Saiba o que é octossílabo em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!
Diferentemente do heptassílabo, o octossílabo é um tipo de verso de rara utilização em português.
Isso, ao menos, historicamente; contudo, este metro teve ocorrência significativamente aumentada a partir do fim do século XIX, tornando-se um metro estimado por alguns poetas portugueses de grande valor.
A seguir, elucidaremos o que é octossílabo na poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.
Definição de octossílabo
Em poesia, octossílabo é o nome que se dá ao verso que possui oito sílabas poéticas, segundo a contagem silábica praticada em português.
Nesta contagem, também chamada contagem francesa ou contagem de Castilho, considera-se para efeito de definição do metro o número de sílabas poéticas do verso até sua última sílaba tônica.
Desta forma, o octossílabo pode possuir oito, nove ou dez sílabas poéticas reais, a depender se sua última sílaba tônica recai em palavra aguda, grave ou esdrúxula, respectivamente.
Geir Campos também registra para este metro a denominação de octonário; embora seja esta mais comumente aplicada ao verso greco-latino de oito pés.
Quanto à acentuação, o verso octossílabo possui, normalmente, três ou quatro sílabas fortes.
Características do verso octossílabo
O octossílabo era, até pouco tempo atrás, raríssimo em português.
Castilho, em seu tratado, publicado na segunda metade do século XIX, disse que “o metro de oito sílabas, pode-se dizer que ainda não é utilizado em português”.
Décadas depois, Said Ali ainda o chamava de “pariá de nossas formas poéticas” e dizia que “se o vemos usado com firmeza em algumas composições, é que o autor quer provar destreza em manejar versos tanto desta espécie como das outras mais comuns”.
Contudo, já neste tempo notava-se um aumento expressivo de sua utilização, por poetas como o próprio Castilho, Guerra Junqueiro, Machado de Assis, Olavo Bilac, Almeida Garrett, entre outros, até culminar em exemplos como o de Cecília Meireles e Alphonsus de Guimaraens, que tiveram este metro como um de seus preferidos.
Cabe notar que tais autores tiveram forte influência inglesa e, especialmente, francesa — línguas em que o octossílabo é empregado com grande frequência.
O octossílabo é normalmente empregado em estrofes isométricas, como metro autônomo, mas também o encontramos em estrofes heterométricas, especialmente associado ao tetrassílabo, como no célebre poema Profissão de fé, de Olavo Bilac.
Quanto ao ritmo, o verso octossílabo, em português, é empregado tanto em estrofes de cadência silábica, quanto silábico-acentual.
Tipos de octossílabo
O octossílabo, quando empregado com cadência estrófica (silábico-acentual), isto é, com acentos fixos por toda a estrofe, geralmente segue o padrão de 4ª e 8ª sílabas acentuadas, mas encontramos também exemplos de esquema acentual 2-5-8 e 3-6-8.
Este padrão mais comum é caracterizado por uma quarta sílaba sempre forte, comportando diversas variações de realização (2-4-6-8, 2-4-8, 4-6-8, 1-4-8, etc.).
Encontramos, também, o octossílabo em português com cadência apenas silábica, variando a acentuação de verso para verso.
Abaixo, destacamos quatro tipos básicos de octossílabo, que se desdobram em diversas variações.
Aos exemplos, agradecemos e valemo-nos das coletas de Said Ali (Versificação portuguesa) e Rogério Chociay (Teoria do verso):
Tipo 1: esquema acentual 4-8 (- – – ~ – – – ~)
Este tipo, o mais comum entre todos, embora se caracterize pela quarta sílaba forte, dificilmente apresenta somente ela acentuada.
