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Poema Seus olhos, de Gonçalves Dias (com análise)

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Conheça o poema Seus olhos, de Gonçalves Dias, e confira nossa análise!

Seus olhos é um poema do brasileiro Gonçalves Dias, publicado pela primeira vez em sua obra de estreia, Primeiros cantos (1846).

Esta é uma das muitas composições do poeta que parece ter uma musicalidade que fala por si só, e variados são os recursos estilísticos empregados para reforçá-la.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça Seus olhos, de Gonçalves Dias. Em seguida, você poderá conferir nossa análise do poema.

Boa leitura!

Seus olhos, de Gonçalves Dias

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, – mais doce que o nauta
De noite cantando, – mais doce que a frauta
Quebrando a solidão.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.

São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; – causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranquilos,
Às vezes vulcão!

Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
Me fazem chorar.

Assim lindo infante, que dorme tranquilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa – a pensar.

Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co’um véu.

Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram sem causa
Um pranto sem dor.

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia.
Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.

Análise do poema

Seus olhos é construído em hendecassílabos e pentassílabos rimados, portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.

Trata-se de um poema lírico em que o autor exalta a beleza de olhos que lhe inspiram profundos sentimentos.

Estrutura do poema

Seus olhos possui 49 versos, distribuídos em 11 estrofes: 6 quadras e 5 quintilhas, de forma que tais estruturas se alternam, a começar de uma quadra.

Há no poema duas variações métricas: versos hendecassílabos (onze sílabas poéticas) e versos pentassílabos (cinco sílabas poéticas).

As rimas são distribuídas da seguinte maneira:

  • O primeiro verso de todas as estrofes é branco, ou seja, não rima;
  • o segundo verso de todas as estrofes rima com o último, isto é, nas quadras, rima com o quarto verso; nas quintilhas, rima com o quinto.
  • o terceiro verso, nas quadras, é branco; nas quintilhas, rima com o quarto.

O poema inteiro é construído em ritmo anfibráquico, e disso deriva sua musicalidade tão acentuada: o ritmo não se rompe; seja nos hendecassílabos, seja nos pentassílabos, temos sempre sequências no padrão átona-tônica-átona, o que significa, em todos os versos, acentuação na segunda e quinta sílaba e, nos versos de onze sílabas, uma acentuação adicional na oitava.

Se repararmos bem, perceberemos que o hendecassílabo, nesta disposição, funciona ritmicamente como um par de pentassílabos, e por isso eles se encaixam tão bem.

Vale notar que este ritmo é o que tradicionalmente caracteriza este metro em língua portuguesa; um ritmo, aliás, muito bonito e cativante.

Musicalidade do poema

Diz Manuel Said Ali, em Versificação portuguesa:

Poetas notáveis do século passado, menos afeiçoados que os de hoje ao alexandrino, cultivaram com amor e carinho o verso de doze sílabas e nos legaram, no gênero, composições lindas e inesquecíveis.

(Nota: Said Ali conta como dodecassílabo o verso que se convencionou contar com onze sílabas em português.)

Seus olhos é, logo em seguida a este trecho, citado como uma das composições “lindas e inesquecíveis” neste metro.

Isso se deve, principalmente, por serem seus elementos habilidosamente harmonizados, de forma que a música do poema impõe-se e encanta.

O que primeiro notamos é a criativa alternância entre quadras e quintilhas, que gera um efeito interessante: nas quintilhas, ao chegar no quarto verso, esperamos uma rima com o segundo, mas ela surpreende-nos e o faz com o terceiro; já nas quadras, exceção feita à primeira, esperamos que o quarto verso rime com o terceiro, mas ele o faz com o segundo.

Vamos sendo, assim, sucessivamente surpreendidos pelo poema, até que lhe captemos o padrão.

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Além disso, há no poema o estável ritmo anfibráquico que, como notamos no tópico anterior, passa-nos uma sensação de harmonia.

