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Poema Trem de ferro, de Manuel Bandeira (com análise)

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Conheça o poema Trem de ferro, de Manuel Bandeira, e confira nossa análise!

Trem de ferro é um poema escrito pelo poeta brasileiro Manuel Bandeira que está disponível em seu volume intitulado Estrela da manhã (1936).

Este poema é um dos mais conhecidos de Bandeira, e destaca-se pela imensa criatividade na abordagem do ambiente de um trem a vapor.

Variadas técnicas e recursos estilísticos são utilizados pelo poeta para expressá-lo, e o mais interessante é notar que, a despeito do que sugerem os “versos livres” nos quais o poema é construído, são eles meticulosamente organizados para que atinjam o efeito desejado.

Sendo assim, preparamos esse texto para que você conheça o poema Trem de ferro, de Manuel Bandeira. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Trem de ferro, de Manuel Bandeira

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô…
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!

Oô…
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô…
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô…
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô…

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente…

Análise do poema

  • Tipo de verso: livre
  • Número de e tipo de estrofes: 6 estrofes irregulares
  • Número de versos: 53 versos

Trem de ferro é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não apresenta regularidade métrica e rímica.

Este é um poema que objetiva a representar com detalhes o ambiente experimentado no interior de um trem a vapor.

Estrutura do poema

Trem de ferro possui 53 versos divididos em seis estrofes irregulares.

O poema é construído em versos livres e não apresenta nenhum padrão métrico ou rímico regular.

Contudo, embora seja construído em versos livres, o ritmo dos versos é rigorosamente trabalhado, de forma que, nalguns versos, uma única sílaba fora do lugar comprometeria o efeito do poema.

A primeira estrofe é aberta com versos idênticos de quatro sílabas, que sugerem a regularidade da marcha de um trem a vapor.

Após uma segunda estrofe que representa o dizer de um possível passageiro, temos uma terceira estrofe em que as quatro sílabas dos primeiros versos parecem converter-se em três, o que sugere a aceleração do trem.

Na estrofe seguinte, vamos que este ritmo é mantido em quase todos os versos, o que nos dá a impressão de uma estabilização da velocidade.

Com esta estabilizada, o poema como que permite que ouçamos dizeres de um passageiro na quinta estrofe, para em seguida despedir-se de nós ao replicar novamente o ritmo da estrofe anterior.

Sentido do poema

Trem de ferro é um poema que objetiva reproduzir o ambiente experimentado por aquele que embarca num trem a vapor.

Para fazê-lo, Manuel Bandeira se vale de uma série de recursos expressivos, misturando aspectos rítmicos, sonoros, discursivos e imagéticos.

O que primeiro reparamos é o já mencionado no tópico anterior e comentado em nosso curso de poesia: embora construído em versos livres, estes versos têm pouco de “livres”, uma vez que há casos em que uma sílaba, ou um único fonema fora do lugar comprometeria o efeito do poema.

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Para exemplificá-lo, vejamos a primeira estrofe:

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Em primeiro lugar, o óbvio: a repetição dos versos sugere a regularidade do movimento do trem, cujo objetivo do poema é replicar.

Em seguida, o valor semântico dos versos: “café com pão” cria-nos mentalmente a imagem desta tradicional refeição brasileira, comumente servida aos passageiros no interior de nossos trens.

Depois, o valor fônico destes versos replica o som do atrito dos componentes metálicos do trem, e é interessantíssimo notar a necessidade de que os fonemas estejam exatamente onde estão para que o poema surta o efeito desejado.

As consoantes oclusivas “c” (som de /k/) e “p” têm de ser necessariamente oclusivas para replicar o contato entre as partes metálicas no movimento, ou seja, caso fossem substituídas, por exemplo, por “s”, “m” ou “l”, esta estrofe perderia o efeito.

O fonema /f/, também reforçado mais adiante no poema, mostra-nos que trata-se de um trem a vapor (e não elétrico), pois sugere o rumor do escape de ar característico destes trens.

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Notamos, também, que o poeta retira dos versos a pontuação, o que contribui para que tenhamos uma sensação de velocidade.

