Saiba o que é anapesto em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!
O anapesto é provavelmente o pé ternário de maior utilização na poesia portuguesa, e aparece tanto isoladamente quanto combinado a outros pés.
O termo anapesto é originário da poesia grega, estendeu-se para a poesia latina e teve seu sentido adaptado para a prosódia acentual das línguas modernas.
A seguir, elucidaremos o que é anapesto em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de anapesto
Na poesia portuguesa, pé é o nome que se dá à unidade rítmica do verso, que se funda em redor de uma sílaba forte.
O pé português possui duas ou três sílabas poéticas e, a depender de como nele se organizam as sílabas fracas e fortes, recebe o nome de iambo, troqueu, dátilo, anfíbraco ou anapesto.
Anapesto é o pé composto de duas sílabas fracas seguidas de uma sílaba forte (– – ~).
Este pé possui três sílabas poéticas e, quando utilizado exclusivamente num verso, dizemos que provoca neste um movimento de alternância ternária.
O termo anapesto é derivado do latim anapaestus que, por sua vez, é oriundo do grego anapaistos; nesta língua, significava simplesmente o dátilo reverso.
Aplicação do anapesto
Em português, o anapesto é aplicado tanto isoladamente quanto associado a outros pés.
No octossílabo e no decassílabo, o movimento anapéstico chega somente até a sexta sílaba, e é comum vê-lo empregado desta maneira, transformando-se o movimento em iâmbico após a sequência de dois anapestos.
Um exemplo de octossílabo com movimento anapéstico até a 6ª sílaba (nosso destaque para as sílabas fortes):
Com o riso de um deus enfermo (– – ~ – – ~ – ~)
(Machado de Assis)
Um exemplo de decassílabo com a mesma característica:
Não te esqueças daquele amor ardente (– – ~ – – ~ – ~ – ~)
(Camões)
Combinado ao iambo, é comum encontrarmos também o anapesto em pentassílabos que concretizam o esquema acentual 2-5, isto é, que consistem numa sequência iambo-anapesto, conforme observamos nos dois versos finais da primeira quadra que abre o célebre Os sapos:
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos. (– ~ – – ~)
A luz os deslumbra. (– ~ – – ~)
(Manuel Bandeira)
Isoladamente, encontramos o anapesto no hexassílabo, no dodecassílabo e no eneassílabo; neste último metro, é comum encontramos poemas que realizam um movimento anapéstico regular do primeiro ao último verso, algo mais difícil de encontrar nos demais metros.
Um exemplo de hexassílabo anapéstico:
A cantar seus amores (– – ~ – – ~)
(Camões)
Um exemplo de dodecassílabo anapéstico:
Que mergulha no abismo e mergulha no assombro (– – ~ – – ~ – – ~ – – ~)
(Machado de Assis)
Sobre o eneassílabo anapéstico, convém notar que o esquema acentual fixo 3-6-9 sobressai-se de tal maneira que, às vezes, encontramos uma ou outra sílaba naturalmente forte fora destas posições que soa como fraca, em razão do ritmo do poema.
Neste ritmo, que é o mais comum nos eneassílabos portugueses, a primeira sílaba pode, de praxe, vir ou não acentuada.
Dois exemplos, com nosso destaque para as sílabas tônicas predominantes (3-6-9):
Trabalhai, meus irmãos, que o trabalho
É riqueza, é virtude, é vigor;
Dentre a orquestra da serra e do malho
Brotam vida, cidades, amor.
(Castilho)Interpelo as estrelas que choram,
E as estrelas não querem dizer;
Falo aos ventos e os ventos respondem:
Também nós procuramos saber…
(Tobias Barreto)
Finalmente, notamos que aplicação do movimento anapéstico, como já deve ter sido observado, possui uma particularidade.
Ocorre que o anapesto, por terminar em uma sílaba forte, só concretiza um movimento perfeito em versos agudos.
Contudo, é comum empregá-lo em versos graves e esdrúxulos, relevando, em ambos, as sílabas finais excedentes, ou seja, o movimento anapéstico desenvolve-se no verso até a última sílaba tônica.
Exemplos de aplicação do anapesto
Abaixo daremos alguns exemplos de aplicação do anapesto em português.
Inscrição na areia, de Cecília Meireles
Neste poema, Cecília Meireles utiliza hexassílabos anapésticos nos versos pares (2, 4, 6 e 8):
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?O meu amor não tem
importância nenhuma.
Este inferno de amar, de Almeida Garrett
Neste poema, Garrett emprega o movimento anapéstico tão tradicional dos eneassílabos portugueses:
Este inferno de amar — como eu amo! —
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? — Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei…
O canto do Piaga, de Gonçalves Dias
Neste conhecido poema de Gonçalves Dias, do qual citamos a primeira das três partes, é também empregado o movimento anapéstico tradicional dos eneassílabos portugueses.
Aqui, os versos ímpares são graves, e os pares são agudos; estes fecham as estrofes e encerram um movimento anapéstico perfeito.
I
Ó guerreiros da Taba sagrada,
Ó guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó guerreiros, meus cantos ouvi.Esta noite — era a lua já morta —
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar.Abro os olhos, inquieto, medroso,
Manitôs! que prodígios que vil
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi!Eis rebenta a meus pés um fantasma,
Um fantasma d’imensa extensão;
Liso crânio repousa a meu lado,
Feia cobra se enrosca no chão.O meu sangue gelou-se nas veias,
Todo inteiro — ossos, carnes — tremi,
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti.Era feio, medonho, tremendo,
Ó guerreiros, o espectro que eu vi.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó guerreiros, meus cantos ouvi!