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Poema Acordo de noite, muito de noite…, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) (com análise)

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Conheça o poema Acordo de noite, muito de noite…, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) e confira nossa análise!

Acordo de noite, muito de noite… é um poema escrito pelo poeta português Fernando Pessoa, disponível em Poesias de Álvaro de Campos (1944).

O poema é datado de 25 de novembro de 1931 e explora a experiência de um insone que, no meio da madrugada, descobre sua insônia ser compartilhada através de uma janela acesa.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema Acordo de noite, muito de noite…, de Fernando Pessoa. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.
São — tictac visível — quatro horas de tardar o dia.
Abro a janela diretamente, no desespero da insônia.
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela iluminada!

Fraternidade na noite!
Fraternidade involuntária, incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.

Quem serás? Doente, moedeiro falso, insone simples como eu?
Não importa. A noite eterna, informe, infinita,
Só tem, neste lugar, a humanidade das nossas duas janelas,
O coração latente das nossas duas luzes,
Neste momento e lugar, ignorando-nos, somos toda a vida.
Sobre o parapeito da janela da traseira da casa,
Sentindo úmida da noite a madeira onde agarro,
Debruço-me para o infinito e, um pouco, para mim.

Nem galos gritando ainda no silêncio definitivo!
Que fazes, camarada, da janela com luz?
Sonho, falta de sono, vida?
Tom amarelo cheio da tua janela incógnita…
Tem graça: não tens luz elétrica.
Ó candeeiros de petróleo da minha infância perdida!

Análise do poema

  • Tipo de verso: livre
  • Número e tipo de estrofes: 4 estrofes irregulares
  • Número de versos: 23 versos

Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo é construído em versos livres; portanto, é um poema que não utiliza nem metrificação, nem rima.

O poema relata a experiência de um insone que, em alta madrugada, percebe haver outro insone que permanece com a janela acesa.

Estrutura do poema

Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo possui 23 versos divididos em 4 estrofes irregulares.

Os versos são livres, isto é, são versos de métrica variável, construídos sem se importar com a regularidade em sua extensão silábica.

O poema também não utiliza rimas.

Sentido do poema

Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo é um poema que relata a experiência de um insone que, no meio da noite, abre a janela e depara-se com outra janela acesa.

Assim é sua primeira estrofe:

Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.
São — tictac visível — quatro horas de tardar o dia.
Abro a janela diretamente, no desespero da insônia.
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela iluminada!

Já aqui, vemos o objetivo e a motivação do poema: o eu lírico, insone, envolvido no silêncio da noite, subitamente descobre não estar sozinho nesta situação.

A cena descrita é interessante porque nos mostra o impacto emocional de tal descoberta.

O eu lírico, agoniado na espera da alvorada, “no desespero da insônia”, sozinho, escutando um tique-taque um tanto sombrio, “de repente” descobre que sua experiência é compartilhada.

Vamos que o adjetivo “humano”, a representação da cruz na janela e a exclamação dão bem o tom da descoberta: imediatamente, brota no eu lírico um sentimento de identificação com o outro insone, que espanta de si a solidão e a melancolia.

A estrofe seguinte é aberta com mais exclamações:

Fraternidade na noite!
Fraternidade involuntária, incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.

Daqui em diante, é este o sentimento que será abordado pelo eu lírico: a fraternidade, a conexão humana involuntária e inesperada, que cria um elo único entre os dois seres ante a humanidade inteira.

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Através desta experiência compartilhada, pois, o eu lírico, ainda que não conheça o outro insone, sente-se iluminar pela certeza de que não está sozinho.

A estrofe seguinte começa com o eu lírico expressando sua curiosidade a respeito de seu companheiro de insônia, para em seguida tornar a exaltar a singularidade desta experiência.

Finalmente, o poema termina com o eu lírico a reparar que a luz refletida na janela que observa não é proveniente de energia elétrica.

Então, ele relembra os “candeeiros de petróleo” de sua “infância perdida”, traçando um interessantíssimo elo entre o presente e o passado através deste desconhecido insone, que agora se afigura ainda mais próximo do eu lírico.

Quer dizer: a experiência da insônia compartilhada faz ressurgir na mente do eu lírico sentimentos e reminiscências de alto valor afetivo.

Tudo isso, em suma, parece querer nos mostrar o quão singulares são os momentos que vivenciamos e o quanto eles podem transcender a experiência momentânea aparente.

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Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo, portanto, é um poema que aborda o sentimento de empatia, e mostra-nos que a singularidade de um momento, às vezes, estabelece conexões que extrapolam o tempo e o espaço, gerando-nos profundas emoções.

Sobre Fernando Pessoa

Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888.

Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, entre outros.

Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias, recusando alguns empregos para que pudesse se dedicar à literatura.

O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.

Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.

O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.

Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935, deixando em seu espólio cerca de 25 mil páginas de textos, que vêm sendo publicados lentamente desde então.

Os heterônimos de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.

Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:

  • Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
  • Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
  • Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
  • Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.

Obras de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.

Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:

  • 35 sonnets (1918)
  • Antinous (1918)
  • English poems (1921) — em três volumes
  • Mensagem (1934)
  • A Nova Poesia Portuguesa (1944)
  • Poemas Dramáticos (1952)
  • Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
  • Sobre Portugal (1979)
  • Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
  • Livro do desassossego (1982)
  • Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
  • Primeiro Fausto (1986)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Acordo de noite, muito de noite, de Fernando Pessoa.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre O que me dói não é, de Fernando Pessoa.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Acordo de noite, muito de noite…, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/acordo-de-noite-muito-noite-fernando-pessoa/. Acesso em: 15 mai. 2024.