Conheça o poema Se, depois de eu morrer, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), e confira nossa análise!
Se, depois de eu morrer é um poema de Fernando Pessoa, assinado pelo heterônimo Alberto Caeiro e disponível no volume que leva o título de Poemas inconjuntos.
O poema é datado de 8 de novembro de 1915 e resume-se numa reflexão do eu lírico sobre si mesmo e sobre a vida que levou.
É interessante notar que Caeiro faleceu “tuberculoso” no mesmo ano de 1915, como nos contam os outros heterônimos pessoanos António Mora e Ricardo Reis: portanto, Se, depois de eu morrer pode ser interpretado como um poema escrito por Caeiro às vésperas de sua morte.
Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça Se, depois de eu morrer, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa). Em seguida, você poderá conferir nossa análise.
Boa leitura!
Se, depois de eu morrer, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.
Análise do poema
- Tipo de verso: livre
- Número e tipo de estrofes: 3 estrofes irregulares
- Número de versos: 15 versos
Se, depois de eu morrer é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não utiliza nem metrificação, nem rima.
O poema pode ser resumido como uma reflexão do eu lírico sobre a própria biografia.
Estrutura do poema
Se, depois de eu morrer possui 15 versos divididos em três estrofes irregulares: uma quadra, uma oitava e um terceto.
O poema é construído em versos livres, que não seguem nenhum padrão métrico ou rítmico.
Pode ser este poema dividido entre três partes lógicas, representadas exatamente pelas três estrofes.
Na primeira parte, o eu lírico apresenta um argumento, que é justificado na segunda (como viveu) e na terceira (como morreu).
Sentido do poema
Se, depois de eu morrer é um poema que resume uma reflexão do eu lírico sobre a própria vida ou, sob outro ponto de vista, numa exposição filosófico-psicológica de si mesmo.
Na primeira estrofe, diz ele que, se alguém quiser escrever a sua biografia, “não há nada mais simples”.
O poema discorre, portanto, sobre o porquê de ser tão simples escrevê-la.
Com a objetividade que lhe é característica, Caeiro diz sua biografia ter somente duas datas, a de seu nascimento e a de sua morte, pertencendo a ele tudo o que houve entre elas.
Tal afirmação parece sugerir que, de toda a sua vida, pertencem ao mundo somente o seu nascimento e sua morte, por serem situações sobre as quais não teve ele controle.
Também podemos inferir disso um certo repúdio ao mundo e aos homens, como se Caeiro dissesse: “a minha vida interessa somente a mim”.
Na segunda estrofe, ele discorre sobre si e sobre como viveu:
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Vemos, aqui, que procede Caeiro com uma singularização de si mesmo, expondo a sua filosofia de vida particular.
Nestes versos, destacam-se os traços mais proeminentes da personalidade de Caeiro: a racionalidade, a objetividade e a supremacia das sensações sobre o pensamento.
Caeiro, que não possuía “educação formal” e vivia no campo, é tido como o precursor do movimento que em Portugal ficou conhecido como Sensacionismo.
Tal movimento reconhecia na “sensação” a realidade única da vida, e podemos ver claramente tal ideia expressa no penúltimo verso desta estrofe, quando Caeiro diz compreender com os olhos (com os sentidos) e não com o pensamento.
Vem o terceto que fecha o poema:
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.
No primeiro verso desta estrofe, temos uma metáfora que representa a simplicidade com que Caeiro encarou a vida.
Habituado ao campo, apreciador de uma vida contemplativa, mostra-nos Caeiro absoluta serenidade diante da morte: “Fechei os olhos e dormi”.
No verso final, Caeiro declara ter sido “o único poeta da Natureza”, explicitando sua veneração por esta que lhe foi inspiração constante.
Se, depois de eu morrer, portanto, é um poema em que Alberto Caeiro desnuda-se filosófica e psicologicamente a seus leitores.
Sobre Fernando Pessoa
Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888.
Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, entre outros.
Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias, recusando alguns empregos para que pudesse se dedicar à literatura.
O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.
Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.
O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.
Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935, deixando em seu espólio cerca de 25 mil páginas de textos, que vêm sendo publicados lentamente desde então.
Os heterônimos de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.
Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:
- Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
- Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
- Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
- Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.
Obras de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.
Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:
- 35 sonnets (1918)
- Antinous (1918)
- English poems (1921) — em três volumes
- Mensagem (1934)
- A Nova Poesia Portuguesa (1944)
- Poemas Dramáticos (1952)
- Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
- Sobre Portugal (1979)
- Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
- Livro do desassossego (1982)
- Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
- Primeiro Fausto (1986)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Se, depois de eu morrer, de Fernando Pessoa.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre O que há em mim é sobretudo cansaço, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa).
Um abraço e até a próxima!