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Poema O livro e a América, de Castro Alves (com análise)

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Conheça o poema O livro e a América, de Castro Alves, e confira nossa análise!

O livro e a América é um poema do poeta brasileiro Castro Alves, disponível em seu volume intitulado Espumas flutuantes (1870).

O poema, como muitos outros do autor, tem um matiz político e foi concebido num período turbulento. Em suma, ele exalta a importância civilizatória dos livros e deposita neles a esperança para o futuro do então jovem continente americano.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema O livro e a América, de Castro Alves. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

O livro e a América, de Castro Alves

Ao Grêmio Literário

Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
“Da minha eterna oficina…
“Tira a América de lá.”

Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão…
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!… Ó grande Deus!
“As cataratas — pra terra,
“As estrelas — para os céus.
“Lá, do polo sobre as plagas,
“O seu rebanho de vagas
“Vai o mar apascentar…
“Eu quero marchar com os ventos,
“Com os mundos… co’os firmamentos!!!”
E Deus responde — “Marchar!”

“Marchar!… Mas como?… Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteons?…
Marchar co’a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo…
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no coração?…

“Marchar!… Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?…
Não!… Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
“No pugilato tremendo
“Quem sempre vence é o porvir!”

Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…
Éolo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade voou!…

Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O séc’lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares…
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou…

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto —
As almas buscam beber…
Oh! bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É gérmen — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das ideias
Largo — abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse “rei dos ventos”
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz!…

Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!…
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goëthe moribundo
Brada “Luz!” o Novo Mundo
Num brado de Briareu…
Luz! pois, no vale e na serra…
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!…

Análise do poema

O livro e a América é um poema construído em heptassílabos rimados, portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.

O poema, em resumo, aborda o papel civilizatório dos livros e o desejo do narrador do poema de que eles sejam proeminentes na América futura.

Estrutura do poema

O livro e a América possui 100 versos divididos em 10 décimas (estrofes de dez versos).

O poema é inteiramente construído em heptassílabos (versos de sete sílabas): este tipo de verso, em português, é chamado redondilha maior.

Quanto às rimas, todas as estrofes obedecem ao esquema ababccdeed, de forma que o primeiro e o terceiro verso (a) não rimam, ou seja, são versos brancos.

Quanto ao ritmo. não há uma regularidade de acentuação verificável em todos os versos; pelo contrário, há variedade no posicionamento dos acentos, algo comum neste tipo de verso, e que confere um caráter dinâmico ao poema.

Como diz Manuel Said Ali, em heptassílabos “não só é cômodo para o autor, mas agradável ao leitor que os haja em todas as contexturas”.

Sentido do poema

O livro é a América é um poema que expressa a esperança nos livros como determinantes no futuro da América.

O tom adotado pelo narrador do poema é declamatório, engajado, vigoroso, exprimindo confiança no que guarda o porvir ao chamado Novo Mundo.

Assim começa o poema:

Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
“Da minha eterna oficina…
“Tira a América de lá.”

Já no primeiro verso, vemos que o continente americano é descrito como “talhado para as grandezas”, o que simboliza a postura esperançosa que atravessará todo o poema.

Em seguida, o narrador descreve a herança que será legada a este novo continente, o qual é pintado como destinado a ser grandioso.

Na primeira estrofe, vemos Jeová (denominação de Deus no Antigo Testamento) incentivando Colombo a descobrir a América, ou seja, o narrador constrói uma cena hipotética que ocorreu antes do famoso descobrimento.

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A partir da terceira estrofe, Colombo trava um diálogo interessante com Deus, em resposta ao incentivo deste último.

Ao mesmo tempo em que demonstra encanto para com o novo continente e vontade de “descobri-lo”, Colombo expressa seu receio de que ocorra nele atrocidades semelhantes às que ocorreram no Velho Mundo sob a alegação de que é preciso progredir.

São feitas referências ao panteísmo grego e a opressão e tirania verificadas em Roma e na Alemanha feudal: tais referências são pintadas como erros injustificáveis e que não devem ser repetidos, como podemos observar na quinta estrofe:

Não!… Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…

Neste ponto, pois, fica exposto um problema: Deus diz “marchar!” a Colombo, e Colombo, embora queira fazê-lo, parece indeciso e receoso.

É então que volta o narrador do poema, em estilo grandioso, a solucioná-lo e dizer como se deve fazer a “marcha” no novo continente:

Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…
Éolo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade voou!…

A partir deste ponto, o que se dá é uma exaltação do livro, o único capaz de revolucionar e transformar pacificamente (“conquista o mundo inteiro sem nunca ter Waterloo”).

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É, pois, no livro que o narrador deposita as suas esperanças para o novo continente, é somente ele que pode germinar e fecundar a alma de um povo, conduzindo-o ao progresso.

Há um destaque evidente ao caráter fundamental da imprensa, responsável pela disseminação do conhecimento, e também à educação, metaforizada por aquele que “semeia livros” e “manda o povo pensar”.

O narrador, assim, sugere que o verdadeiro progresso se dá pela difusão do conhecimento entre as massas.

O livro e a América, pois, transmite uma mensagem de esperança nos livros como catalisadores de uma sociedade futura mais justa e mais iluminada.

Sobre Castro Alves

Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, em Muritiba (BA).

Seu interesse pela poesia começou na infância, quando estudava na Escola do Barão de Macaúbas.

Cursou direito na Faculdade de Direito do Recife, quando foi tocado pelas ideias abolicionistas e começou a ser conhecido pelos seus versos.

Ficou especialmente popular pelo cunho social de sua poesia, que o tornou célebre e valeu-lhe apelidos como “poeta dos escravos” e “poeta republicano”.

Faleceu em Salvador (BA), com apenas 24 anos, vítima de tuberculose.

É patrono da cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras.

Obras de Castro Alves

  • Espumas flutuantes (1870)
  • Gonzaga, ou a revolução de Minas (1875)
  • A Cachoeira de Paulo Afonso (1876)
  • Os escravos (1883)
  • Obra completa (1960)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema O livro e a América, de Castro Alves.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre A Cristo S. N. Crucificado estando o poeta na última hora de sua vida, de Gregório de Matos.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema O livro e a América, de Castro Alves (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-o-livro-e-a-america-castro-alves-poesia/. Acesso em: 14 mai. 2024.