Saiba o que é verso grave em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!
O verso grave, entre os seus pares, é o tipo de verso mais comum na poesia portuguesa, consistindo a base da imensa maioria de poemas de todos os gêneros poéticos.
Como nota Manuel Said Ali, o verso grave português “dá-nos a impressão de um movimento rítmico perfeito, que suavemente descai e acaba no ponto onde deve”.
A seguir, elucidaremos o que é verso grave em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de verso grave
Na poesia portuguesa, o verso é classificado em três tipos básicos, segundo a tonicidade de sua última palavra: agudo, grave e esdrúxulo.
É chamado agudo o verso terminado em palavra aguda, grave o terminado em palavra grave, e esdrúxulo o terminado em palavra esdrúxula.
O verso grave é, pois, o verso terminado em palavra grave, isto é, em palavra cujo acento recai em sua penúltima sílaba, chamada paroxítona pela gramática portuguesa.
Alguns autores, por influência francesa, também denominam este verso de feminino, em contraposição ao verso agudo, chamado masculino.
Aplicação do verso grave
O verso grave é, de longe, o mais frequente na língua portuguesa, independentemente do gênero poético analisado; tal como ocorre nas línguas italiana e espanhola, irmãs do português.
Para que se tenha uma noção de sua predominância, citamos um exemplo:
Manuel Said Ali, em Versificação portuguesa, diz ter analisado os 8.816 versos que compõem Os Lusíadas, de Camões, e ter encontrado, dispensando-se as casas decimais, um total de 94% de versos graves.
Isso ocorre especialmente em razão de serem os vocábulos graves os mais numerosos de nosso idioma, e tem como consequência tornar, aos nossos ouvidos, o verso grave como uma espécie de verso padrão português.
Se não chega a tanto, é certo que o predomínio dos versos graves em nossa poesia faz com que os versos agudos e esdrúxulos, quando empregados, gerem um certo estranhamento, estranhamento este que torna-se completo caso muitos deles sejam dispostos em sequência, sem a companhia dos graves.
Também não é raro encontrarmos poemas curtos, como sonetos, construídos inteiramente em versos graves, algo que não ocorre com versos agudos e esdrúxulos.
Assim, o verso grave predomina em português em todos os metros e em todos os gêneros, e embora tire-se excelentes efeitos da utilização dos outros tipos de verso, é raríssimo encontrar poemas em que estes estão em número maior.
Exemplos de aplicação de versos graves
Abaixo daremos alguns exemplos de aplicação de versos graves em português. Como dissemos, é difícil encontrarmos poemas portugueses em que eles não predominam.
Selecionamos, porém, exemplos de poemas em que só há versos graves, para que fique evidente que nosso ouvido português não os estranha e nem sente falta dos outros tipos de verso, embora pudessem ser estes empregados com sem prejuízo à harmonia final.
Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga
Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha ideia te retrata;
Busca extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca, e mata.Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto, e escuto
A tua voz, e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos;
Eu beijo a tíbia luz em vez de face;
E aperto sobre o peito em vão os braços.Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não suporto;
Foge-me a vista, e caio,
Não sei se vivo, ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.Depois que represento
Por lago espaço a imagem de um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim lhe digo:“Se queres ser piedoso,
Procura o sítio em que Marília mora,
Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, Amor, se chora.
Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
Uma delas me traze sobre as penas,
E para alívio meu só isto basta.”
Mal secreto, de Raimundo Correia
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo
Como invisível chaga cancerosa!Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
Versos íntimos, de Augusto dos Anjos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!