Conheça o poema Não tenho pressa. Pressa de quê?, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), e confira nossa análise!
Não tenho pressa. Pressa de quê? é um poema de Fernando Pessoa, assinado pelo heterônimo Alberto Caeiro e disponível nas versões mais recentes do volume que leva o título de Poemas inconjuntos.
O poema é datado de 20 de junho de 1919 e possui uma versão estendida, datada de 20 de junho de 1929, exatos dez anos depois da versão inicial.
Neste texto, apresentaremos Não tenho pressa. Pressa de quê? em suas duas versões, e faremos uma análise da versão que compõe o volume Poemas incojuntos.
Boa leitura!
Não tenho pressa. Pressa de quê?, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega —
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.
Análise do poema
- Tipo de verso: livre
- Número de estrofes: 1 estrofe
- Número de versos: 13 versos
Não tenho pressa. Pressa de quê? é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não utiliza nem metrificação, nem rima.
O poema pode ser resumido numa reflexão filosófica que faz o eu lírico sobre a inutilidade da pressa na vida.
Estrutura do poema
Não tenho pressa. Pressa de quê? possui 13 versos dispostos numa única estrofe.
O poema é construído em versos livres, que não seguem nenhum padrão métrico ou rítmico.
O eu lírico faz uma afirmação no primeiro verso e, nos versos seguintes, justifica-a e reflete sobre a mesma ideia inicial.
Sentido do poema
Não tenho pressa. Pressa de quê? é um poema que faz uma reflexão sobre a desnecessidade da pressa na vida.
A interrogação retórica “pressa de quê?” evidencia-nos que, segundo o sujeito poético, toda pressa é injustificada.
Este poema, é bom lembrar, é assinado por Alberto Caeiro, um heterônimo de Fernando Pessoa habituado ao campo e entusiasta da vida contemplativa.
Na poesia de Caeiro, encontramos sempre presente a natureza, que lhe serve de inspiração constante.
No primeiro verso deste poema, o eu lírico afirma não ter pressa. Em seguida, afirma não terem pressa, também, nem o sol, nem a lua.
Nos versos seguintes, diz ele:
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Quer o eu lírico dizer que ter pressa é descolar-se da realidade, é não aceitá-la e achar que a pressa terá algum efeito transformador sobre ela.
Não, diz-nos o eu lírico: a pressa é inútil.
Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega —
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
Com estes versos, a mesma ideia é reforçada, e percebemos que o sujeito poético evidencia-nos uma postura realista, tranquila e despreocupada diante da vida.
“Toco só onde toco, não aonde penso”, “Só me posso sentar aonde estou”: tais versos expressam a aceitação da realidade como ela é, sem expectativas fantasiosas, sem que se perca em criações irreais do pensamento.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.
Nestes versos, que encerram Não tenho pressa. Pressa de quê?, diz o eu lírico com bom humor e ironia que faz rir a aceitação da realidade: a simplicidade, pois, é risível.
Para o eu lírico, porém, o que faz rir é justamente o ser humano precisar de complicações, sendo incapaz de enxergar e se satisfazer com as coisas como elas são.
“Pensamos sempre noutra coisa, e vivemos vadios da nossa realidade”, portanto, levamos a vida imersos em ilusões.
É bonito o que faz o eu lírico neste poema: parece ele, sentado numa cadeira de balanço, sorrindo e olhando à paisagem campestre, refletir sobre como a natureza é simples e bela, e como nós, seres humanos, somos justamente o contrário.
Não tenho pressa. Pressa de quê?, assim, é um poema que, taxando a pressa de inútil, convida-nos a encarar a vida racionalmente e com tranquilidade.
Versão estendida do poema
Conforme prometemos, abaixo disponibilizamos a versão estendida de Não tenho pressa. Pressa de quê?.
Esta versão é datada de 20 de junho de 1919, dez anos exatos após a datação da versão inicial.
Encontramo-la em algumas edições da obra completa de Fernando Pessoa, ainda que, nelas, a versão anterior apareça integrada à coletânea Poemas inconjuntos.
Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.
Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem.
Se onde quero estar é longe, não estou lá num momento.Sim: existo dentro do meu corpo.
Não trago o sol nem a lua na algibeira.
Não quero conquistar mundos porque dormi mal,
Nem almoçar o mundo por causa do estômago.
Indiferente?
Não: filho da terra, que se der um salto, está em falso,
Um momento no ar que não é para nós,
E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra,
Traz! na realidade que não falta!Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega —
Nem um centímetro mais longe.
Toco só aonde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E somos vadios do nosso corpo.
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui.
Sobre Fernando Pessoa
Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888.
Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, entre outros.
Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias, recusando alguns empregos para que pudesse se dedicar à literatura.
O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.
Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.
O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.
Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935, deixando em seu espólio cerca de 25 mil páginas de textos, que vêm sendo publicados lentamente desde então.
Os heterônimos de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.
Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:
- Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
- Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
- Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
- Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.
Obras de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.
Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:
- 35 sonnets (1918)
- Antinous (1918)
- English poems (1921) — em três volumes
- Mensagem (1934)
- A Nova Poesia Portuguesa (1944)
- Poemas Dramáticos (1952)
- Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
- Sobre Portugal (1979)
- Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
- Livro do desassossego (1982)
- Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
- Primeiro Fausto (1986)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Não tenho pressa. Pressa de quê?, de Fernando Pessoa.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Quando olho para mim não me percebo, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa).
Um abraço e até a próxima!