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Décima: o que é, características e exemplos

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Saiba o que é décima em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A décima é um tipo estrófico de utilização significativamente maior que a nona em português.

A maioria das vezes, encontramos a décima rimada, em estrofes tanto simples quanto compostas; contudo, não é difícil encontrá-la sem rima.

A seguir, elucidaremos o que é décima em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de décima

Em poesia, décima é o nome que se dá à estrofe composta de dez versos.

Quase sempre, as décimas se apresentam rimadas, consistindo seu esquema rímico na justaposição de uma quadra e uma sextilha, ou de duas quintilhas.

Quanto ao metro, o mais comum é encontramos décimas simples, sendo os metros mais frequentes justamente aqueles mais praticados em português: o heptassílabo e o decassílabo.

Contudo, não faltam exemplos de décimas portuguesas construídas em versos brancos, e muito menos de décimas construídas em mais de um metro.

Aplicação da décima

A extensão da décima, em comparação com as estrofes menores, parece sugerir-lhe a aplicação em composições mais longas e a construção de períodos mais complexos.

De fato, tal é o que o mais das vezes encontramos, especialmente no que tange à complexidade dos períodos.

A décima, contudo, é também um tipo estrófico muito utilizado em português em composições populares de menor extensão.

Como nota Geir Campos, este tipo estrófico tornou-se tradicional na chamada literatura de cordel, em composições que consistem num mote seguido de uma glosa de esquema rímico quase sempre abbaaccddc, como esta de Coutinho Filho:

Mote
O espinho da saudade
só fere no coração.

Glosa
Causa dor, ansiedade,
tristeza, melancolia,
uma espécie de agonia,
o espinho da saudade,
nasce da planta — amizade —
no vácuo — separação —
e, por capricho ou paixão,
ou mesmo não sei porque,
essa arma, que ninguém vê
só fere no coração.

Exemplos de aplicação da décima

Abaixo veremos alguns exemplos da aplicação da décima em português.

Aquilo que a gente lembra, de Fernando Pessoa

Aquilo que a gente lembra
Sem o querer lembrar,
E incerto se desmembra
Como um fumo no ar,
É a música que a alma tem,
É o perfume que vem,
Vago, inútil, trazido
Por uma brisa de agrado,
Do fundo do que é esquecido,
Dos jardins do passado.

Aquilo que a gente sonha
Sem saber de sonhar,
Aquela boca risonha
Que nunca nos quis beijar,
Aquela vaga ironia
Que uns olhos tiveram um dia
Para a nossa emoção —
Tudo isso nos dá o agrado,
Do aroma que as flores são
Nos jardins do passado.

Não sei o que fiz da vida,
Nem o que quero saber.
Se a tenho por perdida,
Sei eu o que é perder?
Mas tudo é música se há
Alma onde a alma está,
E há um vago, suave sono,
Um sonho morno de agrado,
Quando regresso, dono,
Aos jardins do passado.

O livro e a América, de Castro Alves

Ao Grêmio Literário

Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
“Da minha eterna oficina…
“Tira a América de lá.”

Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão…
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!… Ó grande Deus!
“As cataratas — pra terra,
“As estrelas — para os céus.
“Lá, do polo sobre as plagas,
“O seu rebanho de vagas
“Vai o mar apascentar…
“Eu quero marchar com os ventos,
“Com os mundos… co’os firmamentos!!!”
E Deus responde — “Marchar!”

“Marchar!… Mas como?… Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteons?…
Marchar co’a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo…
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no coração?…

“Marchar!… Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?…
Não!… Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
“No pugilato tremendo
“Quem sempre vence é o porvir!”

Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…
Éolo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade voou!…

Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O séc’lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares…
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou…

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto —
As almas buscam beber…
Oh! bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É gérmen — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das ideias
Largo — abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse “rei dos ventos”
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz!…

Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!…
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goëthe moribundo
Brada “Luz!” o Novo Mundo
Num brado de Briareu…
Luz! pois, no vale e na serra…
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!…

Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto

1.

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Décima: o que é, características e exemplos. [S.I.] 2024. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/decima-caracteristicas-exemplos/. Acesso em: 2 mai. 2024.