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Poema Aquilo que a gente lembra, de Fernando Pessoa (com análise)

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Conheça o poema Aquilo que a gente lembra, de Fernando Pessoa e confira nossa análise!

Aquilo que a gente lembra é um poema escrito pelo poeta português Fernando Pessoa, disponível em Novas poesias inéditas (1973).

Como o título sugere, este poema é uma reflexão sobre a evocação do passado em nossa mente.

O poeta, com a habilidade costumeira, discorre sobre os sentimentos provocados pelas memórias que temos e, hoje, habitam “os jardins do passado”.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema Aquilo que a gente lembra, de Fernando Pessoa. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Aquilo que a gente lembra, de Fernando Pessoa

Aquilo que a gente lembra
Sem o querer lembrar,
E incerto se desmembra
Como um fumo no ar,
É a música que a alma tem,
É o perfume que vem,
Vago, inútil, trazido
Por uma brisa de agrado,
Do fundo do que é esquecido,
Dos jardins do passado.

Aquilo que a gente sonha
Sem saber de sonhar,
Aquela boca risonha
Que nunca nos quis beijar,
Aquela vaga ironia
Que uns olhos tiveram um dia
Para a nossa emoção —
Tudo isso nos dá o agrado,
Do aroma que as flores são
Nos jardins do passado.

Não sei o que fiz da vida,
Nem o que quero saber.
Se a tenho por perdida,
Sei eu o que é perder?
Mas tudo é música se há
Alma onde a alma está,
E há um vago, suave sono,
Um sonho morno de agrado,
Quando regresso, dono,
Aos jardins do passado.

Análise do poema

  • Tipo de verso: livre
  • Número e tipo de estrofes: 3 estrofes regulares (décimas)
  • Número de versos: 30 versos

Aquilo que a gente lembra é um poema construído em versos livres; contudo, apesar de serem versos de métrica variável, todos eles são rimados.

O poema, em suma, é uma construção que coloca o eu lírico a refletir sobre o próprio passado.

Estrutura do poema

Aquilo que a gente lembra possui 30 versos divididos três décimas (estrofes de dez versos).

Os versos são livres, isto é, são versos de métrica variável.

Neste tipo de verso, o mais comum é que o poeta também não utilize rimas; contudo, neste poema elas são utilizadas em todos os versos, e as estrofes se apresentam conforme o esquema ababccdede.

Nota-se, também, que todas as estrofes encerram-se com a palavra “passado”, sendo portanto a última rima de todas elas sempre em “ado”.

Sentido do poema

Aquilo que a gente lembra é um poema que explora a ressonância emocional causada pelas lembranças.

Este é mais um belíssimo poema de Fernando Pessoa, que coloca-nos num estado de reflexão.

Assim é a primeira estrofe:

Aquilo que a gente lembra
Sem o querer lembrar,
E incerto se desmembra
Como um fumo no ar,
É a música que a alma tem,
É o perfume que vem,
Vago, inútil, trazido
Por uma brisa de agrado,
Do fundo do que é esquecido,
Dos jardins do passado.

Nesta primeira estrofe, o eu lírico começa a sua reflexão sobre as lembranças, e as classifica, primeiramente, como involuntárias, dizendo que “a gente lembra sem o querer lembrar”.

Em seguida, ele diz que essa lembrança “se desmembra como um fumo no ar”, sugerindo uma ação expansiva incontrolável pelo nosso consciente, até que se volatize e preencha-nos a mente por completo.

Tal lembrança, então, é associada à música e ao perfume, elementos capazes de estimular-nos o aparato sensitivo, insinuando que a evocação de uma lembrança vem carregada de sensações.

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Finalmente, esta estrofe reforça a sutileza já denotada pela associação à música e ao perfume, dizendo deste “trazido por uma brisa de agrado”, portanto, é um perfume que chega suavemente.

Aquilo que a gente sonha
Sem saber de sonhar,
Aquela boca risonha
Que nunca nos quis beijar,
Aquela vaga ironia
Que uns olhos tiveram um dia
Para a nossa emoção —
Tudo isso nos dá o agrado,
Do aroma que as flores são
Nos jardins do passado.

Nesta estrofe, já não são somente lembranças de fatos que são abordadas, mas sonhos daquilo que queríamos e não se cumpriu.

É interessante que, aqui, o eu lírico cita uma “boca risonha que nunca nos quis beijar” e “aquela vaga ironia que uns olhos tiveram um dia”, associando-as ao “aroma que as flores são nos jardins do passado”, aroma este que nos chega involuntária e suavemente, como dito na estrofe anterior.

Quer isso sugerir, primeiro, que nossa mente é capaz de evocar não somente memórias, mas aquilo que gostaríamos que ocorresse; segundo, que nossa mente é rica em detalhes e sutilezas, sendo capaz de evocar, agora, uma “vaga ironia”, que talvez tenha passado despercebida por nós.

Não sei o que fiz da vida,
Nem o que quero saber.
Se a tenho por perdida,
Sei eu o que é perder?
Mas tudo é música se há
Alma onde a alma está,
E há um vago, suave sono,
Um sonho morno de agrado,
Quando regresso, dono,
Aos jardins do passado.

Esta estrofe é aberta expressando a incompreensão do eu lírico perante a própria vida.

Ele, que afirma não saber o que fez da vida e não saber o que quer saber, taxa-a de “perdida” para em seguida questionar se sabe mesmo o que é perder.

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Em suma, o eu lírico confessa-nos ser incapaz de compreender a complexidade da vida.

Apesar disso, “tudo é música se há alma onde a alma está”, ou seja, a vida é bela e encantadora se nos permitimos vivê-la, senti-la e pensá-la, apesar de não compreendê-la.

Por fim, o eu lírico diz haver um “vago, suave sono, um sonho morno de agrado” quando retorna “aos jardins do passado”.

Pela terceira vez, temos “agrado” rimando com “passado”, o que nos mostra bem a intenção do eu lírico de expressar um sentimento suave e consolador proveniente do seu ato reflexivo.

Quer dizer: ao revisitar suas lembranças, o eu lírico enfim experimenta um sentimento agradável.

Aquilo que a gente lembra, portanto, é um poema que explora a complexidade das memórias e os sentimentos que estas são capazes de suscitar em nós.

Sobre Fernando Pessoa

Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888.

Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, entre outros.

Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias, recusando alguns empregos para que pudesse se dedicar à literatura.

O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.

Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.

O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.

Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935, deixando em seu espólio cerca de 25 mil páginas de textos, que vêm sendo publicados lentamente desde então.

Os heterônimos de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.

Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:

  • Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
  • Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
  • Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
  • Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.

Obras de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.

Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:

  • 35 sonnets (1918)
  • Antinous (1918)
  • English poems (1921) — em três volumes
  • Mensagem (1934)
  • A Nova Poesia Portuguesa (1944)
  • Poemas Dramáticos (1952)
  • Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
  • Sobre Portugal (1979)
  • Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
  • Livro do desassossego (1982)
  • Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
  • Primeiro Fausto (1986)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Aquilo que a gente lembra, de Fernando Pessoa.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre A Ideia, de Augusto dos Anjos.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Aquilo que a gente lembra, de Fernando Pessoa (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/aquilo-que-a-gente-lembra-fernando-pessoa/. Acesso em: 14 mai. 2024.