Saiba o que é eneassílabo em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!
O eneassílabo é um tipo de verso que comporta variadas formas de realizações de resultado interessante.
Este metro, assim como o octossílabo, teve utilização significantemente aumentada em português a partir do Romantismo, quando passou a ser explorado tanto nas antigas, quanto em novas e não ortodoxas formas.
A seguir, elucidaremos o que é eneassílabo na poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de eneassílabo
Em poesia, eneassílabo é o nome que se dá ao verso que possui nove sílabas poéticas, segundo a contagem silábica praticada em português.
Nesta contagem, também chamada contagem francesa ou contagem de Castilho, considera-se para efeito de definição do metro o número de sílabas poéticas do verso até sua última sílaba tônica.
Desta forma, o eneassílabo pode possuir nove, dez ou onze sílabas poéticas reais, a depender se sua última sílaba tônica recai em palavra aguda, grave ou esdrúxula, respectivamente.
Quanto à acentuação, o verso eneassílabo possui, normalmente, três ou quatro sílabas fortes.
Características do verso eneassílabo
O eneassílabo é um verso que, tradicionalmente, não foi de grande utilização em português.
Contudo, Castilho já o chamava “inquestionavelmente belíssimo”, e encontramo-lo utilizado por Bocage.
O eneassílabo é a maior parte das vezes empregado em estrofes isométricas, como metro autônomo, mas também o encontramos esporadicamente em estrofes heterométricas, como em sua curiosa aplicação associada a octossílabos, que encontramos em Alphonsus de Guimaraens, Cecília Meireles, entre outros.
Quanto ao ritmo, o verso eneassílabo, em português, é empregado tanto em estrofes de cadência silábica, quanto silábico-acentual, predominando este último emprego.
Tipos de eneassílabo
Castilho, em seu célebre tratado, diz que o eneassílabo “compõe-se de três metros de três sílabas”, adicionando que “qualquer outra composição deturparia esta medida”.
Isso nos mostra que a forma clássica de aplicação deste metro opera um movimento anapéstico, com acentuação padrão na 3ª, 6ª e 9ª sílabas.
A este esquema acentual, soma-se o padrão 4-9, e temos os dois modelos de eneassílabo mais comuns em português que, com suas variações, compõem o grosso das composições silábico-acentuais que possuímos.
Contudo, como já mencionado, este metro também é utilizado em estrofes de cadência apenas silábica, isto é, variando o esquema acentual no decorrer dos versos.
Abaixo, destacamos os dois tipos básicos de eneassílabo e algumas variações.
Aos exemplos, agradecemos e valemo-nos das coletas de Said Ali (Versificação portuguesa) e Rogério Chociay (Teoria do verso):
Tipo 1: esquema acentual 3-6-9 (- – ~ – – ~ – – ~)
Este tipo, o mais tradicional entre todos, é normalmente empregado em composições de cadência estrófica e opera um movimento anapéstico (– – ~).
A acentuação fixa nestas três sílabas sobressai-se de maneira que, às vezes, encontramos uma ou outra sílaba naturalmente forte fora destas posições que soa como fraca, em razão do ritmo do poema.
A primeira sílaba, de praxe, pode vir fraca ou acentuada, não alterando o movimento que se impõe.
Alguns exemplos, com nosso destaque para as sílabas tônicas predominantes (3-6-9):
Trabalhai, meus irmãos, que o trabalho
É riqueza, é virtude, é vigor;
Dentre a orquestra da serra e do malho
Brotam vida, cidades, amor.
(Castilho)Interpelo as estrelas que choram,
E as estrelas não querem dizer;
Falo aos ventos e os ventos respondem:
Também nós procuramos saber…
(Tobias Barreto)
Tipo 2: esquema acentual 4-9 (- – – ~ – – – – ~)
Este esquema é o segundo tipo básico de eneassílabo utilizado em estrofes com cadência silábico-acentual.
Em resumo, a acentuação é fixa na 4ª e 9ª sílabas, podendo os outros acentos apresentarem-se em numerosas variações, como 1-4-6-9, 1-4-7-9, 2-4-7-9, entre outras.
