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Poema O canto do Guerreiro, de Gonçalves Dias (com análise)

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Conheça o poema O canto do Guerreiro, de Gonçalves Dias, e confira nossa análise!

O canto do Guerreiro é um poema do brasileiro Gonçalves Dias, publicado pela primeira vez em sua obra de estreia, Primeiros cantos.

O poema é um exemplo emblemático do Romantismo brasileiro, que buscou valorizar a cultura indígena nacional, tendo como objeto central a figura do índio, bravo e guerreiro.

Assim como outras composições de Gonçalves Dias, O canto do Guerreiro destaca-se por sua musicalidade, que vale-se de diversos recursos expressivos e faz com que tenhamos vontade de cantá-lo quando o lemos.

A seguir, disponibilizamos e analisamos o poema O canto do Guerreiro, de Gonçalves Dias.

Boa leitura!

O canto do Guerreiro, de Gonçalves Dias

I

Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
— Ouvi-me, Guerreiros,
— Ouvi meu cantar.

II

Valente na guerra,
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me;
— Quem há, como eu sou?

III

Quem guia nos ares
A frecha emplumada,
Ferindo uma presa,
Com tanta certeza,
Na altura arrojada
Onde eu a mandar?
— Guerreiros, ouvi-me,
— Ouvi meu cantar.

IV

Quem tantos imigos
Em guerras preou?
Quem canta seus feitos
Com mais energia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me:
— Quem há, como eu sou?

V

Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?!
A onça raivosa
Meus passos conhece,
O imigo estremece,
E a ave medrosa
Se esconde no céu.
— Quem há mais valente,
— Mais destro que eu?

VI

Se as matas estrujo
Co’os sons do Boré,
Mil arcos se encurvam,
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
Eis surgem, respondem
Aos sons do Boré!
— Quem é mais valente,
— Mais forte quem é?

VII

Lá vão pelas matas;
Não fazem ruído:
O vento gemendo
E as matas tremendo
E o triste carpido
Duma ave a cantar,
São eles — guerreiros,
Que faço avançar.

VIII

E o Piaga se ruge
No seu Maracá,
A morte lá paira
Nos ares frechados,
Os campos juncados
De mortos são já:
Mil homens viveram,
Mil homens são lá.

IX

E então se de novo
Eu toco o Boré;
Qual fonte que salta
De rocha empinada,
Que vai marulhosa,
Fremente e queixosa,
Que a raiva apagada
De todo não é,
Tal eles se escoam
Aos sons do Boré.
— Guerreiros, dizei-me,
— Tão forte quem é?

Análise do poema

  • Tipo de verso: pentassílabo (redondilha menor)
  • Número e tipo de estrofes: 9 estrofes irregulares
  • Número de versos: 79 versos

O canto do Guerreiro é um poema construído em pentassílabos, portanto, é um poema que utiliza metrificação.

Esse tipo de verso possui cinco sílabas poéticas e é conhecido, em português, como redondilha menor.

Estrutura do poema

O canto do Guerreiro possui 79 versos, distribuídos em 9 estrofes irregulares.

Embora a maior parte das estrofes seja composta de oito versos (oitavas), encontramos também estrofes de nove, dez e doze versos, o que confere um caráter dinâmico ao poema.

Quanto às rimas, elas estão presentes na maior parte dos versos e dispostas de forma livre, sendo delas feito um uso criativo que, além de contribuir para a musicalidade do poema, torna-lhes um tanto imprevisíveis.

Já quanto ao ritmo, o poema é construído naquele que chamamos ritmo anfibráquico, cujo pé consiste em três sílabas, sendo uma tônica entre duas átonas, ou seja, os versos de O canto do Guerreiro são acentuados na segunda e quinta sílaba, conforme o esquema – ~ – – ~ – quando terminados em palavras graves e – ~ – – ~ quando terminados em palavras agudas.

Principais características do poema

  • Indianismo: o poema glorifica a figura do indígena, valorizando-o como elemento de identidade nacional.
  • Rigor formal: os versos do poema são inteiramente metrificados e apresentam, cada um deles, cinco sílabas poéticas.
  • Musicalidade: a grande maioria dos versos é rimada e todos eles apresentam-se conforme o ritmo anfibráquico.
  • Exaltação dos valores guerreiros: o poema adota um tom épico, em que a bravura e o heroísmo indígena são exaltados.
  • Linguagem metafórica: a linguagem utilizada é poética e rica em metáforas, valendo-se de imagens especialmente da natureza para descrever os feitos cantados.

Musicalidade do poema

Não é possível falar de O canto do Guerreiro sem destacar sua musicalidade.

Como já mencionamos, quando lemos o poema sentimos automaticamente a vontade de cantá-lo, e isso se dá por seus elementos musicais habilidosamente harmonizados.

