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Poema Amigo, de Cora Coralina (com análise)

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Conheça o poema Amigo, de Cora Coralina, e confira nossa análise!

Amigo é um poema escrito pela poetisa brasileira Cora Coralina, disponível no seu livro intitulado Meu Livro de Cordel (1976).

Este belo poema simula uma conversa íntima entre o eu lírico e e um “amigo” muito antigo, refletindo sobre os diferentes caminhos que ambos tomaram e que, talvez, poderiam ambos ter escrito juntos uma história diferente.

É interessante notar que a publicação deste poema, como a de toda a obra de Cora Coralina, deu-se apenas quando esta já estava na velhice: os versos, portanto, sugerem alguém que, já no fim da vida, medita calmamente sobre o próprio passado.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema Amigo, de Cora Coralina. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Amigo, de Cora Coralina

Vamos conversar
como dois velhos que se encontram
no fim da caminhada.
Foi o mesmo nosso marco de partida.
Palmilhamos juntos a mesma estrada.

Eu era moça.
Sentia sem saber
seu cheiro de terra,
seu cheiro de mato,
seu cheiro de pastagens.

É que havia dentro de mim,
no fundo obscuro de meu ser
vivências e atavismo ancestrais:
fazendas, latifúndios,
engenhos e currais.

Mas… ai de mim!
Era moça da cidade.
Escrevia versos e era sofisticada.
Você teve medo.
O medo que todo homem sente
da mulher letrada.

Não pressentiu, não adivinhou
aquela que o esperava
mesmo antes de nascer.

Indiferente
tomaste teu caminho
por estrada diferente.
Longo tempo o esperei
na encruzilhada,
depois… depois…
carreguei sozinha
a pedra do meu destino.

Hoje, no tarde da vida,
apenas,
uma suave e perdida relembrança.

Análise do poema

  • Tipo de verso: livre
  • Número e tipo de estrofes: 7 estrofes irregulares
  • Número de versos: 35 versos

Amigo é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não utiliza nem metrificação, nem rima.

O poema é escrito em linguagem simples e adota um tom de intimidade entre o eu lírico e o “amigo” a quem os versos são direcionados.

Estrutura do poema

Amigo possui 35 versos dispostos em sete estrofes irregulares.

O poema é construído em versos livres, não utiliza rimas e não segue nenhum padrão métrico ou rítmico.

A maneira em que o poema está disposto, aliada à linguagem informal em que é construído, sugerem uma leitura leve e despretensiosa.

Sentido do poema

Amigo encerra uma reflexão sobre o tempo e sobre as escolhas que fazemos na vida.

O poema faz parte da obra Meus Livro de Cordel (1976) e, conforme o título sugere, possui algumas características marcantes da literatura de cordel, a saber: a oralidade, o regionalismo e a linguagem informal.

Amigo começa com os seguintes versos:

Vamos conversar
como dois velhos que se encontram
no fim da caminhada.
Foi o mesmo nosso marco de partida.
Palmilhamos juntos a mesma estrada.

Vemos, aqui, que o poema é um convite do eu lírico ao tal “amigo” anunciado no título do poema: um convite para que conversem “como dois velhos que se encontram no fim da caminhada”, após partirem de um mesmo ponto de partida.

Os versos prosseguem e descobrimos que quem o narra é uma mulher, que experimentava pelo “amigo”, quando “moça”, uma atração instintiva, talvez irracional, como se entre eles houvesse uma conexão profunda e inexplicável.

Descobrimos, também, que o “amigo” tinha “cheiro de terra”, “cheiro de mato”, “cheiro de pastagens”, o que nos indica que vivia ele no campo, talvez fosse um trabalhador rural, e era provavelmente de perfil modesto, ideia que vemos reforçada mais adiante:

Mas… ai de mim!
Era moça da cidade.
Escrevia versos e era sofisticada.
Você teve medo.
O medo que todo homem sente
da mulher letrada.

Não pressentiu, não adivinhou
aquela que o esperava
mesmo antes de nascer.

