Saiba o que é tetrassílabo (ou quadrissílabo) em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!
O tetrassílabo é um tipo de verso pouco usado em português, embora apareça com maior frequência que todos os metros menores.
Na poesia quinhentista, o tetrassílabo era, assim como o trissílabo, utilizado como metro secundário (quebrado) em composições majoritariamente heptassilábicas.
Anos mais tarde, o tetrassílabo passou a ser também utilizado em composições isométricas, continuando-se tal uso até nossos dias.
A seguir, elucidaremos o que é tetrassílabo na poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de tetrassílabo
Em poesia, tetrassílabo (ou quadrissílabo) é o nome que se dá ao verso que possui quatro sílabas poéticas, segundo a contagem silábica praticada em português.
Nesta contagem, também chamada contagem francesa ou contagem de Castilho, considera-se para efeito de definição do metro o número de sílabas poéticas do verso até sua última sílaba tônica.
Desta forma, o tetrassílabo pode possuir quatro, cinco ou seis sílabas poéticas reais, a depender se sua última sílaba tônica recai em palavra aguda, grave ou esdrúxula, respectivamente.
Quanto à acentuação, o verso quadrissílabo possui, de praxe, duas sílabas fortes.
Características do verso tetrassílabo
Sobre o tetrassílabo, diz Rogério Chociay em Teoria do verso:
Sua frequência nas literaturas portuguesa e brasileira é sensivelmente maior que a dos anteriores, quer isoladamente, quer combinado a outros, maiores ou menores, especialmente como quebrado de sáfico, de octossílabo, de eneassílabo e, mesmo, de heptassílabo. Pode-se encontrá-lo regularmente entre os arcádicos e, também, entre muitos poetas modernos, alguns do quais souberam utilizar-se magnificamente da potencialidade expressiva de suas quatro sílabas.
Vemos, pois, que o tetrassílabo destaca-se perante os metros menores por possibilitar um número maior de combinação com outros metros e, também, por possuir maiores possibilidades rítmicas.
No verso tetrassílabo, encontramos usualmente duas combinações acentuais, ou esquemas intensivos: na primeira, o acento recai sobre a segunda e quarta sílabas (– ~ – ~), na segunda, sobre a primeira e quarta (~ – – ~).
Contudo, encontram-se exceções, como o verso “Salomé vinha”.
Exemplos de verso tetrassílabo
Abaixo veremos alguns exemplos de aplicação do verso tetrassílabo.
Em todos eles, encontramos variações nos esquemas intensivos e encontramos a utilização de vocábulos agudos com efeito enfático no fim das estrofes.
No último exemplo, palavras esdrúxulas também são utilizadas em posicionamentos fixos nas estrofes, algo pouco usual, mas com interessantes efeitos.
Cantata à morte de Inês de Castro, de Bocage
Toldam-se os ares,
Murcham-se as flores:
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.Mísero Esposo,
Desata o pranto,
Que o teu encanto
Já não é teu.Sua alma pura
Nos Céus se encerra:
Triste da Terra
Porque a perdeu!Contra a cruenta
Raiva ferina
Face divina
Não lhe valeu.Tem roto o seio,
Tesouro oculto,
Bárbaro insulto
Se lhe atreveu.De dor, e espanto
No carro de oiro
O Nume loiro
Desfaleceu.Aves sinistras
Aqui piaram,
Lobos uivaram,
O chão tremeu.Toldam-se os ares,
Murcham-se as flores:
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.
Marília de Dirceu, Parte I, Lira X, de Tomás Antônio Gonzaga
Se existe um peito,
Que isento viva
Da chama ativa,
Que acende Amor;
Ah! Não habite
Neste montado,
Fuja apressado
Do vil traidor.Corra, que o ímpio
Aqui se esconde,
Não sei aonde;
Mas sei que o vi.
Traz novas setas,
Arco robusto;
Tremi de susto,
Em vão fugi.Eu vou mostrar-vos,
Tristes mortais,
Quantos sinais
O ímpio tem.
Oh! Como é justo
Que todo o humano
Um tal tirano
Conheça bem!No corpo ainda
Menino existe;
Mas quem resiste
Ao braço seu?
Ao negro Inferno
Levou a guerra;
Venceu a terra,
Venceu o Céu.Jamais se cobrem
Seus membros belos;
E os seus cabelos
Que lindos são!
Vendados olhos,
Que tudo alcançam,
E jamais lançam
A seta em vão.As suas faces
São cor de neve;
E a boca breve
Só risos tem.
Mas, ah! respira
Negros venenos,
Que nem ao menos,
Os olhos veem.Aljava grande
Dependurada,
Sempre atacada
De bons farpões.
Fere com estas
Agudas lanças
Pombinhas mansas,
Bravos leões.Se a seta falta,
Tem outra pronta,
Que a dura ponta
Jamais torceu.
Ninguém resiste
Aos golpes dela:
Marília bela
Foi quem lha deu.Ah! Não sustente
Dura peleja
O que deseja
Ser vencedor.
Fuja, e não olhe,
Que só fugindo
De um rosto lindo
Se vence Amor.
Sílfide, de Raimundo Correia
Passaste sílfide
À luz da lua
Co’a face nua
Sem ter um véu!
Eu vi-te pálida
Olhar chorando
De quando em quando
Pro ermo céu!Alvejam cômoros
Dos nevoeiros!
Como os coqueiros
São espectrais !
Fantasma lúgubre
Uivava triste
Quando saíste
Dos coqueirais!Folhas deslocam-se
Dos galhos — secas…
Lá nas charnecas
Mocho piou!…
Brincava trêmulo
Um brilho vago
À flor do lago,
Que latejou!A flor, das árvores
Murcha, indolente,
Sobre a torrente
Balança e cai…
O orvalho — o zéfiro
Da flor na taça
Bebendo passa,
Cantando vai!Reluz tão lânguida
A estrela d’alva
Na face calva
Do mar sem fim!…
Vertendo lágrimas
Do imo d’alma
Eu vi-te em calma
De noite assim!Os dedos frígidos
Brancos de neve
Roçaste leve…
Meu ser tremeu!
Quem és? responde-me!
Alma sem vida,
Forma perdida,
Delírio meu!Beijar-te — estólido —
Eu quis — fugiste —
Pálida e triste,
Branco vapor!
Fugiste súbito,
Desfez-te a aragem,
Louca miragem,
Alma de flor!Eu vi-te — gélida —
Em noite fria,
Fada sombria
Fitar o céu!
Quem és tu? sílfide!
Rosa das campas,
Que o vulto estampas
No peito meu!