Conheça o poema Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade, e confira nossa análise!
Elegia 1938 é um poema escrito pelo poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, publicado em seu terceiro livro, Sentimento do mundo (1940).
O poema é simultaneamente um lamento e uma crítica à fútil, sem sentido e mecanizada vida moderna.
Como o título sugere, estes versos foram escritos no ano de 1938, porém o poema continua atualíssimo, visto que os elementos narrados e criticados por Drummond não fizeram senão piorar.
Sendo assim, preparamos esse artigo para que você conheça o poema Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.
Boa leitura!
Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
Análise do poema
- Tipo de verso: livre
- Número de e tipo de estrofes: 5 estrofes regulares
- Número de versos: 20 versos
Elegia 1938 é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não utiliza nem metrificação, nem rima.
O poema resume-se numa exposição do cotidiano experimentado em 1938, o qual é duramente criticado.
Estrutura do poema
Elegia 1938 possui 16 versos dispostos em cinco quadras (ou quartetos).
O poema é escrito em versos livres, que não seguem nenhum padrão métrico ou rítmico.
As cinco estrofes do poema operam como argumentos que circulam em torno de uma ideia central, cuja conclusão aparece somente nos dois últimos versos.
Sentido do poema
Elegia 1938 é um poema lírico em que o sujeito poético expressa o desencanto para com a realidade moderna.
“Elegia”, em grego, quer dizer “canto triste”, e por isso as elegias são poemas tradicionalmente consagrados ao luto e à tristeza, abordando temáticas como a morte, o amor não correspondido ou outros acontecimentos tristes.
Nomeando “elegia” o seu poema, pois, o poeta dá-nos pistas do tom que adotará em seus versos.
O outro elemento do título do poema, isto é, o “1938”, refere-se ao ano em que o poema foi escrito, portanto, só pelo título “Elegia 1938” já podemos concluir que o poema trata-se de um lamento, um “canto triste” relacionado ao ano de “1938”, que aqui poderíamos estendê-lo para a realidade moderna.
O poema é aberto com o versos seguintes:
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Em primeiro lugar, é de se destacar que a primeira palavra do primeiro verso está conjugada na segunda pessoa, o que dá um caráter intimista ao poema, como se o sujeito poético estivesse falando diretamente conosco (ou consigo mesmo).
Em seguida, percebemos claramente o tom do poema, que já começa fazendo uma reflexão sobre a vida fútil, desgastante e sem sentido do homem que trabalha “sem alegria para um mundo caduco”, praticando “laboriosamente” os “gestos universais”.
Quer dizer: este homem, que pode ser o próprio eu lírico ou nós mesmos, leva uma vida insatisfatória para se adaptar àquilo que é conveniente em seu tempo.
O último verso, “sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual”, explicita um homem que não experimenta senão sensações ligadas ao seu lado instintivo e materialista: é como se, aqui, estivesse implícito que nele nada há de espiritual ou superior a esta realidade mesquinha.
Na segunda estrofe, o sujeito poético menciona “heróis” que “enchem os parques da cidade” e que promovem valores como “a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção” e que, à noite, recolhem-se em “sinistras bibliotecas” ou “abrem guarda-chuvas de bronze”.
Tais heróis parecem estar sendo ironizados, e a imagem dos “guarda-chuvas de bronze” sugere-os superficialmente virtuosos, homens que se protegem da realidade através das aparências.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Neste ponto, Elegia 1938 torna-se mais contundente e dramática, e a crítica à realidade moderna toma contornos mais explícitos.
Diz o eu lírico que o tal homem ama a noite pelo “poder de aniquilamento” que ela encerra, ou seja, porque enquanto dorme não vive e, assim, a noite “aniquila” temporariamente a sua vida medíocre e infeliz.
Mas quando desperta no dia seguinte, volta a perceber “a existência da Grande Máquina”, isto é, tem de se adaptar novamente à realidade que o esmaga.
A estrofe seguinte reforça o tom pessimista dos versos, mencionando que o homem caminha “entre mortos”, o que nos sugere que aqueles que lhe rodeiam também são reféns desta mesma realidade opressora.
