Conheça o poema Pneumotórax, de Manuel Bandeira, e confira nossa análise!
Pneumotórax é um poema escrito pelo poeta brasileiro Manuel Bandeira e publicado em seu quarto livro, Libertinagem (1930).
Neste poema vemos algumas das características mais marcantes da poesia de Bandeira, sutil e comovente, que quase sempre guarda algo profundo em versos esteticamente simples.
Pneumotórax insere bom humor e ironia na narração de um acontecimento triste, e é um poema muito representativo da veia modernista do poeta.
Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça Pneumotórax, de Manuel Bandeira. Em seguida, você poderá conferir nossa análise do poema.
Boa leitura!
Pneumotórax, de Manuel Bandeira
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.……………………………………………………………………….
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não.
— A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Análise do poema
- Tipo de verso: livre
- Número de e tipo de estrofes: 4 estrofes irregulares
- Número de versos: 11 versos
Pneumotórax é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não utiliza nem metrificação, nem rima.
O poema é de apresentação simples e narra um diálogo entre um médico e seu paciente.
Estrutura do poema
Pneumotórax possui 11 versos divididos em quatro estrofes irregulares.
O poema é escrito em versos livres, que não seguem nenhum padrão métrico ou rítmico.
Os versos também não utilizam rimas, e valem-se de uma linguagem coloquial, o que sugere uma leitura leve e despretensiosa.
Sentido do poema
Pneumotórax é um poema que dramatiza a situação de um tuberculoso.
O poema é construído como se fosse prosa, e sua poesia está contida nos sentimentos que estão implícitos na narrativa.
No início do século XX, a tuberculose era uma doença mortal e crudelíssima, que alterava por completo a vida daqueles que a contraíam.
Naquele tempo, era ela chamada pelos jornais de “peste branca”, e o tuberculoso geralmente abandonava sua rotina para instalar-se em sanatórios localizados em regiões montanhosas, cujo clima e atmosfera rarefeita, aliados ao repouso e à boa alimentação, eram as medidas mais recomendadas pelos médicos como tratamento à doença.
Manuel Bandeira, como muitos outros artistas, sofreram com a tuberculose, e é com este pano de fundo que devemos interpretar Pneumotórax.
Assim começa o poema:
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
O primeiro e o terceiro verso da estrofe apresentam sintomas de uma doença não anunciada.
A repetição de “tosse, tosse, tosse” sugere a insistência de tal doença que, embora não declarada, seria um tanto óbvia para alguém inserido no contexto evocado pelo poema.
“A vida inteira que podia ter sido e que não foi”: este simples verso, que está sem dúvida entre os mais expressivos de toda a literatura brasileira, dita o estado de espírito em que se encontra a personagem que sofre os sintomas descritos, conferindo uma dramaticidade incomum ao poema.
“A vida inteira” sugere a persistência da doença por longos anos; “que podia ter sido e que não foi” evoca quanto a doença prejudicou a vida da personagem, quanto teve ela de abrir mão por causa de seu estado de saúde.
Tais versos sugerem, ainda, os sonhos não concretizados em razão da doença, as possibilidades sepultadas, e toda uma infinidade de conotações comoventes.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
Temos aqui como um choque, especialmente se tivermos permitido que nossa mente divagasse sobre as implicações dos versos anteriores: aqui, é a realidade que se impõe.
Esta situação banalíssima de diálogo entre o médico e o paciente representa um exame clínico, talvez replique os muitos pelos quais o próprio Manuel Bandeira passou, e evidencia, também, algo de cômico e absurdo.
Quer dizer: temos um paciente a sofrer uma doença terrível que lhe roubou boa parte da vida e o médico solicita-o que diga “trinta e três”?
A comicidade está em ser perfeitamente isso que o médico faz, e no fato de que o paciente diz e repete tal número, sendo tudo isso narrado com absoluta objetividade.
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não.
