Conheça o poema Se eu pudesse, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), e confira nossa análise!
Se eu pudesse é o poema de número 21 do livro O guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa, que é assinado pelo heterônimo Alberto Caeiro.
O poema é datado de 7 de março de 1914 e é uma composição autenticamente pessoana, em que o eu lírico parece perder-se em pensamentos e nos carrega para dentro de suas divagações.
Como muitas composições deste enorme poeta, Se eu pudesse mistura imagens muito sugestivas a reflexões filosóficas, que nos comovem ao mesmo tempo em que nos fazem pensar.
Sendo assim, preparamos esse texto para que você conheça o poema Se eu pudesse, de Fernando Pessoa. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.
Boa leitura!
Se eu pudesse, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
XXI
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento…
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…
Análise do poema
- Tipo de verso: livre
- Número e tipo de estrofes: 3 estrofes irregulares
- Número de versos: 20 versos
Se eu pudesse é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não utiliza metrificação nem rima.
O poema resume-se a um devaneio do eu lírico que desemboca numa profunda reflexão filosófica.
Estrutura do poema
Se eu pudesse possui 20 versos divididos em três estrofes irregulares.
O poema é construído em versos livres, que não seguem nenhum padrão métrico ou rítmico.
A primeira estrofe começa num devaneio, que torna-se na segunda um raciocínio e culmina numa conclusão apresentada na terceira.
Sentido do poema
Se eu pudesse é um poema muito representativo da maneira com que Fernando Pessoa fazia arte, em verso e em prosa.
Este poema é assinado pelo heterônimo Alberto Caeiro, criado por Pessoa a ser o precursor do movimento literário que ele mesmo iria promover em Portugal: o Sensacionismo.
A poesia de Caeiro destaca-se por ser profundamente filosófica em filosofia que, se dela não brota, relaciona-se intimamente com a natureza.
Aliás, Caeiro diz-nos, noutro poema, ter sido o “único poeta da Natureza” (com “n” maiúsculo), o que mostra sua estreita relação com ela, que sempre lhe serviu de inspiração.
Tal se passa em Se eu pudesse, que começa com os versos seguintes:
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento…
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Vemos que se inicia o poema com um devaneio absurdo, representado pela hipótese levantada através do uso da conjunção “se” seguida de subjuntivo.
Após conjeturar tal hipótese impossível, diz o eu lírico que “seria mais feliz um momento” caso ela se concretizasse.
Obviamente, sabe muito bem o eu lírico não ser possível sentir o gosto da terra inteira; contudo, o mero mencionar esta possibilidade faz-nos imaginá-la, estimula-nos e leva-nos raciocinar como ele quer, justificando-se assim a hipótese irreal.
Na verdade, não queria o eu lírico concretizar o devaneio de sentir o gosto da “terra toda”, mas sim nos sugerir que sua felicidade é impossível.
A partir do sexto verso, este devaneio inicial toma contornos de raciocínio, que prosseguirão pela segunda estrofe:
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…
Neste ponto, que dá continuidade ao argumento iniciado na estrofe anterior, Se eu pudesse toma contornos mais filosóficos e diz-nos que “nem tudo é dias de sol”, quer dizer, não há felicidade plena neste mundo.
Todos nós, hora ou outra, temos de encarar adversidades, sofremos decepções, independentemente de quem somos ou onde vivemos.
A infelicidade, como a felicidade, é um estado natural do ser humano: é isso o que tenta nos dizer o eu lírico.
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…
Aqui, a reflexão filosófica iniciada anteriormente culmina numa conclusão.
Diz o sujeito poético que “o que é preciso é ser-se natural e calmo na felicidade e na infelicidade”, isto é, ter maturidade para aceitar a vida como ela é, com altos e baixos, alegrias e dissabores, sucessos e infortúnios.
Como era grande Fernando Pessoa!
Chegamos à última estrofe do poema, e não sabemos se estamos a devanear ou filosofar com o eu lírico, que continua a sugerir imagens e metáforas.
Termina Se eu pudesse evocando a morte, em imagem insuperavelmente poética, dizendo-nos que ao encontrá-la deve-se lembrar “de que o dia morre, e que o poente é belo e é bela a noite que fica…”.
Portanto, Se eu pudesse é um poema que expressa a mensagem de que é preciso ter serenidade diante das infelicidades, pois são-nos estas necessárias e, frequentemente, guardam em si algo belo.
Sobre Fernando Pessoa
Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888.
Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, e muito mais.
Seja em prosa ou em verso, ler Fernando Pessoa é constatar-se diante de um altíssimo artista, dotado de criatividade impressionante.
Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias.
O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.
Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.
O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.
Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935.
Os heterônimos de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.
Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:
- Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
- Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
- Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
- Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.
Obras de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.
Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:
- 35 sonnets (1918)
- Antinous (1918)
- English poems (1921) — em três volumes
- Mensagem (1934)
- A Nova Poesia Portuguesa (1944)
- Poemas Dramáticos (1952)
- Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
- Sobre Portugal (1979)
- Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
- Livro do desassossego (1982)
- Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
- Primeiro Fausto (1986)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Se eu pudesse, de Fernando Pessoa.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Retrato, de Cecília Meireles.
Um abraço e até a próxima!