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Poema Mar português, de Fernando Pessoa (com análise)

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Conheça o poema Mar português, de Fernando Pessoa (“Tudo vale a pena se a alma não é pequena”…) e confira nossa análise!

Mar português é um poema escrito pelo poeta português Fernando Pessoa que está disponível em sua obra Mensagem (1934).

Este é um dos poemas mais conhecidos de Pessoa, e um dos que expressa com mais beleza o orgulho patriótico sentido pelo poeta.

Mas o poema não se resume a isso, e contém uma mensagem muito bonita.

Graças a ele, a frase “tudo vale a pena se a alma não é pequena” tornou-se um dito popular em português.

Sendo assim, preparamos esse texto para que você conheça o poema Mar português, de Fernando Pessoa. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Mar português, de Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Análise do poema

Mar português é um poema construído em três tipos de verso (ou metros) diferentes, portanto, é um poema que utiliza metrificação. Os versos também utilizam rimas.

O poema pode ser resumido numa exaltação dos feitos portugueses no período histórico que ficou conhecido pelas Grandes Navegações.

Estrutura do poema

Mar português possui 12 versos divididos em dois sextetos (ou sextilhas).

As estrofes utilizam rimas que chamamos emparelhadas, isto é, são rimas que se dão em pares, apresentando-se conforme o esquema aabbcc.

Quanto à métrica, o poema alterna versos decassílabos e octossílabos, exceção feita ao oitavo verso, que é um hexassílabo.

Percebemos claramente que o poema tem uma divisão interna que se dá de duas maneiras.

Na primeira delas, vemos que os versos se agrupam em pares não apenas no que tange às rimas: cada par encerra uma frase, finalizada por pontuação.

Além disso, notamos que Pessoa, ao encerrar cada uma destas frases com um verso de metro menor que o anterior, dá-lhe algo de epigramático, conclusivo que, reforçado pela pontuação, induz uma pausa maior na leitura.

Percebemos, também, que a estrofação divide o poema em duas partes lógicas evidentes: a primeira estrofe trata de aspectos “negativos”, e a segunda de aspectos “positivos” a respeito do tema abordado no poema, como se viesse a segunda para contestar a primeira.

Algumas citações para entender Mar português

Antes de abordarmos o sentido do poema, cremos ser interessante mencionar alguns trechos de Fernando Pessoa, disponíveis no volume 6 de sua obra completa (Ed. RuriaK Ink.), intitulado Escritos sobre política e sociedade.

Veremos, pois, o sentimento patriótico que pulsava em Fernando Pessoa, que permeia toda a sua obra Mensagem.

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A civilização a que pertencemos assenta em quatro fundamentos: a Cultura Grega, a Ordem Romana, a Moral Cristã, a Universalidade Moderna, esta última criada pela Itália, quanto à formação de nacionalidades distintas, que nela primeiro emergiram em semelhança dos estados-cidades dos gregos e romanos; por Portugal, pelos descobrimentos, quanto à conversão da simples civilização europeia em civilização mundial; pela Inglaterra […]

(…)

Vieram, finalmente, as nossas descobertas marítimas, que criaram o elemento colonialista da civilização moderna. E a nossa glória imarcescível que a civilização europeia é numa das suas partes importantes criação nossa. Por nós existe hoje uma civilização americana. Por nós há cidades e civilizações na África, na Austrália, na Índia na Ásia longínqua. Tudo quanto, longe da Europa, é europeu, a nós o deve. De nós descende a grandeza presente do Japão, como a existência colonial da Inglaterra. Que, se nós o não houvéssemos feito, outros o fariam, não é argumento que se empregue. Porque não é precisa a hipótese, onde há o fato. E o fato é que fomos nós que o fizemos.

(…)

O português do tipo imperial absorve a inteligência com a imaginação — a imaginação é tão forte que, por assim dizer, integra a inteligência em si, formando uma espécie de nova qualidade mental. Daí os Descobrimentos, que são um emprego intelectual, até prático, da imaginação.

