Saiba o que é verso alexandrino em poesia, conheça seus tipos e veja exemplos de sua aplicação!
O verso alexandrino, sem dúvida, é um dos mais belos da língua portuguesa.
Apesar de sua importação tardia, que se deu apenas no século XIX, este verso obteve enorme aceitação e seu uso, desde então, é frequente em nosso idioma.
A seguir, elucidaremos o que é verso alexandrino na poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de alexandrino
O verso alexandrino é de origem francesa e sua denominação deriva do Roman d’Alexandre, iniciado no século XII por Lambert le Tort e terminado por Alexandre de Bernay.
Desde então, este verso é, de longe, o mais utilizado na França; no século XIX, ele foi importado ao português, e sua fórmula já foi motivo de muita controvérsia.
Genericamente, dá-se o nome de verso alexandrino ao verso dodecassílabo; contudo, em sentido mais restrito, convencionou-se que nem sempre um dodecassílabo é um alexandrino, como declaram Olavo Bilac e Guimarães Passos, em seu Tratado de versificação.
A princípio, é o alexandrino a junção de dois hemistíquios de seis sílabas que, unidos, somam doze sílabas poéticas, segundo a contagem silábica praticada em português.
Mas para que seja um “alexandrino perfeito”, segundo os mesmos autores supracitados, o dodecassílabo deve apresentar também as seguintes características:
A lei orgânica do alexandrino pode ser expressa em dois artigos: 1º quando a última palavra do primeiro verso de seis sílabas é grave, a primeira palavra do segundo deve começar por uma vogal ou por um h; 2º a última palavra do primeiro verso nunca pode ser esdrúxula. Claro está que, quando a última palavra do primeiro verso é aguda, a primeira do segundo pode indiferentemente começar por qualquer letra, vogal ou consoante.
Verso alexandrino clássico e antigo
Como ficou exposto no tópico anterior, convencionou-se chamar verso alexandrino o dodecassílabo cujo primeiro hemistíquio ou encerra-se em vocábulo agudo, ou em vocábulo grave terminado em vogal que se elida na primeira sílaba do hemistíquio seguinte.
Assim é o verso alexandrino convencional português desde o tratado de Antônio Feliciano de Castilho, que disseminou-se e foi quase unanimemente adotado como o sistema de metrificação de nossa língua.
Porém, nem sempre foi assim, e o verso alexandrino, mesmo o praticado em português, nem sempre se resumiu a esta fórmula francesa.
Após a brilhante exposição de Péricles Eugênio da Silva Ramos em O verso romântico e outros ensaios, é preciso que se fale em ao menos dois tipos de verso alexandrino já praticados em nossa língua.
O primeiro tipo é o que já apresentamos e preferimos, anuindo à recomendação de Rogério Chociay, chamá-lo verso alexandrino clássico.
O outro tipo é o que se chama alexandrino antigo, muito praticado na Espanha e, por influência espanhola, também praticado em português; apesar de seus praticantes, em nossa língua, não poucas vezes terem sido censurados.
São, em suma, duas receitas diferentes, que às vezes produzem versos semelhantes, mas que obedecem a regras distintas.
A seguir, veremos suas diferenças.
Verso alexandrino clássico
O verso alexandrino clássico obedece as regras já expostas, mas que novamente elencamos, para efeito de clareza:
- o verso deve possuir doze sílabas poéticas, segundo a contagem silábica portuguesa, que considera para efeito de definição do metro o número de sílabas poéticas do verso até sua última sílaba tônica;
- o verso deve ser constituído de dois hemistíquios de seis sílabas;
- a última palavra do primeiro hemistíquio nunca pode ser esdrúxula: ou é aguda, ou é grave cuja última sílaba termine em vogal que faça sinalefa com a primeira sílaba da palavra seguinte, que deve iniciar-se por vogal ou h.
Esta fórmula de alexandrino é a que se usa de praxe em português após o tratado de Castilho, e que também já se utilizava antes dele, por influência francesa, como por exemplo Bocage.
