplo que o verso será lido, com acentuação secundária, no primeiro hemistíquio, na sílaba “pul” e, no segundo hemistíquio, na sílaba “cas”; portanto abrindo em movimento anfibráquico (- ~ -) seguido de um anapesto (- – ~) e fechando em movimento iâmbico (- ~).

Ocorre, porém, que este mesmo verso, se inserido numa composição de versos inteiramente iâmbicos, adaptar-se-ia naturalmente ao ritmo, sendo pronunciado como:

3- Nas pulverizações balmicas da luz

Ou, esquematicamente:

– ~ – ~ – ~ – ~ – ~ – ~

Mas não paramos por aí: caso o poeta estivesse trabalhando versos abertos em pés anapésticos (- – ~), o verso, também, poder-se-ia adaptar ao ritmo, sendo lido como:

4- Nas pulverizações balmicas da luz

Ou, esquematicamente:

– – ~ – – ~ – ~ – ~ – ~

Embora possamos dizer que a leitura número 4 seja menos natural que as demais, de forma alguma soaria desagradável e, em verdade, dar-se-ia naturalmente a depender do ritmo trabalhado em versos anteriores.

Disso, verificamos facilmente que o acento secundário deste tipo de palavras pode variar de posição, ou seja, possui uma interessante mobilidade.

Cavalcanti Proença dá-nos um exemplo em que essa qualidade fica ainda mais clara, no verso “A sucessividade dos segundos”, de Augusto dos Anjos.

Este verso, segundo o autor, pode seguir os seguintes esquemas:

1. – ~ – – – ~ – – – ~
2. – – ~ – – ~ – – – ~
3. – ~ – ~ – ~ – – – ~

Manuel Said Ali, porém, mostrou-nos em Versificação portuguesa que o verso decassílabo (segundo a contagem de Castilho), caso tenha acentuação na sexta sílaba, possui uma oitava obrigatoriamente acentuada.

Diz-nos o eminente sintaticista:

Com a acentuação na 6ª sílaba pode-se mudar o ritmo até o centro do verso (…). A oitava sílaba destes versos ou é forte por natureza, ou semiforte, isto é, fraca valorizada por vir entre duas fracas. Nos versos com 6ª sílaba inacentuada, a oitava tem de ser forte por natureza.

Curioso notar que Cavalcanti Proença não se atentou para o que ele mesmo estabeleceu como diretriz, isto é, que as unidades rítmicas naturais da língua portuguesa possuem duas ou três sílabas: terminando o primeiro hemistíquio no sexto verso, o segundo não poderia começar com três sílabas átonas.

Portanto, o verso de Augusto dos Anjos seria lido conforme as seguintes possibilidades:

4. A sucessividade dos segundos
5. A sucessividade dos segundos
6. A sucessividade dos segundos

Ou, esquematicamente, e dividindo o verso em suas unidades rítmicas:

4. – ~ – / – – ~ / – ~ / – ~
5. – – ~ / – – ~ / – ~ / – ~
6. – ~ / – ~ / – ~ / – ~ / – ~

Sendo assim, fica muito claro tanto o fenômeno da tônica secundária, quanto à sua mobilidade.

O poeta, estudando o assunto, enxergará possibilidades e, com segurança, poderá variar o ritmo das palavras que emprega induzindo determinada leitura em seus versos.

Conclusão

Ficamos por aqui!

Embora seja este um tema complexo e muito evitado, esperamos que o artigo tenha-lhe ajudado a compreender melhor o fênomeno da tônica secundária em palavras com quatro ou mais sílabas, apresentando-lhe justificativas e aplicações.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ler o que escrevemos sobre literatura de cordel.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. O fenômeno da tônica secundária em palavras de quatro ou mais sílabas. [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/tonica-secundaria-em-palavras-quatro-silabas/. Acesso em: 3 mai. 2024.