(…)

(…) estou farto e doido da longa injustiça que a nosso respeito são todas as histórias da Europa.

Sentido do poema

Mar português é um poema que exalta os descobrimentos portugueses da época das Grandes Navegações.

Já no título percebemo-lo, posto que Pessoa, chamando o mar de “português”, dá a entender que os portugueses conquistaram-no e portanto, têm o direito de chamá-lo seu.

Assim o poema começa:

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Nos primeiros versos, o eu lírico insinua metaforicamente que o sal marítimo é composto, em alguma medida, de lágrimas portuguesas.

Quer isto dizer que muito sofrimento resultou das iniciativas empreendidas por portugueses, que deixavam suas famílias para navegar, muitas vezes a rumos desconhecidos, e muitas vezes sem jamais retornar.

Nos versos seguintes o eu lírico menciona que “mães choraram”, “filhos em vão rezaram”, “noivas ficaram por casar”, aludindo ao desamparo daqueles que perderam pessoas queridas em razão das tragédias marítimas que ocorreram neste período.

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No último verso, o eu lírico insinua que foi tudo isso necessário para que o mar fosse finalmente conquistado por Portugal.

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Esta última estrofe é de uma beleza indescritível.

O eu lírico começa com um questionamento: “Valeu a pena?”. Assim, vemos que a estrofe tratará de tentar responder se houve alguma recompensa pelos sacrifícios descritos na estrofe anterior, isto é, se de algum modo ficaram justificados o sofrimento e as mortes decorrentes das Grandes Navegações.

Responde o próprio eu lírico: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”; ou seja, tudo é justificável para aquele que consegue extrair sentido e aprender com as adversidades da vida, para aquele que não se apega aos aspectos superficiais dos eventos.

“Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor” — mais um par belíssimo de versos que querem dizer que aquele que deseja alcançar grandes objetivos (metaforizados pelo Bojador) tem de superar obstáculos que surgirão em seu caminho, tem de ser mais forte que a dor e avançar com firmeza e coragem.

Por fim, o poema é encerrado com esta imagem maravilhosa que exibe o contraste entre as dificuldades de se conquistar e as glórias da conquista, justificando todo o poema e o questionamento colocado no primeiro verso desta estrofe.

Dizendo que “Deus ao mar o perigo e o abismo deu”, “mas nele é que espelhou o céu”, o eu lírico sugere que para alcançar o “céu”, ou seja, a glória, a eternidade, o divino, é preciso enfrentar o “perigo” e o “abismo”, quer dizer, é preciso aceitar e encarar com firmeza as dificuldades.

Assim, Mar português é um poema que vangloria o espírito valente e corajoso daqueles que arriscaram e até perderam a vida para obter este grande prêmio: a conquista do mar.

Sobre Fernando Pessoa

Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888.

Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, entre outros.

Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias, recusando alguns empregos para que pudesse se dedicar à literatura.

O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.

Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.

O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.

Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935, deixando em seu espólio cerca de 25 mil páginas de textos, que vêm sendo publicados lentamente desde então.

Os heterônimos de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.

Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:

  • Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
  • Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
  • Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
  • Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.

Obras de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.

Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:

  • 35 sonnets (1918)
  • Antinous (1918)
  • English poems (1921) — em três volumes
  • Mensagem (1934)
  • A Nova Poesia Portuguesa (1944)
  • Poemas Dramáticos (1952)
  • Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
  • Sobre Portugal (1979)
  • Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
  • Livro do desassossego (1982)
  • Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
  • Primeiro Fausto (1986)

Bônus: comentário sobre a frase “tudo vale a pena se a alma não é pequena”

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Mar português, de Fernando Pessoa.

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Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Mar português, de Fernando Pessoa (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/mar-portugues-fernando-pessoa-tudo-vale-a-pena/. Acesso em: 14 mai. 2024.