Abaixo daremos alguns exemplos de primeiro hemistíquio terminado em palavras agudas e graves, para que você note a aplicação das regras que caracterizam este tipo.
Verso alexandrino clássico com primeiro hemistíquio encerrado em palavra aguda (nosso destaque para a sexta sílaba):
Sem ar! Sem luz! Sem Deus! Sem fé! Sem lar!
(Olavo Bilac)Que nas torres feudais pompeava o velho crime
(Gonçalves Crespo)E clamaste da cruz: há Deus! e olhaste, ó crente
(Antero de Quental)
Verso alexandrino clássico com primeiro hemistíquio encerrado em palavra grave que faz sinalefa com a primeira sílaba da palavra seguinte (nosso destaque para a 6ª sílaba e para a sinalefa):
Que mergulha no abismo e mergulha no assombro
(Machado de Assis)Tu és o meu amigo, e eu sou o teu irmão
(Guerra Junqueiro)Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
(Castro Alves)
Verso alexandrino antigo
O verso alexandrino antigo, também chamado alexandrino arcaico ou alexandrino espanhol, é um verso de receita diferente do alexandrino clássico e que, pouco praticado no passado em nossa língua, praticamente desapareceu após a divulgação e adoção do sistema de Castilho.
Este modelo caiu em desuso principalmente porque, como nos mostra Péricles Eugênio da Silva Ramos (O verso romântico e outros ensaios), foi ele condenado como errôneo por muitos críticos que desconheciam sua fórmula e seguiam apenas o tratado de Castilho.
Sua receita é muito simples: consiste o alexandrino antigo na junção de dois hemistíquios independentes de seis sílabas poéticas, segundo a nossa contagem silábica vigente.
O fato de serem independentes significa que eles são separados por uma cesura obrigatória, que dispensa a sinalefa da última sílaba do primeiro hemistíquio com a primeira do segundo, caso aquela pertença à palavra grave.
O alexandrino antigo permite, também, a utilização de vocábulos esdrúxulos em ambos os hemistíquios, algo que não ocorre nos alexandrinos franceses, visto que o idioma francês não possui tais vocábulos, e é vetado em português a alexandrinos clássicos, em razão destes se inspirarem no modelo francês.
Em nossa contagem silábica atual, pois, tais versos possuirão doze, treze ou quatorze sílabas poéticas, a depender se o primeiro hemistíquio é grave, agudo ou esdrúxulo, respectivamente.
Justamente essa variação silábica que justificou, no passado, a alegação de erro aos versos daqueles que praticaram este modelo; contudo, não se pode analisá-los pelo nosso método atual, pois, como ficou evidente, tratam-se de fórmulas diferentes.
Abaixo alguns exemplos, com nosso destaque para a cesura que divide os hemistíquios :
Defronte dos cristais, // que adulam a vaidade,
Não, a razão não julga: // quem julga é a vontade:
Porque feições alheias, // por obra do artifício,
Vos formam da beleza // o mágico edifício.
(Basílio da Gama)Vossa alma é livre agora, // despedaçai os ferros
Que os entes escravizam // num parecer insano;
Mirai o céu azul, // sede robusto e forte,
Além do desespero // não há pior tirano!
(Fagundes Varela)
Exemplos de verso alexandrino
Abaixo veremos alguns exemplos de poemas portugueses que empregaram o verso alexandrino clássico e antigo.
Exemplos de verso alexandrino clássico
A um crucifixo, de Antero de Quental
Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços
E clamaste da cruz: há Deus! e olhaste, ó crente,
O horizonte futuro e viste, em tua mente,
Um alvor ideal banhar esses espaços!Porque morreu sem eco o eco de teus passos,
E de tua palavra (ó Verbo!) o som fremente?
