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Verso heroico: o que é, características e exemplos

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Saiba o que é verso heroico em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

O verso heroico é um dos tipos de verso mais consagrados da língua portuguesa, e constitui a base para numerosas das composições mais conhecidas do idioma.

Este verso, introduzido em português por Sá de Miranda no século XVI, desde então tem sido um dos preferidos dos poetas da língua.

A seguir, elucidaremos o que é verso heroico na poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de verso heroico

Em poesia, verso heroico é o nome que se dá ao verso decassílabo que possui acentuação na 6ª sílaba poética.

Como o decassílabo, por definição, pressupõe acentuação na 10ª sílaba, o verso heroico caracteriza-se por acentuação obrigatória na 6ª e 10ª sílabas, segundo o esquema acentual 6-10.

A denominação heroico deriva do fato de que este tipo de verso foi o preferido em composições épicas a partir do Renascimento, e o encontramos predominante, por exemplo, em Os Lusíadas, de Camões, em A Divina Comédia, de Dante, e em Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso.

Há quem aplique a denominação verso heroico para referir-se genericamente ao decassílabo; o mais comum, porém, é que o verso heroico, ou decassílabo heroico, refira-se ao decassílabo acentuado na 6ª sílaba poética.

Características do verso heroico

O verso heroico, como está dito, caracteriza-se por apresentar acentuação obrigatória na 6ª e 10ª sílabas, segundo o esquema acentual 6-10.

Ocorre, porém, que dificilmente ele apresenta somente esses dois acentos, e é possível construí-lo com numerosos esquemas acentuais.

A posição do acento na sexta sílaba confere um apoio rítmico interessante a este verso, já as variadas possibilidades de posicionamento dos demais acentos conferem-lhe grande dinamismo.

Como notado por Manuel Said Ali em Versificação portuguesa, o verso heroico possui uma característica interessante, que consiste na homogeneidade rítmica a partir da 6ª sílaba. Nas palavras do mestre:

Com a acentuação na 6ª sílaba pode-se mudar o ritmo até o centro do verso; vem depois invariavelmente a cadência – ~ – ~ – (obs.: Said Ali refere-se aos versos de terminação grave). A oitava sílaba destes versos ou é forte por natureza, ou semiforte, isto é, fraca valorizada por vir entre duas outras fracas.

Embora o verso heroico seja largamente utilizado e constitua a base de inúmeras composições, é comum vê-lo entremeado de alguns decassílabos de diferente esquema acentual, especialmente do chamado verso sáfico (acentuação na 4ª e 8ª sílabas).

Abaixo daremos alguns exemplos de verso heroico, com nosso destaque para as sílabas tônicas.

Esquema acentual 1-3-6-10:

Fundem círculos ximos de espanto
(Geir Campos)

Esquema acentual 1-4-6-8-10:

Pode habitar talvez um Deus distante
(Antero de Quental)

Esquema acentual 3-6-10:

Com o amarrilho vermelho das estradas
(Cassiano de Abreu)

Esquema acentual 2-6-8-10:

Ad Curso de Poesia

As obras com que Amor matou de amores
(Camões)

Esquema acentual 1-6-10:

Leda serenidade deleitosa
(Camões)

Exemplos de verso heroico

Abaixo daremos alguns exemplos de composições em que os versos heroicos predominam:

Busque Amor novas artes, novo engenho, de Camões

Nesta composição, todos os versos são heroicos:

Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n’alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei por quê.

Vaso grego, de Alberto de Oliveira

Nesta composição, apenas o décimo, décimo segundo e décimo quarto versos são sáficos; os demais são heroicos:

Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que a suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois… Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás-de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.

A Ideia, de Augusto dos Anjos

Nesta composição, apenas o primeiro verso é sáfico; os demais são heroicos:

De onde ela vem? De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas da laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica…

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica!

A cavalgada, de Raimundo Correia

Nesta composição, apenas o primeiro e o último verso são sáficos; os demais são heroicos.

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A lua banha a solitária estrada…
Silêncio!… Mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando
O remanso da noite embalsamada…

E o bosque estala, move-se, estremece…
Da cavalgada o estrépito aumenta
Perde-se após no centro da montanha…

E o silêncio outra vez soturno desce…
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha…

Acrobata da dor, de Cruz e Sousa

Nesta composição, temos o segundo, o quarto, o sexto, o oitavo, o décimo primeiro e o décimo segundo como versos sáficos; os demais são heroicos:

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço…

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.