Saiba o que é sextina em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!
A sextina é um tipo de composição poética de execução muito difícil, que exige grande habilidade do poeta.
Empregada originalmente pelos trovadores franceses, a sextina disseminou-se pelas demais literaturas europeias chegando, também, ao nosso português.
A seguir, elucidaremos o que é sextina em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de sextina
A sextina é uma composição poética de 7 estrofes, sendo 6 sextilhas e 1 terceto, cujas palavras finais dos seis primeiros versos se repetem nas estrofes seguintes em outra ordem, conforme o esquema abcdef faebdc cfdabe ecbfad deacfb bdfeca bdf (ou ace).
O termo sextina é derivado do italiano sestina; nesta língua, ela é também chamada sestina lirica ou canzone-sestina, a diferenciá-la da chamada sestina narrativa ou sesta rima.
O terceto final, também chamado envio ou remate, apresenta outra particularidade: afora as três palavras que finalizam os seus versos, as três outras que finalizam versos anteriores aparecem no interior deste terceto, uma em cada verso, geralmente no final dos respectivos hemistíquios.
Como se vê, a palavra final do último verso de cada estrofe aparece finalizando o primeiro verso da estrofe seguinte.
Os versos da sextina, pois, apesar de brancos, são dotados de destacada reiteração fônica após observadas todas estas regras construtivas.
Para que a forma fique mais clara, abaixo daremos um exemplo de Camões, destacando as palavras finais de cada verso:
Foge-me, pouco a pouco, a curta vida,
Se por acaso é verdade que inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo de entre os olhos;
Choro pelo passado; e, enquanto falo,
Se me passam os dias passo a passo.
Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena.Que maneira tão áspera de pena!
Pois nunca uma hora viu tão longa vida
Em que posso do mal mover-se um passo.
Que mais me monta ser morto que vivo?
Pera que choro, enfim? Pera que falo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?Ó fermosos gentis e claros olhos,
Cuja ausência me move a tanta pena
Quanta se não compreende enquanto falo!
Se, no fim de tão longa e curta vida,
De vós me inda inflamasse o raio vivo,
Por bem teria tudo quanto passo.Mas bem sei que primeiro o extremo passo
Me há-de vir a cerrar os tristes olhos,
Que amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena
Que escreverão de tão molesta vida
O menos que passei, e o mais que falo.Oh! que não sei que escrevo, nem que falo!
Que se de um pensamento noutro passo,
Vejo tão triste género de vida
Que, se lhe não valerem tanto os olhos,
Não posso imaginar qual seja a pena
Que traslade esta pena com que vivo.Na alma tenho contino um fogo vivo,
Que, se não respirasse no que falo,
Estaria já feita cinza a pena;
Mas, sobre a maior dor que sofro e passo
Me temperam as lágrimas dos olhos;
Com que, fugindo, não se acaba a vida.Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
Vejo sem olhos, e sem língua falo;
E juntamente passo glória e pena.
História da sextina
A invenção da sextina é atribuída ao poeta provençal Arnaut Daniel, em algo entre 1180 a 1195.
Visto que Arnaut gozava de grande prestígio, esta forma poética rapidamente passou a ser utilizada por outros poetas provençais, e em seguida por poetas italianos, como Dante e Petrarca.
Na França, a introdução da sextina ocorreu no século XVI, e é atribuída a Pontus de Tyard.
Nesta, como em outras línguas, caiu a sextina em desuso, até que um forte movimento a reviveu no século XIX, quando voltou a ser praticada por muitos poetas, especialmente ingleses e franceses, como A. C. Swinburne.
No século seguinte, a sextina encontrou novos entusiastas de renome, como Ezra Pound e W. H. Auden, que a estudaram, comentaram e praticaram.
Na poesia portuguesa, a introdução da sextina é frequentemente atribuída a Bernardim Ribeiro (que a utilizou primeiro) e Jorge de Montemor (que a utilizou pouco depois); embora saibamos que Sá de Miranda também empregou a sextina, possivelmente antes de Bernardim.
Alguns, entre os muitos poetas que empregaram a sextina foram: na poesia italiana, Dante, Petrarca e Pico della Mirandola; na poesia francesa, Pontus de Tyard, Pierre le Loyer e Ferdinand de Gramont; na poesia espanhola, Cervantes e Lope de Vega; na poesia inglesa, Ezra Pound, T.S. Eliot e Edmund Spenser; na poesia portuguesa, Camões, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro e Diogo Bernardes.
Aplicação do sextina
A sextina é, de praxe, empregada em composições do gênero lírico.
A estrutura da sextina, por exigir a repetição de determinadas palavras no final dos versos, automaticamente induz a composição a girar em torno destas palavras, ou das ideias evocadas por elas.
Isso faz com que, ao longo do poema, tenhamos a sensação de um como devaneio, em que as mesmas ideias vão se repetindo, porém em novas nuances, apresentando-se em novos aspectos e adicionando algo à nossa compreensão.
Como deve estar claro, o sucesso da sextina depende da boa escolha das palavras fecharão os seus versos: estas aparecerão sete vezes em posição de destaque ao longo do poema, portanto, devem ser palavras expressivas, que se permitem empregar em proposições variadas — por isso, naturalmente observamos uma inclinação ao emprego de somente substantivos e alguns verbos.