Morreste… ah! dorme em paz! não volvas, que descrente
Arrojaras de novo à campa os membros lassos…Agora, como então, na mesma terra erma,
A mesma humanidade é sempre a mesma enferma,
Sob o mesmo ermo céu, frio como um sudário…E agora, como então, viras o mundo exangue,
E ouviras perguntar — de que serviu o sangue
Com que regaste, ó Cristo, as urzes do Calvário? —
Vanitas, de Olavo Bilac
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.Prende a ideia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia…
Exemplo de verso alexandrino antigo
Reflexões da meia-noite, de Fagundes Varela
No céu da meia-noite a lua se equilibra,
As praças estão mudas e os homens repousando;
Mas ai! sob este encanto da abóbada cerúlea
Que multidão de seres não vela soluçando!À calma semelhante, a dor é queda e funda.
Seus íntimos gemidos quem poderá contar?…
A tempestade foge, mais infeliz, da nuvem
Que a lágrima secreta desprende em seu passar!Tão dolorida e triste que espera as horas mortas
Para afogar seu brilho no pálio tenebroso,
Tão surda que ao rolar nas faces desbotadas
Talvez nem a pressinta o mísero inditoso.Há um pesar ainda mais bárbaro e cruento!
É esse que enregela as lágrimas nos olhos!
E queima a gota fúlgida que a madre natureza
Verteu como um consolo, da vida entre os abrolhos!É quando tudo dorme que este pesar desperta!
Oh! quanto desgraçado não curva-se à pressão
Do rábido tirano do seio que padece
E a vida amaldiçoa, e a morte chama em vão!Meu Deus! se isto é assim, bendita a voz amiga
Que a seu exausto ouvido dissesse brandamente:
Misérrimo! se a dor magoa-vos a essência,
Mirai o céu da noite tão plácido e fulgente!Porém se obstinado, com gélido desprezo,
Tenaz em refazer-se da desventura infinda,
Olhasse com sarcasmo o divinal aviso,
Oh! mais suave e meiga dissesse a voz ainda:Podeis pensar acaso que a lua peregrine
Nos páramos sidéreos tão cheia de fulgor,
Se aqui sobre este mundo, ao lado da tristeza,
Não mais restasse um viso de tanta paz e amor?Enquanto ao Armamento a cor azul for própria
As trevas passarão e a chuva há de cessar,
E junto do infeliz a mágica esperança
Os sonhos que morreram virá ressuscitar.Contudo o céu mais puro parece opaco e negro
A quem foge da luz obstinado e cego;
À vista firme e clara esvaem-se os negrumes
Que turbam da existência a calma e o sossego.Trará consolo a lua, o sol calor e vida,
E a humana criatura, ligada a seu penar,
Se quedará tristonha quando a esperança vela
Nas sombras deste mundo, arcanjo tutelar?Vossa alma é livre agora, despedaçai os ferros
Que os entes escravizam num padecer insano;
Mirai o céu azul, sede robusto e forte,
Além do desespero não há pior tirano!O desespero o que é? — Palavra estulta e louca!
O coração só vive às luzes da esperança,
Centelha ora indecisa, ora formosa e viva,
Que nunca desfalece, nem de brilhar se cansa.Às vezes, por mais belo que o dia resplandeça,
Lá surge um ponto negro que avulta n’amplidão,
Assim também no meio dos. gozos e venturas
O dissabor se mostra e pede seu quinhão.Ao dia segue a noite, mas esta se esvaece,
E o globo aviventando desponta um novo dia,
E os corações, que há pouco pulsavam tristemente,
Dilatam-se inundados de amor e de alegria.Erguei acima os olhos, que linda vai a noite!
Quão doce é seu aspecto e seu respiro ameno!
E vós pensais achar, sombrio e taciturno,
Seu manto conspurcado da morte no veneno!Assim ao desditoso pudera, no silêncio
Celeste, oculta voz baixinho murmurar;
São estas as verdades que a sã filosofia
Às lagrimas inúteis devera aconselhar.Mas ai! a cada passo a vida nos demonstra,
Embora da esperança cintile a chama pura,
Que há dores tão profundas, pesares tão rebeldes,
Assim como há moléstias mortíferas, sem cura!