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Oitava: o que é, tipos, características e exemplos

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Saiba o que é oitava em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A oitava é um tipo estrófico de grande utilização em português, representada por muitas das melhores composições da língua.

Suas possibilidades de realização são variadas, embora a tradição tenha evidenciado e consagrado uma específica entre elas, que logo veremos.

A seguir, elucidaremos o que é oitava em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de oitava

Em poesia, oitava é o nome que se dá à estrofe composta de oito versos.

Quase sempre, as oitavas se apresentam rimadas, embora o esquema rímico possa variar bastante.

A forma clássica de oitava praticada em português e em outras literaturas é construída em decassílabos de esquema rímico fixo.

Modernamente, flexibilizou-se este padrão rímico e passamos a encontrar, também, um grande uso de heptassílabos neste tipo estrófico, tal como oitavas heterométricas, geralmente fundamentadas nos dois metros já citados.

Tipos de oitava

Muitos tipos de oitava poderiam ser elencados, levando em consideração o esquema rímico, o esquema métrico, entre outros fatores.

Manuel Said Ali, contudo, em Versificação portuguesa, divide as oitavas em épicas e líricas; Manuel Bandeira o acompanha em A versificação em língua portuguesa, chamando porém o primeiro tipo de oitava heroica.

Geir Campos, em Pequeno dicionário de arte poética, denomina oitava italiana um tipo especial de oitava, que utiliza rimas agudas no quarto e oitavo verso, e pode apresentar o primeiro e o quinto brancos.

Na literatura espanhola, temos as chamadas coplas de arte menor e coplas de arte mayor, consistindo as primeiras em oitavas heptassilábicas e as segundas em oitavas decassilábicas (segundo a nossa contagem), ambas geralmente apresentando o esquema rímico abbaacca, variando às vezes nos esquemas ababbccb e abbaacac.

Também é bem conhecida a chamada oitava siciliana (ottava siciliana), comum na poesia inglesa e que consiste em decassílabos que apresentam apenas duas rimas, que alternam-se conforme o esquema abababab.

Abaixo veremos um pouco mais dos dois principais tipos de oitava utilizados em português, seguindo a classificação de Said Ali e Bandeira.

Oitava épica

Este é, sem dúvida, o tipo de oitava mais consagrado na literatura, por aparecer em uma infinidade de poemas e ter sido trabalhada por grandes nomes da poesia mundial.

Encontramo-la também chamada oitava heroica, oitava real e ottava rima, derivando-se a denominação épica, naturalmente, de seu emprego usual em poemas épicos.

Consiste a oitava épica, simplesmente, numa oitava construída em decassílabos de esquema rímico abababcc.

É difícil traçar a origem deste tipo de oitava, mas Roland Greene e Stephen Cushman afirmam que seguramente ela evoluiu de uma tradição poética oral.

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Encontramo-la aplicada já no século XIV por Giovanni Boccaccio, em Fiostrato e Teseida, e no século seguinte vemo-la utilizada por diversos poetas italianos, especialmente por Ludovico Ariosto, que a explorou com grande sucesso.

Seria difícil listar todas as grandes obras já produzidas neste tipo de oitava, mas basta citar algumas para evidenciar o prestígio que atingiu na literatura universal: Orlando furioso, de Ludovico Ariosto; Jerusalém libertada, de Torquato Tasso; Don Juan, de Lord Byron; Os lusíadas, de Luís de Camões, entre muitas outras.

Como exemplo, a célebre estrofe que serve de abertura a Os lusíadas:

As armas e os Barões assinalados,
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana;
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram

Oitava lírica

Said Ali e Bandeira dão esta denominação às demais oitavas praticadas em português compostas de decassílabos ou heptassílabos, entremeados ou não de versos menores, que fogem ao esquema rímico característico da oitava épica.

Em geral, este tipo de oitava busca rimar o quarto e oitavo versos, algo que lhe dá maior impressão de unidade, como nos esquemas rímicos abbcaddc, aaabcccb ou abcbdddb.

Admite-se, porém, que consista este tipo de oitava em duas quadras justapostas, seja combinando rimas alternadas, seja combinando rimas enlaçadas.

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Ainda nota-se que estas oitavas, às vezes, podem apresentar alguns versos brancos (especialmente o primeiro e o quinto).