Nestes versos, já podemos deduzir o que ocorreu entre ambos: quando jovens, a narradora do poema sentia algo pelo tal “amigo”.

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Embora sentisse, nunca o disse e, este, simples camponês, não pôde “pressentir”, “adivinhar” que uma “moça da cidade”, “sofisticada”, experimentava isso por ele.

A narradora, classificando-se como “aquela que o esperava mesmo antes de nascer”, reforça sobremaneira a ligação entre ambos, sugerindo que eram eles predestinados um ao outro.

Indiferente
tomaste teu caminho
por estrada diferente.
Longo tempo o esperei
na encruzilhada,
depois… depois…
carreguei sozinha
a pedra do meu destino.

Esta estrofe desvenda a nós o desfecho da história: o “amigo”, não “adivinhando” o sentimento da narradora, não se aproximou e enveredou “por estrada diferente”.

A moça o esperou “longo tempo na encruzilhada”, o que sugere que alimentou esperança de que o homem tomaria a iniciativa para que eles se aproximassem e construíssem uma relação, provavelmente amorosa.

Tal não se passou e, depois, carregou ela sozinha “a pedra” de seu destino.

Neste ponto, vemos que os versos sugerem dor e arrependimento da narradora, sugerem um difícil remorso daquilo que, para dizer como Manuel Bandeira, “podia ter sido e que não foi“.

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A narradora finaliza o poema em tom de desalento, embora sereno, dizendo que, agora, no fim da vida, só lhe sobrou “uma suave e perdida relembrança”.

Portanto, Amigo é um poema que faz uma reflexão sobre as escolhas que fazemos na vida e suas consequências; é um poema que nos mostra que, às vezes, meros detalhes podem alterar por completo o curso de nossa existência.

Sobre Cora Coralina

Cora Coralina (pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas) nasceu na Cidade de Goiás (GO), em 20 de agosto de 1889.

Foi criada às margens do rio Vermelho, e fez os estudos primários na Escola da Mestre Silvina.

Iniciou sua carreira literária aos 14 anos com o conto Tragédia na Roça, publicado no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás.

Aos 15 anos, tornou-se “Cora”, um derivativo de coração, que posteriormente seria acompanhado de Coralina.

Casou-se, teve seis filhos e afastou-se de Goiás por 45 anos, vivendo em São Paulo.

Seu marido faleceu em 1934. Pouco depois, viúva, retornou a Goiás, onde passou a exercer a ocupação de doceira.

Publicou o seu primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (1965), apenas aos 76 anos, e em seguida despontou como uma das principais vozes da poesia moderna brasileira.

Em 1970, tomou posse da cadeira número 5 da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás.

Em 1982, mesmo tendo estudado somente até o equivalente ao segundo ano do atual Ensino Fundamental, recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás.

No ano seguinte, foi a vencedora do concurso Intelectual do Ano do Troféu Juca Pato, tornando-se a primeira mulher a receber tal honraria.

Em 1984, foi eleita Símbolo da Mulher Trabalhadora Rural pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

Faleceu em Goiânia, em 10 de abril de 1985.

Após sua morte, amigos e parentes criaram a Associação Casa de Cora Coralina, uma entidade sem fins lucrativos que mantém o Museu Cora Coralina, que transformou em museu a casa em que Cora Coralina passou seus últimos dias.

Obras de Cora Coralina

  • Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (1965)
  • Meu Livro de Cordel (1976)
  • Vintém de Cobre: Meias confissões de Aninha (1983)
  • Estórias da Casa Velha da Ponte (1985)
  • Meninos Verdes (1986)
  • Tesouro da Casa Velha (1996)
  • A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu (1999)
  • Vila Boa de Goiás (2001)
  • O Prato Azul-Pombinho (2002)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Amigo, de Cora Coralina.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Não tenho pressa. Pressa de quê?, de Fernando Pessoa.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Amigo, de Cora Coralina (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-amigo-de-cora-coralina-poesia-analise/. Acesso em: 25 out. 2024.