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Epêntese: o que é, características e exemplos

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Saiba o que é epêntese em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A epêntese é um fenômeno fonético natural e antiquíssimo, observável na evolução vários idiomas.

Numerosos efeitos são provenientes de sua ocorrência e, em poesia, a epêntese pode acarretar uma alteração na contagem silábica dos versos.

A seguir, elucidaremos o que é epêntese em poesia e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de epêntese

A princípio, a epêntese é um fenômeno fonético, observável especialmente na evolução dos idiomas, e que consiste no acréscimo de um fonema não etimológico no interior de uma palavra.

No estudo da linguística, verifica-se haver epêntese, por exemplo, no latim stella, que passou ao português como estrela, ou no espanhol cangrejo, que passou ao português como carangueijo.

A ocorrência da epêntese é natural, e se dá por acomodação articulatória, eufonia, entre outros motivos, sempre relacionados à prosódia particular de uma língua ou de suas variações regionais.

Se comparamos o português falado no Brasil com aquele falado em Portugal, verificamos no primeiro a ocorrência, ou a tendência para a pronúncia epentética em muitas palavras, como adapto (por vezes pronunciada “adapito”), advogado (“adivogado” ou “adevogado”), administrar (“adiministrar”), ritmo, indigno, compacto, entre muitas outras.

Nos casos citados, a epêntese consiste na introdução de uma vogal na palavra, e é também chamada suarabácti ou anaptixe; Rogério Chociay, evitando a estranheza de tais termos, refere-se a ela como desdobramento.

Em poesia, a epêntese é frequentemente empregada como metaplasmo, isto é, como um desvio da contagem silábica natural da palavra, com a finalidade de alongá-la.

Este recurso estilístico é tolerável porque, como demonstra a linguística, a epêntese fundamenta-se na pronúncia da palavra, que por vezes difere de sua grafia.

O termo epêntese é proveniente do grego epénthesis; nesta língua, significa literalmente “inserir”.

Aplicação da epêntese

Na poesia portuguesa, a epêntese é empregada como efeito estilístico especialmente por poetas brasileiros, em razão de, como demonstramos no tópico anterior, o fenômeno se encontrar amparado na língua popular falada no Brasil.

A epêntese, então, embora não representada graficamente, dissocia o grupo consonântico dentro do qual é intercalada, fazendo com que a palavra ganhe uma sílaba poética em sua contagem.

Advogado, por exemplo, deixa de ser contado como “ad-vo-ga-do” (4 sílabas) para ser contado como “a-di-vo-ga-do” (5 sílabas) ou “a-de-vo-ga-do” (5 sílabas); absoluto torna-se “a-bis-so-lu-to”, psicologia torna-se “pis-si-co-lo-gi-a” e assim por diante.

O verso, pois, estende-se, e muitas vezes a palavra na qual recai a epêntese soa reforçada pelo recurso estilístico empregado.

Exemplos de epêntese

Abaixo daremos alguns exemplos de aplicação da epêntese em português, fazendo alguns comentários.

Gonçalves Dias utilizou-se dela na palavra “absinto” nos seguintes decassílabos:

Ad Curso de Poesia

Mais uma gota d’amargor, que importa?
Que importa o fel na taça do absinto
Ou uma dor de mais onde outras minam?

No segundo verso, temos de ler “absinto” em quatro sílabas, isto é, como “a-bis-sin-to” para que o verso se enquadre na métrica.

Também decassílabo é o seguinte verso do repentista brasileiro Dimas Batista:

Porque deles tornei-me adversário

Aqui, adversário é lido como “a-di-ver-sá-rio”.

Mais alguns exemplos de decassílabos onde a epêntese é empregada como recurso estilístico:

Aos dentes vis de perros abjetos
(Fagundes Varela)

Como a lagoa estagnada e pura
(Fagundes Varela)

Se a dor do pai não absorve inteiro
(Gonçalves Dias)

Contudo os olhos d’ignóbil pranto
(Gonçalves Dias)

Que a papalvos perplexos empulha
(Emílio de Meneses)

Nos versos acima, verificamos a contagem de “abjetos” como “abijetos”, “estagnada” como “estaguinada”, “absorve” como “abissorve”, “ignóbil” como “iguinóbil” e “perplexos” como “perpléquissos”.

Note que, em nenhum dos casos, a epêntese é assinalada graficamente, embora seja facilmente dedutível em razão da prosódia brasileira.

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Exatamente por isso, a epêntese é vastamente aplicada em versos de cunho popular, como na poesia de cordel.

Finalizamos com uma observação curiosa: a epêntese é tão natural à prosódia brasileira que um poeta como Augusto dos Anjos, rejeitando-a ostensivamente, retira efeitos muito interessantes.

Como sempre, levando ao extremos sua técnica poética que, entre outras coisas, rejeita a epêntese e abusa de sinéreses, parece evidenciar uma luta empreendida para encaixar as palavras no verso.

Tal é observável na primeira estrofe de seu poema A Ideia:

De onde ela vem? De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

O esforço que nós, brasileiros, temos de fazer para ler alguns versos de Augusto dos Anjos na métrica natural sugerida pelas palavras fica ainda mais evidente no segundo decassílabo da seguinte quadra:

Gordo adubo de agreste urtiga brava,
Benigna água, magnânima e magnífica,
Em cuja álgida unção, branda e beatífica,
A Paraíba indígena se lava!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Epêntese: o que é, características e exemplos. [S.I.] 2024. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/epentese-poesia-o-que-e-exemplos/. Acesso em: 9 mai. 2024.