Para que tudo isso fique mais claro, vejamos como estes aspectos influem positivamente no efeito da estrofe, através de alguns exemplos.

Compare:

1) Versos de métrica idêntica, mas sem o amparo das oclusivas:

Mas sim mas não
Mas sim mas não
Mas sim mas não

2) Versos com pontuação, prejudicando a noção de velocidade:

Café com pão,
Café com pão,
Café com pão.

3) Versos originais:

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Fica evidente o quanto estes adequam-se muito melhor ao objetivo do poema. Fica evidente, também, o esmero do poeta em construí-los.

Assim, Manuel Bandeira continua a explorar o valor fônico e rítmico dos versos no restante do poema, inserindo-os no contexto abordado e utilizando outros recursos, como a onomatopeia (“Ôo…”) que simula a buzina da locomotiva.

Porém, além da sonoridade cujo objetivo é reproduzir, há outros elementos que merecem destaque neste criativo poema.

O ambiente de um trem a vapor é instigado em nossa imaginação por variadas imagens, como “Voa, fumaça”, “Passa, poste”, “Passa, boi”, “Passa, boiada”.

Todas elas evocam-nos imediatamente aquilo que poderia ser observado por alguém dentro deste trem.

Além disso, destacamos a linguagem coloquial utilizada em muitos versos que, ressaltando a oralidade e afastando-se da norma padrão (“Virge”, “prendero”, “canaviá”, “oficiá”, “mimbora”), parece nos sugerir a simplicidade e a regionalidade das pessoas que viajam neste trem.

Como o poema cita a cidade de Ouricuri como sendo a terra de um possível passageiro, ficamos sabendo que a oralidade representada é a nordestina.

Finalmente, vemos que o poema evoca a saudade deste possível passageiro de sua terra natal, algo que, contextualizando, sugere-nos uma razão frequente que fazia com que passageiros embarcassem no trem representado à época em que o poema foi escrito.

Por tudo isso, Trem de ferro é um poema brilhante que captura e expressa com vivacidade a essência da experiência de viajar em um trem a vapor no início do século passado.

É um poema, enfim, com uma riqueza expressiva tão grande que só pode ser concebível na cabeça de um gênio.

Sobre Manuel Bandeira

Manuel Bandeira nasceu em Recife, em 19 de abril de 1886.

Além de poeta, foi professor, cronista, crítico literário e professor.

Aos dez anos, deixou Recife com destino ao Rio de Janeiro, onde, de 1897 a 1902, cursou o secundário no colégio hoje chamado Pedro II, bacharelando-se em letras.

Em 1903, matriculou-se na Escola Politécnica de São Paulo para fazer o curso de engenheiro-arquiteto, abandonando-o no ano seguinte por sofrer de tuberculose.

A doença levou-o a vários sanatórios e fê-lo mudar seguidamente de cidade. Entre 1913 a 1914, esteve recuperando-se em Clavadel, na Suíça.

Parecia a tuberculose sugerir que seria curta a vida do jovem poeta; mas, curiosamente, viveu ele até os 82 anos.

Retornando da Suíça ao Brasil, Manuel Bandeira iniciou sua produção literária em periódicos. Em 1917, publicou sua primeira obra, A cinza das horas, e dali em diante passaria os seus anos em intensa produção artística, dando luz a uma das mais ricas obras da poesia moderna brasileira.

Em 1940, foi eleito para a cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras.

Em 13 de outubro de 1968, faleceu, célebre e amplamente considerado um dos maiores poetas da literatura brasileira.

Obras poéticas de Manuel Bandeira

  • A cinza das horas (1917)
  • Carnaval (1919)
  • O ritmo dissoluto (1924)
  • Libertinagem (1930)
  • Estrela da manhã (1936)
  • Lira dos cinquent’anos (1940)
  • Belo belo (1948)
  • Mafuá do Malungo (1948)
  • Opus 10 (1954)
  • Estrela da tarde (1960)

Bônus: versão animada de Trem de ferro, de Manuel Bandeira

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Trem de ferro, de Manuel Bandeira.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Trem de ferro, de Manuel Bandeira (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-trem-de-ferro-manuel-bandeira-poesia/. Acesso em: 15 mai. 2024.