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Poema Canção, de Cecília Meireles (com análise)

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Conheça o poema Canção, de Cecília Meireles, e confira nossa análise!

Canção é um poema escrito pela poetisa brasileira Cecília Meireles, que está disponível em seu livro Viagem (1939).

Este é um poema em que Cecília adota aquele tom melancólico característico de várias de suas melhores composições.

A temática central destes versos é a desilusão: o eu lírico, em suma, expressa os seus sentimentos a respeito de um “sonho naufragado”.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça Canção, de Cecília Meireles. Em seguida, você poderá conferir nossa análise do poema.

Boa leitura!

Canção, de Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Análise do poema

  • Tipo de verso: octossílabo rimado
  • Número e tipo de estrofes: 5 estrofes regulares
  • Número de versos: 20 versos

Canção é um poema construído em octossílabos rimados, portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.

O poema pertence ao gênero lírico e aborda de maneira criativa o malogro de um sonho.

Estrutura do poema

Canção possui 20 versos divididos em cinco quadras (ou quartetos).

Os versos são octossílabos, isto é, são versos metrificados que apresentam, cada um deles, oito sílabas poéticas.

As rimas apresentam-se sempre no segundo e quarto verso das estrofes; o primeiro e o terceiro verso de todas elas não rimam.

Quanto ao ritmo, não se nota regularidade; do contrário, são exploradas diferentes variações à medida que correm os versos.

Convém notar que este metro (octossílabo) não era tradicionalmente utilizado em português quando, no último século, alguns poetas se puseram a trabalhá-lo com regularidade.

Cecília Meireles teve grande destaque entre eles, e são dela algumas das melhores composições que temos em octossílabos portugueses.

Sentido do poema

Canção é um poema lírico que aborda o sentimento de desilusão proveniente de um desejo frustrado.

O poema é construído em linguagem figurada e, por isso, exige-nos a interpretação das alegorias pelas quais expressa aquilo que quer dizer.

Assim é a primeira estrofe:

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

De início, temos uma metáfora: literalmente, não se pode “pôr um sonho num navio”; contudo, dizendo tê-lo feito, o eu lírico parece sugerir que desistiu do próprio sonho, isto é, colocou-o “no navio” desejando que ele partisse.

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Tal interpretação parece-nos justa exatamente pelos versos seguintes, em que o eu lírico diz ter colocado o navio “em cima do mar”, aberto este último com as mãos para que o sonho viesse a “naufragar”.

Em resumo: é uma estrofe que expressa a condição desalentadora do sujeito poético, desejoso de livrar-se do antigo sonho, fazendo com que ele desapareça para vencer a angústia que experimenta.

São versos muito sugestivos, e facilmente podemos associar-lhes as imagens a ações reais de idêntico objetivo.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

A primeira estrofe informou-nos ter o eu lírico tomado uma ação para livrar-se do sonho; esta informa-nos que tal ação gerou consequências.

As “mãos ainda molhadas do azul das ondas entreabertas” sugerem que o sonho não foi inteiramente vencido, e a tentativa de fazê-lo desaparecer deixou resquícios no presente.

“Areias desertas” simboliza, aqui, a solidão em que agora o eu lírico se encontra.

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O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Nesta estrofe, vemos como uma reação inesperada àquele que talvez fosse o maior desejo do eu lírico: que o sonho simplesmente desaparecesse, imediata e definitivamente.

O “vento vem vindo de longe” e “a noite se curva de frio” dão-nos um tom um tanto sombrio e melancólico, que é acentuado pelo sonho que morre não rápida, mas lentamente num navio submerso.

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Aqui, temos o ápice da dor experimentada, e o sujeito poético diz estar disposto a chorar o quanto for preciso “para fazer com que o mar cresça”, sugerindo depositar nele suas lágrimas.

É uma estrofe extremamente expressiva, que sai num tom de desabafo, como dizendo “sofrerei o quanto for preciso para vencer essa desilusão”.

Finalmente, a última estrofe:

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Esse desfecho é interessante especialmente pelo contraste: nos dois primeiros versos, temos pela primeira vez manifesto no poema o sentimento de esperança.

Após o desaparecimento do sonho, espera o eu lírico que tudo “estará perfeito”, a “praia lisa”, as “águas ordenadas”; enfim, um painel de paz, harmonia e tranquilidade.

Os dois últimos versos, porém, contrastam fortemente com tal cenário: “olhos secos como pedras” e “mãos quebradas” pintam um eu lírico desfigurado, incapaz de sentir (olhos) e agir (mãos).

Tal estado não nos pode sugerir senão o da resignação estoica, isto é, um estado de rigidez, firmeza e impassibilidade diante do sofrimento e do infortúnio.

Sobre Cecília Meireles

Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901 e morreu, na mesma cidade, em 9 de novembro de 1964.

Nascida órfã de pai, perdeu a mãe aos três anos e, por isso, foi criada por sua avó portuguesa, Dona Jacinta, natural da ilha dos Açores.

Desde pequena, Cecília recebeu educação religiosa e demonstrou grande interesse pela literatura. Tornou-se professora muito cedo, quando já compunha poemas.

O interesse de Cecília Meireles pela educação fê-la fundar a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro, em 1934.

Aos 21 anos, casou-se com o pintor português Fernando Correia Dias, que veio a suicidar-se em 1936.

Cinco anos após este evento dramático, Cecília casa-se novamente, desta vez com o engenheiro agrônomo Heitor Vinícius de Silveira Grilo.

Em 1939, Cecília publica Viagem, livro que rapidamente encantou leitores e acadêmicos, dando-lhe grande reconhecimento e o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras.

No dia 9 de novembro de 1964, com 63 anos, Cecília faleceu, vítima de câncer, no Rio de Janeiro.

Obras de Cecília Meireles

  • Espectros (1919)
  • Criança, meu amor (1923)
  • Nunca mais (1923)
  • Poema dos poemas (1923)
  • Baladas para el-rei (1925)
  • O espírito vitorioso (1929)
  • Saudação à menina de Portugal (1930)
  • Batuque, samba e macumba (1933)
  • A festa das letras (1937)
  • Viagem (1939)
  • Olhinhos de gato (1940)
  • Vaga música (1942)
  • Mar absoluto (1945)
  • Rute e Alberto (1945)
  • Rui: pequena história de uma grande vida (1948)
  • Retrato natural (1949)
  • Problemas de literatura infantil (1950)
  • Amor em Leonoreta (1952)
  • Doze noturnos da Holanda e O aeronauta (1952)
  • Romanceiro da Inconfidência (1953)
  • Poemas escritos na Índia (1953)
  • Pequeno oratório de Santa Clara (1955)
  • Pistoia, cemitério militar brasileiro (1955)
  • Panorama folclórico de Açores (1955)
  • Canções (1956)
  • Giroflê, giroflá (1956).
  • Romance de Santa Cecília (1957).
  • A rosa (1957).
  • Metal rosicler (1960)
  • Poemas de Israel (1963)
  • Solombra (1963)
  • Ou isto ou aquilo (1964)
  • Escolha o seu sonho (1964)
  • Crônica trovada da cidade de Sam Sebastiam (1965)
  • O menino atrasado (1966)
  • Poemas italianos (1968)
  • Flor de poemas (1972)
  • Elegias (1974)
  • Flores e canções (1979)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Canção, de Cecília Meireles.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Seus olhos, de Gonçalves Dias.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Canção, de Cecília Meireles (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-cancao-cecilia-meireles-poesia-analise/. Acesso em: 25 out. 2024.