Abaixo um exemplo, com nosso destaque para as sílabas tônicas:
Da formosura triunfal
(Vicente de Carvalho)
A variação mais comum é de alternância binária (2-4-6-8), que reproduz um ritmo iâmbico encontrado em versos de qualquer extensão:
O infante dorme, o infante sonha
(Raimundo Correia)
Exemplo de variação 4-6-8:
Aos borbotões o sangue cai
(Olavo Bilac)
Variação 2-4-8:
Terríveis páginas da vida
(Olavo Bilac)
Variação 1-4-6-8:
Sonha a nudez: brutal e impuro
(Vicente de Carvalho)
Variação 1-4-5-8:
Ai! coração! peno e definho
(Olavo Bilac)
Tipo 2: esquema acentual 1-3-6-8 (~ – ~ – – ~ – ~)
Este esquema também é frequentemente encontrado, e desdobra-se em algumas variações:
Sete damas por mim passaram
(Alphonsus de Guimaraens)Duros, fortes, blindados como
(Jorge de Lima)
Variação 3-6-8, com movimento anapéstico até a sexta sílaba:
Com o riso de um deus enfermo
(Machado de Assis)
Variação 1-3-8:
Vozes quentes de lavadeiras
(Ribeiro Couto)
Variação 3-8:
Com figuras alucinadas
(Cecília Meireles)
Tipo 3: esquema acentual 2-5-8 (- ~ – – ~ – – ~)
Este esquema, um pouco mais raro, também aparece em alguns poetas, e concretiza um ritmo anfibráquico:
E aquele que os mortos reúne
(Alphonsus de Guimaraens)Colore as areias desertas
(Cecília Meireles)
Tipo 4: esquema acentual 2-6-8 (- ~ – – – ~ – ~)
Este tipo, embora parecido com o primeiro, elimina a acentuação da quarta sílaba:
E nada ficará impune
(Alphonsus de Guimaraens)Vencendo sucessivos planos
(Cecília Meireles)
Variação 2-8:
Nasceram das encruzilhadas
(Cecília Meireles)
Nesta última variação, nota-se atuante o fenômeno da tônica secundária.
Exemplos de verso octossílabo
Abaixo veremos alguns exemplos de aplicação do verso octossílabo em estrofes isométricas e heterométricas:
Canção, de Cecília Meireles
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
Mar português, de Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Profissão de fé, de Olavo Bilac
Não quero o Zeus Capitolino
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino
Com o camartelo.Que outro – não eu! – a pedra corte
Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte
Descomunal.Mais que esse vulto extraordinário,
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário
De fino artista.Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.Porque o escrever – tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal… nem há notícia
De outro qualquer.Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!Deusa! A onda vil, que se avoluma
De um torvo mar,
Deixa-a crescer; e o lodo e a espuma
Deixa-a rolar!Blasfemo> em grita surda e horrendo
Ímpeto, o bando
Venha dos bárbaros crescendo,
Vociferando…Deixa-o: que venha e uivando passe
– Bando feroz!
Não se te mude a cor da face
E o tom da voz!Olha-os somente, armada e pronta,
Radiante e bela:
E, ao braço o escudo> a raiva afronta
Dessa procela!Este que à frente vem, e o todo
Possui minaz
De um vândalo ou de um visigodo,
Cruel e audaz;Este, que, de entre os mais, o vulto
Ferrenho alteia,
E, em jato, expele o amargo insulto
Que te enlameia:É em vão que as forças cansa, e à luta
Se atira; é em vão
Que brande no ar a maça bruta
A bruta mão.Não morrerás, Deusa sublime!
Do trono egrégio
Assistirás intacta ao crime
Do sacrilégio.E, se morreres por ventura,
Possa eu morrer
Contigo, e a mesma noite escura
Nos envolver!Ah! ver por terra, profanada,
A ara partida
E a Arte imortal aos pés calcada,
Prostituída!…Ver derribar do eterno sólio
O Belo, e o som
Ouvir da queda do Acropólio,
Do Partenon!…Sem sacerdote, a Crença morta
Sentir, e o susto
Ver, e o extermínio, entrando a porta
Do templo augusto!…Ver esta língua, que cultivo,
Sem ouropéis,
Mirrada ao hálito nocivo
Dos infiéis!…Não! Morra tudo que me é caro,
Fique eu sozinho!
Que não encontre um só amparo
Em meu caminho!Que a minha dor nem a um amigo
Inspire dó…
Mas, ah! que eu fique só contigo,
Contigo só!Vive! que eu viverei servindo
Teu culto, e, obscuro,
Tuas custódias esculpindo
No ouro mais puro.Celebrarei o teu oficio
No altar: porém,
Se inda é pequeno o sacrifício,
Morra eu também!Caia eu também, sem esperança,
Porém tranquilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Em prol do Estilo!