Tal harmonia é reforçada pela disposição dos termos oracionais nos versos: são eles organizados de maneira que sempre se apresentam no mesmo verso, isto é, o fim do verso nunca rompe a estrutura sintática do discurso.

Finalmente, destacamos o uso inteligente dos vocábulos agudos no poema, responsáveis por sempre fecharem as estrofes.

Tal disposição destas palavras gera um efeito forte, enfático e agradável, visto que, além disso, os versos finais sempre rimam.

Sentido do poema

Seus olhos é um poema em que o eu lírico exalta e manifesta seus sentimentos para com os olhos de alguém.

Quanto à interpretação, estes versos não guardam segredos, e o que vemos em todos eles é a expressão apaixonada do eu lírico que, para descrever a beleza dos olhos de que fala, vai fazendo múltiplas associações.

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Assim começa o poema:

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;

Este primeiro verso serve de abertura para cinco das onze estrofes do poema: tal técnica, que chamamos paralelismo, serve, primeiro, para passar-nos uma noção de simetria; segundo, como reforço sonoro e, finalmente, para enfatizar o sentido daquilo que está sendo expresso (“tão negros, tão belos, tão puros”).

Este recurso expressivo é também utilizado em outros versos do poema; notamos, ainda, o uso da técnica que chamamos encadeamento, geradora de efeitos semelhantes.

O poema corre e o eu lírico vai fazendo comparações para descrever a beleza dos olhos retratados.

Após serem associados às estrelas, sua expressão é dita “mais doce que a brisa”, “mais doce que o nauta de noite cantando” e “mais doce que a frauta”; em seguida, são descritos como “meigos infantes, gentis, engraçados”; depois, como “inquietos, travessos”, e assim por diante.

Em suma, o que faz o eu lírico é descrever as qualidades que o encantam em tais olhos, mostrando-nos a multiplicidade de expressões que são capazes de manifestar e, consequentemente, a multiplicidade de sentimentos que inspiram.

Na última estrofe, a exaltação chega ao cume quando o eu lírico, enfim, verbaliza aquilo que os versos anteriores apenas sugeriam: o que ele sente por tais olhos é amor.

Seus olhos, portanto, é um poema em que o eu lírico expressa o seu encanto para com a complexidade da beleza dos olhos de alguém.

Sobre Gonçalves Dias

Gonçalves Dias nasceu em 10 de agosto de 1823, no Maranhão.

Filho de um comerciante português com uma mestiça, teve sua primeira educação ministrada por um professor particular.

Em 1838 saiu do Brasil a Portugal para dar continuidade a seus estudos, formando-se em Direito pela Universidade de Coimbra.

Em Portugal, conheceu grandes nomes da literatura portuguesa, especialmente os românticos Alexandre Herculano e Almeida Garrett, que muito o influenciaram.

No Brasil, seria Gonçalves Dias a figura central do que ficou conhecido como a primeira fase do romantismo brasileiro.

Após formado em Direito, retornou ao Brasil e fixou residência no Rio de Janeiro.

Nesta cidade, passou a publicar com maior frequência e atuou como professor de latim e história do Brasil no Colégio Pedro II que, na época, era o mais renomado do país.

Faleceu em 3 de novembro de 1864, com apenas 41 anos.

Obras de Gonçalves Dias

  • Primeiros contos (1846)
  • Leonor de Mendonça (1847)
  • Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão (1848)
  • Últimos cantos (1851)
  • Cantos (1857)
  • Os Timbiras (1857)
  • Dicionário da língua tupi (1858)
  • Obras póstumas (1868-69)
  • Obras poéticas (1944)
  • Poesias completas e prosa escolhida (1959)
  • Teatro completo (1979)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Seus olhos, de Gonçalves Dias.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre Vaso grego, de Alberto de Oliveira.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Seus olhos, de Gonçalves Dias (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-seus-olhos-goncalves-dias-poesia/. Acesso em: 2 mai. 2024.