— A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Esta estrofe final, que encerra Pneumotórax, é um tanto óbvia: com a mesma objetividade dos versos anteriores, o médico apresenta o diagnóstico do exame, informando o estado dos pulmões do paciente.
Este pergunta se é possível “tentar o pneumotórax”, isto é, se há alguma cura possível para seu estado, e recebe do médico um seco e definitivo “não”.
Por fim, o diálogo é encerrado com a afirmação de que “a única coisa a fazer é tocar um tango argentino”, que poderia ser traduzida como “não há nada a se fazer” ou, com mais ironia, “aproveite a sua doença”.
Naturalmente, médico nenhum faria uma piada em situação de tal gravidade, mas uma mensagem como esta, na maneira em que está inserida, parece ser uma manifestação de leveza do próprio Manuel Bandeira em face da sua doença.
Pneumotórax, portanto, é um poema que mescla bom humor e drama com uma sutileza só possível em um poeta habilidosíssimo como Manuel Bandeira.
Manuel Bandeira, tuberculose e Pneumotórax
Para entender a pungência de Pneumotórax, é preciso dizer algumas palavras sobre a relação de Manuel Bandeira com a tuberculose.
O poeta foi diagnosticado com a doença aos dezoito anos. Na época, era a tuberculose uma doença para a qual não se falava em cura.
Assim, convencido de que não viveria mais do que quinze anos a partir do diagnóstico, o poeta abandonou o sonho de ser arquiteto.
Foram muitas noites insones, acompanhadas de uma tosse insistente, que fizeram o poeta mudar-se diversas vezes em busca de melhores ares.
Foi ele a Teresópolis, Petrópolis, Itaipava, Campos do Jordão, entre outras cidades, inclusive Clavadel, na Suíça.
Em cada um desses lugares, enquanto sofria, o poeta escrevia e compunha.
Aos cinquenta e seis anos, veio Pneumotórax: cinquenta e seis anos, portanto, muitos mais do que o poeta supunha que viveria.
Desta forma, não há como não interpretar o bom humor de Pneumotórax como um sorriso do poeta perante a doença que tanto o afligiu.
Sobre Manuel Bandeira
Manuel Bandeira nasceu em Recife, em 19 de abril de 1886.
Além de poeta, foi professor, cronista, crítico literário e professor.
Aos dez anos, deixou Recife com destino ao Rio de Janeiro, onde, de 1897 a 1902, cursou o secundário no colégio hoje chamado Pedro II, bacharelando-se em letras.
Em 1903, matriculou-se na Escola Politécnica de São Paulo para fazer o curso de engenheiro-arquiteto, abandonando-o no ano seguinte por sofrer de tuberculose.
A doença levou-o a vários sanatórios e fê-lo mudar seguidamente de cidade. Entre 1913 a 1914, esteve recuperando-se em Clavadel, na Suíça.
Parecia a tuberculose sugerir que seria curta a vida do jovem poeta; mas, curiosamente, viveu ele até os 82 anos.
Retornando da Suíça ao Brasil, Manuel Bandeira iniciou sua produção literária em periódicos. Em 1917, publicou sua primeira obra, A cinza das horas, e dali em diante passaria os seus anos em intensa produção artística, dando luz a uma das mais ricas obras da poesia moderna brasileira.
Em 1940, foi eleito para a cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras.
Em 13 de outubro de 1968, faleceu, célebre e amplamente considerado um dos maiores poetas da literatura brasileira.
Obras poéticas de Manuel Bandeira
- A cinza das horas (1917)
- Carnaval (1919)
- O ritmo dissoluto (1924)
- Libertinagem (1930)
- Estrela da manhã (1936)
- Lira dos cinquent’anos (1940)
- Belo belo (1948)
- Mafuá do Malungo (1948)
- Opus 10 (1954)
- Estrela da tarde (1960)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Pneumotórax, de Manuel Bandeira.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre o poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa.
Um abraço e até a próxima!