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Poema Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo (com análise)

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Conheça o poema Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo, e confira nossa análise!

Lembrança de morrer é um poema escrito pelo poeta brasileiro Álvares de Azevedo, e foi publicado pela primeira vez no volume Lira dos vinte anos (1853), um ano após a morte do autor.

O poema é, em suma, uma reflexão sobre a morte e possui cunho destacadamente existencialista.

Como outras composições do poeta, Lembrança de morrer impressiona pela profundidade e pungência, e exibe uma maturidade poética incomum para um jovem que faleceu com apenas 20 anos.

Sendo assim, preparamos esse texto para que você conheça o poema Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo

No more! O never more!
(Shelley)

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade — é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas…
E de ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai… de meus únicos amigos,
Poucos — bem poucos — e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei… que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores…
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo…
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
— Foi poeta — sonhou — e amou na vida. —

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos…
Deixai a lua pratear-me a lousa!

Análise do poema

  • Tipo de verso: decassílabo rimado
  • Número e tipo de estrofes: 12 estrofes regulares
  • Número de versos: 48 versos

Lembrança de morrer é construído em decassílabos, portanto, é um poema que utiliza metrificação.

O poema também utiliza rimas, alternando versos rimados com versos brancos em todas as estrofes.

Estrutura do poema

Lembrança de morrer possui 48 versos divididos em 12 quadras (ou quartetos).

Todas as estrofes possuem o mesmo padrão de rima e alternam versos brancos com versos rimados, de forma que o primeiro e o terceiro verso não rimam e o segundo verso rima com o quarto.

Quanto à métrica, os versos do poema são decassílabos, isto é, apresentam, cada um deles, dez sílabas poéticas.

A este padrão, há uma única exceção, o quarto verso, que é hexassílabo, isto é, possui seis sílabas poéticas. Este tipo de verso, quando inserido em composições predominantemente constituídas de metros maiores, é chamado verso quebrado.

Quanto ao ritmo, Lembrança de morrer segue o padrão do decassílabo italiano clássico e apresenta sempre uma das duas variações: ou se acentua a sexta sílaba, ou se acentua, simultaneamente, a quarta e a oitava sílaba dos versos.

A conformidade a esse padrão rítmico dota o poema de uma musicalidade destacada, que é reforçada pelo uso de rimas.

Sentido do poema

Lembrança de morrer é um poema lírico cujo tema central é a morte.

O sujeito poético coloca-se a refletir sobre o dia em que morrerá, expressando desejos e evocando lembranças, como se fizesse um julgamento sobre a própria vida.

O poema é aberto com os seguintes versos:

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

Aqui, vemos claramente qual a intenção do eu lírico com a composição: os versos que se seguirão farão uma reflexão sobre a morte.

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“Quando em meu peito rebentar-se a fibra, que o espirito enlaça a dor vivente”, naturalmente, é um eufemismo que busca suavizar uma ideia que poderia ser traduzida como “no dia em que eu morrer”.

Daqui em diante, o sujeito poético continuará em suas reflexões.

Em primeiro lugar, ele pede que por ele não sejam derramadas lágrimas e que “não se cale uma nota de alegria” em razão de seu óbito, ou seja, ele expressa o desejo de que sua morte não gere sofrimento em ninguém.

Em seguida, passa ele a raciocinar como se já estivesse a morrer, e faz um juízo sobre quanto viveu.

Diz ele que deixa a vida como “deixa o tédio do deserto”, uma metáfora que expressa o vazio e a solidão que ora sente.

Ele tenta suavizar tal momento comparando-o como o fim de um “longo pesadelo” e como o “desterro” de sua “alma errante”.

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A partir deste ponto, isto é, da quarta estrofe, ele começa a evocar aquilo que lhe foi mais valioso na vida e que, portanto, deixará saudade.

Evoca ele o tempo “que amorosa ilusão embelecia”, permitindo-nos concluir, assim, que ele sofreu uma desilusão amorosa.

Em seguida, ele evoca a mãe, o pai e os poucos amigos que teve, explicitando o carinho e o afeto que sente por todos eles.

Após estender um pouco mais suas reflexões, o eu lírico encerra a composição com proposições e imagens muito comoventes:

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta – sonhou – e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Tais versos parecem manifestar um certo orgulho, uma certa satisfação que experimenta o eu lírico em relação ao que foi, ainda que se encontre diante das circunstâncias já manifestas nos versos anteriores.

A inscrição desejada na lápide evidencia aquilo que lhe foi mais importante na vida: o ser poeta, o sonhar e o amar.

Porém, aqui, temos outro elemento interessante: a morte não parece assustadora, mas possui encantos inacessíveis de outra forma e se nos apresenta, pois, idealizada:

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos…
Deixai a lua pratear-me a lousa!

A imagem utilizada nesta última estrofe é significativa da mensagem que deseja passar o sujeito poético: a lua iluminando sua lápide (sua “lousa”) representa a transmissão para a posteridade de uma vida ditosa (conforme a inscrição desejada), talvez diferente daquela que tivera.

Porém, mais do que isso: representa a sua eternização como poeta, o reconhecimento de sua vocação e da sinceridade daquilo que sentiu.

Assim, Lembrança de morrer é um poema que não se limita a uma visão negativa da realidade e explicita uma postura serena e positiva diante da morte.

Sobre Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo (SP), em 12 de setembro de 1831.

O pouco que se sabe de sua vida está presente nas cartas que deixou.

Ainda criança, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde viveu até 1848.

Retornou a São Paulo para cursar a Faculdade de Direito, entregando-se à vida boêmia.

Em 1851, teve de deixar a faculdade em razão de uma tuberculose.

Como poeta, não chegou a publicar nenhuma obra em vida, embora tenha publicado alguns poemas, artigos e discursos dispersos.

Sofreu um acidente de cavalo em 1852, viajando com a família, e foi obrigado a realizar uma cirurgia, da qual não se recuperou.

Faleceu em 25 de abril deste mesmo ano.

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver ver o que escrevemos sobre Este inferno de amar, de Almeida Garrett.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo (com análise). [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-lembranca-de-morrer-alvares-de-azevedo/. Acesso em: 25 out. 2024.