Em primeiro lugar, salientamos o efeito da disposição das rimas: o poema não adota um padrão quanto a elas, e quando começam as estrofes ficamos com a impressão de que os versos não serão rimados.

Então, lá pelo quarto verso, encontramos a primeira rima, e experimentamos um efeito simultâneo de surpresa e deleite.

Como não há padrão de rimas, e há também versos brancos no poema, este se apresenta dinâmico, e vamos descobrindo se há ou não rima, e como estão elas organizadas a medida que vamos lendo os versos.

Há, também, o efeito do ritmo, principal elemento da musicalidade de O canto do Guerreiro, que gera uma expectativa de acentuação sempre na segunda e na quinta sílaba dos versos, que nos agrada pelo movimento ondulatório e praticamente nos impele a cantá-los.

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Por último, destacamos o uso inteligente dos vocábulos agudos no poema, responsáveis por sempre terminarem as estrofes.

Tal disposição destas palavras gera um efeito forte, enfático no final de cada uma das estrofes, que é muito condizente com o tom épico do canto.

Sentido do poema

O canto do Guerreiro é um poema que canta em tom de exaltação a bravura e o heroísmo indígena.

Tal temática foi comum no movimento que ficou conhecido como Romantismo brasileiro, que se deu no século XIX e tinha como características, entre outras, a valorização da cultura indígena e da natureza.

O poema começa com os seguintes versos:

Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
— Ouvi-me, Guerreiros,
— Ouvi meu cantar.

Tal é o tom que perpassa o poema: a bravura indígena é glorificada, a bravura daqueles responsáveis por “façanhas”, que não são “escravos” e que não são capazes de estimar uma vida sem “guerra e lidar”.

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No final desta estrofe, descobrimos que é alguém a cantar o poema. Quem seria? O próprio Gonçalves Dias?

A segunda estrofe é aberta e descobrimos:

Valente na guerra,
Quem há, como eu sou?

É, portanto, um índio que o canta, e começa a exaltar a si mesmo, seus feitos, sua força e sua coragem.

Vemos, aqui, que tal índio é inserido no poema a fim de simbolizar os próprios valores que canta, exaltados, desta vez, pelo poeta.

Gonçalves Dias ensaiou diversas vezes a representação do índio como símbolo de orgulho nacional, sendo um dos responsáveis por introduzir em nossa literatura este passado que talvez fosse esquecido.

O canto do Guerreiro, pois, é um exemplo desta tentativa de estabelecer a cultura indígena como representativa da identidade brasileira.

O poema se desenvolve e vamos entrando em contato com diversos elementos desta cultura, como o boré, o maracá, as flechas… elementos do cotidiano nas matas também se nos vão apresentando, como a onça, as aves, os inimigos e as batalhas.

Por fim, quando o poema termina ficamos com a sensação de que sentimos um pouco da realidade daqueles que habitavam as matas brasileiras: uma realidade perigosa e desafiadora.

O canto do Guerreiro, assim, é um poema que ao mesmo tempo exalta a postura valente diante dessa realidade e glorifica o índio como símbolo de identidade nacional.

Sobre Gonçalves Dias

Gonçalves Dias nasceu em 10 de agosto de 1823, no Maranhão.

Filho de um comerciante português com uma mestiça, teve sua primeira educação ministrada por um professor particular.

Em 1838 saiu do Brasil a Portugal para dar continuidade a seus estudos, formando-se em Direito pela Universidade de Coimbra.

Em Portugal, conheceu grandes nomes da literatura portuguesa, especialmente os românticos Alexandre Herculano e Almeida Garrett, que muito o influenciaram.

No Brasil, seria Gonçalves Dias a figura central do que ficou conhecido como a primeira fase do romantismo brasileiro.

Após formado em Direito, retornou ao Brasil e fixou residência no Rio de Janeiro.

Nesta cidade, passou a publicar com maior frequência e atuou como professor de latim e história do Brasil no Colégio Pedro II que, na época, era o mais renomado do país.

Faleceu em 3 de novembro de 1864, com apenas 41 anos.

Obras de Gonçalves Dias

  • Primeiros contos (1846)
  • Leonor de Mendonça (1847)
  • Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão (1848)
  • Últimos cantos (1851)
  • Cantos (1857)
  • Os Timbiras (1857)
  • Dicionário da língua tupi (1858)
  • Obras póstumas (1868-69)
  • Obras poéticas (1944)
  • Poesias completas e prosa escolhida (1959)
  • Teatro completo (1979)

Bônus: versão musical de O canto do Guerreiro, de Gonçalves Dias

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema O canto do Guerreiro, de Gonçalves Dias.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema O canto do Guerreiro, de Gonçalves Dias (com análise). [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-o-canto-do-guerreiro-goncalves-dias/. Acesso em: 2 mai. 2024.