Abaixo alguns exemplos do tipo básico:
De desalento… de desencanto…
(Manuel Bandeira)Ingenuidades encantadoras
(António Nobre)
Exemplo da variação 2-4-7-9:
Mas nada sabe do bem que faz
(Guilherme de Almeida)
Variação 2-4-9:
Desponta rútila, a madrugada
(Carvalho Aranha)
Variação 1-4-6-9:
Olhos pisados, fundas olheiras
(Raimundo Correia)
Variação 1-4-7-9:
Banhos de lua que fazem mal!
(Raimundo Correia)
Variação 2-4-6-9:
Do céu remonte-se a ave mais forte
(Alberto de Oliveira)
Encontramos todas estas variações, e ainda outras, combinadas em composições de acentuação estrófica.
Tipo 3: esquemas diversos
Afora os dois tipos já mencionados, as demais variações de construção eneassilábica costumam apresentar-se misturadas em composições de paridade apenas silábica.
Apenas em Alphonsus de Guimaraens, Rogério Chociay coleta exemplos variadíssimos de esquemas acentuais, que exemplificamos abaixo.
1-3-5-7-9:
Rosas brancas, rosas cor-de-rosa.
3-7-9:
Nas remotas solidões agrestes.
3-5-9:
Sapateiro, faze os sapatinhos
2-5-7-9:
Serás a senhora lua-cheia.
2-5-9:
Espectros de múmias imortais.
2-6-9:
Ungidos pela cor da alvorada
1-3-6-9:
Rosa mística, imácula rosa
3-6-9:
Os vestidos de luar que perdeste…
Exemplos de verso eneassílabo
Abaixo veremos alguns exemplos de aplicação do verso eneassílabo:
Desencanto, de Manuel Bandeira
Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
— Eu faço versos como quem morre.
Este inferno de amar, de Almeida Garrett
Este inferno de amar — como eu amo! —
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? — Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei…
O canto do Piaga, de Gonçalves Dias
I
Ó guerreiros da Taba sagrada,
Ó guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó guerreiros, meus cantos ouvi.Esta noite — era a lua já morta —
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar.Abro os olhos, inquieto, medroso,
Manitôs! que prodígios que vil
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi!Eis rebenta a meus pés um fantasma,
Um fantasma d’imensa extensão;
Liso crânio repousa a meu lado,
Feia cobra se enrosca no chão.O meu sangue gelou-se nas veias,
Todo inteiro — ossos, carnes — tremi,
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti.Era feio, medonho, tremendo,
Ó guerreiros, o espectro que eu vi.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó guerreiros, meus cantos ouvi!II
Por que dormes, ó Piaga divino?
Começou-me a Visão a falar,
Por que dormes? O sacro instrumento
De per si já começa a vibrar.Tu não viste nos céus um negrume
Toda a face do sol ofuscar;
Não ouviste a coruja, de dia,
Seus estrídulos torva soltar?Tu não viste dos bosques a coma
Sem aragem — vergar-se e gemer,
Nem a lua de fogo entre nuvens,
Qual em vestes de sangue, nascer?E tu dormes, ó Piaga divino!
E Anhangá te proíbe sonhar!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes,
E não podes augúrios cantar?!Ouve o anúncio do horrendo fantasma,
Ouve os sons do fiel Maracá;
Manitôs já fugiram da Taba!
Ó desgraça! Ó ruína! Ó Tupá!III
Pelas ondas do mar sem limites
Basta selva, sem folhas, i vem;
Hartos troncos, robustos, gigantes;
Vossas matas tais monstros contêm.Traz embira dos cimos pendente
— Brenha espessa de vário cipó —
Dessas brenhas contêm vossas matas,
Tais e quais, mas com folhas; é só!Negro monstro os sustenta por baixo,
Brancas asas abrindo ao tufão,
Como um bando de cândidas garças,
Que nos ares pairando — lá vão.Oh! quem foi das entranhas das águas,
O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja…
Esse monstro… — o que vem cá buscar?Não sabeis o que o monstro procura?
Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
Vem roubar-vos a filha, a mulher!Vem trazer-vos crueza, impiedade –
Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Profanar Manitôs, Maracás.Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que a tribo Tupi vai gemer;
Hão-de os velhos servirem de escravos
Mesmo o Piaga inda escravo há de ser?Fugireis procurando um asilo,
Triste asilo por ínvio sertão;
Anhangá de prazer há de rir-se,
Vendo os vossos quão poucos serão.Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,
Susta as iras do fero Anhangá.
Manitôs já fugiram da Taba,
Ó desgraça! ó ruína!! ó Tupá!