Por fim, na última estrofe o eu lírico recomenda ao tal homem que confesse a própria “derrota” e adie para o outro século a “felicidade coletiva”, que aceite “a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição” porque não pode, sozinho, “dinamitar a ilha de Manhattan”.
Muito já se disse sobre esta conclusão de Elegia 1938 que possui, obviamente, um caráter político-ideológico.
Porém, de forma alguma, limita-se a isso este belo poema.
A “ilha de Manhattan”, aqui, refere-se aos Estados Unidos e a tudo o que eles representam: em suma, o capitalismo, o progresso material e suas consequências.
O adiamento da idealização da “felicidade coletiva” é, sim, um componente importante desta conclusão que parece taxar o século como perdido.
Contudo, infinitamente mais dramático na confissão da “derrota” é o sucumbir e aceitar a instrumentalização que o materialismo vigente impôs como necessidade de sobrevivência.
Quer dizer: Elegia 1938 é um lamento de alguém que percebeu o homem moderno escravizado e impotente perante a “Grande Máquina”.
Sobre Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902.
Filho de proprietários rurais, ele passou a primeira infância no interior desta cidade, estudando no Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito.
Em 1916, foi a Belo Horizonte iniciar seus estudos no internato e colégio Arnaldo.
Em 1918, mudou-se para Nova Friburgo (RJ) para estudar no colégio Anchieta. Ali permaneceu por um ano, acabando expulso por “insubordinação mental”, após ter um atrito com seu professor de português.
Em 1923, iniciou o curso de Farmácia na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, concluindo-o em 1925. Neste mesmo ano, foi um dos fundadores do periódico modernista A Revista.
Em 1926, embora formado farmacêutico, foi a Itabira para trabalhar como professor de geografia e português, voltando a Belo Horizonte no mesmo ano, para ser redator no Diário de Minas.
Em 1930, Drummond, de forma independente, publicou seu primeiro livro, Alguma poesia. O reconhecimento literário só viria, porém, em 1942, com a publicação de Poesias.
Drummond exerceu em vida alguns cargos públicos e atuou, a princípio, como auxiliar de gabinete da Secretaria do Interior. Depois assumiu a chefia do gabinete do Ministério da Educação. Entre 1945 e 1962 atuou como funcionário da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), onde se aposentou como chefe de seção.
O poeta casou-se uma e foi pai duas vezes, falecendo no Rio de Janeiro, em 1987, apenas doze dias após à morte de sua filha.
Obras de Carlos Drummond de Andrade
Poesia
- Alguma poesia (1930)
- Brejo das almas (1934)
- Sentimento do mundo (1940)
- Poesias (1942)
- A rosa do povo (1945)
- Novos poemas (1948)
- Claro enigma (1951)
- Viola de bolso (1952)
- Fazendeiro do ar (1954)
- A vida passada a limpo (1955)
- Lição de coisas (1962)
- Versiprosa (1967)
- Boitempo (1968)
- A falta que ama (1968)
- Nudez (1968)
- As impurezas do branco (1973)
- Menino antigo (1973)
- A visita (1977)
- Discurso de primavera e algumas sombras (1977)
- O marginal Clorindo Gato (1978)
- Esquecer para lembrar (1979)
- A paixão medida (1980)
- Caso do vestido (1983)
- Corpo (1984)
- Eu, etiqueta (1984)
- Amar se aprende amando (1985)
- Poesia errante (1988)
- O amor natural (1992)
- Farewell (1996)
Prosa
- Confissões de Minas (1944)
- Contos de aprendiz (1951)
- Passeios na ilha (1952)
- Fala, amendoeira (1957)
- A bolsa & a vida (1962)
- A minha vida (1964)
- Cadeira de balanço (1966)
- Caminhos de João Brandão (1970)
- O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso (1972)
- De notícias & não notícias faz-se a crônica (1974)
- 70 historinhas (1978)
- Contos plausíveis (1981)
- Boca de luar (1984)
- O observador no escritório (1985)
- Tempo vida poesia (1986)
- Moça deitada na grama (1987)
- O avesso das coisas (1988)
- Autorretrato e outras crônicas (1989)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo.
Um abraço e até a próxima!