Um exemplo de Castro Alves:

“Era hoje ao meio-dia.
Nem uma brisa macia
Pela savana bravia
Arrufava os ervaçais…
Um sol de fogo abrasava;
Tudo a sombra procurava;
Só a cigarra cantava
No tronco dos coqueirais.

Aplicação da oitava

Como se pode perceber, a oitava tem extensa aplicação em português, que pode ser delineada basicamente por seus dois tipos elencados no tópico anterior.

A oitava épica tradicionalmente presta-se a construções seja épicas, seja a poemas de maior fôlego, podendo apresentar-se em composições de natureza séria, cômica, satírica, discursiva ou narrativa.

Já a oitava lírica, como o próprio nome dá a entender, apresenta possibilidades ainda mais variadas, visto que se destina à poesia lírica.

Uma aplicação especial da oitava dá-se no chamado triolé, forma fixa francesa que começa a aparecer na poesia medieval, que caracteriza-se por uma repetição do primeiro verso no quarto e sétimo, e o segundo no oitavo, conforme o seguinte exemplo de Valentim Magalhães:

Às cantigas que tu cantas
Fogem-me as mágoas antigas…
São tão alegres e tantas
As cantigas que tu cantas!
Minhas tristezas espantas
Com tuas velhas cantigas:
Às cantigas que tu cantas
Fogem-me as mágoas antigas.

Exemplos de aplicação da oitava

Abaixo veremos alguns exemplos da aplicação da oitava em português.

O canto do Guerreiro, de Gonçalves Dias

I

Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
— Ouvi-me, Guerreiros,
— Ouvi meu cantar.

II

Valente na guerra,
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me;
— Quem há, como eu sou?

III

Quem guia nos ares
A frecha emplumada,
Ferindo uma presa,
Com tanta certeza,
Na altura arrojada
Onde eu a mandar?
— Guerreiros, ouvi-me,
— Ouvi meu cantar.

IV

Quem tantos imigos
Em guerras preou?
Quem canta seus feitos
Com mais energia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me:
— Quem há, como eu sou?

V

Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?!
A onça raivosa
Meus passos conhece,
O imigo estremece,
E a ave medrosa
Se esconde no céu.
— Quem há mais valente,
— Mais destro que eu?

VI

Se as matas estrujo
Co’os sons do Boré,
Mil arcos se encurvam,
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
Eis surgem, respondem
Aos sons do Boré!
— Quem é mais valente,
— Mais forte quem é?

VII

Lá vão pelas matas;
Não fazem ruído:
O vento gemendo
E as matas tremendo
E o triste carpido
Duma ave a cantar,
São eles — guerreiros,
Que faço avançar.

VIII

E o Piaga se ruge
No seu Maracá,
A morte lá paira
Nos ares frechados,
Os campos juncados
De mortos são já:
Mil homens viveram,
Mil homens são lá.

IX

E então se de novo
Eu toco o Boré;
Qual fonte que salta
De rocha empinada,
Que vai marulhosa,
Fremente e queixosa,
Que a raiva apagada
De todo não é,
Tal eles se escoam
Aos sons do Boré.
— Guerreiros, dizei-me,
— Tão forte quem é?

Meus oito anos, de Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d’amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Meu casto lírio, de João de Deus

Meu casto lírio,
Terno delírio,
Glória e martírio
Do meu amor!
Amo-te como
A haste o gomo,
O lábio o pomo,
E o olho a flor.

Se ao meu ouvido
Soa o rugido
Do teu vestido
Indo a roçar,
Que som me vibra
Não sei que fibra,
Que me equilibra
A mim no ar?

E que harpa santa
É que me encanta
E enche de tanta
Consolação,
Quando uma fala
Terna se exala
De onde se embala
Teu coração?

Quando te vejo
De um simples beijo
Corar de pejo,
Mudar de cor,
Que susto é esse
Que me parece
Te empalidece,
Rosa de amor?

Quando no leito
Teu níveo peito
Sonho que estreito
E aperto ao meu,
Vendo tão perto
O céu aberto,
Porque desperto,
Anjo do céu?

Não fujas, rosa,
Não fujas, goza
Manhã mimosa,
Manhã de amor!
De folha em folha
A flor se esfolha
Bem cedo, e olha
Que és uma flor!…

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Oitava: o que é, tipos, características e exemplos. [S.I.] 2024. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/oitava-tipos-caracteristicas-exemplos/. Acesso em: 14 mai. 2024.