A sextina é empregada tradicionalmente em versos decassílabos, seja em português como noutras línguas; exceção feita à língua francesa, que geralmente a emprega em versos alexandrinos.
Simbolismo da sextina
Se, até agora, pareceu a sextina uma composição complexa, adicionemos as interessantes observações que faz António Cirurgião em A sextina em Portugal nos séculos XVI e XVII:
Dentro do simbolismo dos números, a que certamente a estrutura da sextina está associada, são importantes sobretudo os números seis e sete: o primeiro, devido as seis palavras da rima, ás seis estrofes e aos seis versos de cada estrofe, e o segundo, devido à soma das seis estrofes e do remate.
Para nos mantermos dentro do campo semântico da Bíblia, bastará pensar nos seis dias da criação e no dia de repouso do Senhor ou número sete, para ver, num primeiro relance, a carga de significado simbólico veiculada pelos números, numa época — a Idade Média — em que a linguagem dos símbolos era universalmente aceite em todos os meios de comunicação estética, desde a música à arquitectura, desde a astrologia à poesia. Baseados nos seis dias da criação, os exegetas bíblicos atribuíram ao mundo seis idades. Isto quer dizer que o número seis está associado com a natureza perecível das coisas, ao contrario do número sete. Este, passível de centralidade, está associado com o repouso do Senhor, no séptimo dia, e com a natureza eterna das coisas.
Em termos pitagóricos, o número seis, reflectido nos seis versos de cada estância, nas seis estrofes da sextina e nas seis palavras da rima, fala da instabilidade das coisas, em virtude da sua divisibilidade ou do seu carácter feminino, ao contrário do carácter masculino do número ímpar, indivisível por natureza.
Exemplos de sextina
Abaixo daremos alguns exemplos de sextina em português.
Sextina a um amigo, de Diogo Bernardes
Se pretendeis, senhor, do louro verde
o prêmio alcançar da mão de Febo,
no fresco Pindo celebrado monte,
não deixeis de seguir pelo caminho
que começaste, com louvor das Musas,
que tudo vence um valeroso peito.Em ócio vil um grande e forte peito
passar não deixa a sua idade verde:
querem trabalho e tempo as altas Musas,
não se descobre sempre a luz de Febo,
pouco a pouco se mostra o bom caminho
por entre as brenhas do cerrado monte.Ora no fundo rio, ora no monte,
mil vezes acontece dar de peito
o que cuida que vai por bom caminho,
direito chão pisando a relva verde;
mas logo a quem (na volta) mostra Febo
seguro passo, com favor das Musas.Não que entendam de vós, as brandas Musas,
que tudo vos parece áspero monte
por onde vos obriga a subir Febo:
não entre tal receio em vosso peito,
que em secos troncos acha-se erva verde,
sombras e fontes no pior caminho.Ponde os olhos no fim deste caminho:
vereis no cabo dele estar as Musas,
junto da clara fonte em prado verde,
na mais alegre parte do seu monte,
soltando doces versos do seu peito
ao som da lira do suave Febo.Segui, senhor, segui o brando Febo,
pois sempre vos guiou por bom caminho,
inspirando de novo em vosso peito
segredos altos que convém às Musas
para vos dar capela no seu monte,
da sua (que foi Ninfa) planta verde.Ora seco, ora verde, o seu caminho
nos mostra Febo, sempre firme peito
para das Musas cultivar o monte.
Sextina I, de Pero de Andrade Caminha
Despois que a vós ergui, senhora, os olhos,
Despois que para vós fugiu minh’alma,
Despois que de vós pende minha vida,
Em quanto sem vós vejo, temo a morte;
Que aquele tão ditoso e alvo dia
Me faz tudo sem vós escura noute.Desque o sol nasce té que chega a noute
Não podem ter descanso estes meus olhos,
Desque anoutece té que torna o dia
Os não deixa quietar, nem quieta a alma;
Mil vezes venho a desejar a morte,
Inda que estes desejos são de vida.Mas quem passa em tristezas toda a vida,
Sentindo o dia, não dormindo a noute,
Em que pode buscar senão na morte
Repouso aos fracos e cansados olhos
Que ocupam sempre em mil cuidados a alma
Que nunca de cuidados perde um dia?Aquele claro e bem nascido dia
Poderei dizer só que foi de vida
Que em vós se começou a ocupar a alma,
Que tenho imaginado dia e noute,
Que enchi de vossas graças estes olhos
Onde estarão té que os acabe a morte.Mas quanto sentireis a minha morte,
Porque há-de ser por vós, que inda esse dia
Vos pesará que vejam os tristes olhos,
Que antes quereis que passem assi a vida,
Porque é toda em escura e triste noute
E envolta sempre em mil tristezas a alma!Mas não podeis fugir, senhora, a est’alma
Que não vos ame em tudo; venha a morte,
Sinta tristes cuidados toda a noute,
Veja grandes cruezas todo o dia:
Isso haverei por descansada vida,
Nisso terão repouso os fracos olhos.Se não vos vêm os olhos, vê-vos a alma:
Nela sempre acho vida, neles morte;
Vai-se-me nisto o dia, nisto a noute.