Avançar para o conteúdo

Poema em linha reta, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) (com análise)

curso fundamentos da criação poética curso como escrever um livro de poesia

Conheça o Poema em linha reta, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), e confira nossa análise!

O Poema em linha reta, de Fernando Pessoa, é um dos poemas mais influentes do Modernismo português.

Quem o assina é Álvaro de Campos, um dos heterônimos mais conhecidos do poeta, e não se sabe exatamente quando foi escrito.

Resumidamente, o Poema em linha reta expõe a incapacidade do eu lírico de se adaptar às convenções sociais e seu enfado com a hipocrisia das pessoas.

Sendo uma das composições mais celebradas de Fernando Pessoa, este poema já ganhou algumas adaptações e continua a inspirar muitos leitores, uma vez que sua temática é atemporal.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o Poema em linha reta, de Fernando Pessoa. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Poema em linha reta, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Análise do poema

  • Tipo de verso: livre
  • Número e tipo de estrofes: 7 estrofes irregulares
  • Número de versos: 36 versos

O Poema em linha reta é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não utiliza nem metrificação, nem rima.

O título “Poema em linha reta” é provavelmente uma ironia e antecipa o caráter crítico do poema, que exploraremos mais adiante.

Estrutura do poema

O Poema em linha reta possui 36 versos, divididos em 7 estrofes irregulares.

O poema não utiliza rimas de nenhuma espécie, nem possui um padrão rítmico a ditar-lhe a cadência.

Estruturalmente, o que se nota no Poema em linha reta é a apresentação de uma premissa, feita no dístico que abre o poema, o seu desenvolvimento nas estrofes seguintes até culminar nas conclusões, que são delineadas a partir da quinta estrofe.

Sentido do poema

O título “Poema em linha reta” é provavelmente uma ironia que anuncia o tom em que o poema será construído.

“Linha reta”, aqui, parece fazer referência a uma suposta retidão em que as pessoas vivem, como se a vida não lhes fosse tortuosa, isto é, não fosse composta de altos e baixos, erros e acertos, resumindo-se num triunfo constante.

Tal interpretação é reforçada pelo dístico que abre o poema:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

Obviamente, são versos irônicos, que evidenciam o tom do discurso.

Quer o eu lírico nos dizer que, a ele, todas as pessoas sempre pareceram perfeitas, nunca tendo “levado porrada”, isto é, nunca tendo enfrentado adversidades na vida e, além disso, tendo sempre “sido campeões em tudo”.

Em seguida, o eu lírico exibe o contraste de tais pessoas consigo mesmo e elenca, em tom confessional, todas as suas imperfeições e defeitos.

Ad Curso de Poesia

É interessante observar que esta estrofe, a segunda, é de longe a maior deste Poema em linha reta, o que visualmente nos causa a impressão de os defeitos do eu lírico serem muitos.

Assim, coloca-se o eu lírico em contraposição com todas as pessoas que conhece, assumindo possuir todas as imperfeições que elas parecem não ter.

Na verdade, o que está ele a fazer é evidenciar-nos como tais pessoas são hipócritas, pois todas elas, em maior ou menor medida, possuem os mesmos defeitos, embora os escondam e não sejam, de forma alguma, capazes de os confessar.

São todos “príncipes”, “semideuses”, que nunca tiveram “um ato ridículo”.

O poema prossegue e toma contornos mais enfáticos, quando o eu lírico nos sugere que as pessoas são incapazes de confessar uma “infâmia” ou uma “cobardia”.

Portanto, aqui vemos um caráter moralista no Poema em linha reta, que denuncia e critica diretamente o comportamento humano, orgulhoso e hipócrita.

Loading

Ironicamente, questiona o eu lírico:

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Tais versos poderiam ser traduzidos como: “não há ninguém com defeitos no mundo? não há ninguém capaz de admitir as próprias imperfeições?”.

Na sociedade de aparências em que vive o eu lírico, parece que não…

Assim, o Poema em linha reta é finalizado com o eu lírico como que traçando uma linha entre si e os outros, como que justificando um distanciamento, posto que é ele absolutamente diferente e incompatível com as pessoas que conhece.

Como pode ele “não titubear” ao falar com os seus “superiores”?, quer dizer, se só ele é defeituoso no mundo, talvez o melhor seja permanecer distante.

Portanto, denúncia, ironia e crítica social: são estas principais características deste ótimo Poema em linha reta.

Sobre Fernando Pessoa

Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em junho de 1888, e morreu, também em Lisboa, em novembro de 1935.

Pessoa é considerado, ao lado de Luís de Camões, o maior poeta da língua portuguesa. Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, e muito mais.

Seja em prosa ou em verso, ler Fernando Pessoa é constatar-se diante de um altíssimo artista, dotado de criatividade impressionante.

Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias.

O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.

Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.

O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito — sim, Fernando Pessoa “matou” um de seus heterônimos!

Os heterônimos de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.

Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:

  • Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
  • Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
  • Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
  • Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.

Obras de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.

Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:

  • 35 sonnets (1918)
  • Antinous (1918)
  • English poems (1921) — em três volumes
  • Mensagem (1934)
  • A Nova Poesia Portuguesa (1944)
  • Poemas Dramáticos (1952)
  • Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
  • Sobre Portugal (1979)
  • Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
  • Livro do desassossego (1982)
  • Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
  • Primeiro Fausto (1986)

Bônus: Poema em linha reta, de Fernando Pessoa, recitado por Osmar Prado em cena de O clone (2002)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do Poema em linha reta, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa).

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir nossa análise do poema Os sapos, de Manuel Bandeira.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema em linha reta, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) (com análise). [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-em-linha-reta-fernando-pessoa-poesia/. Acesso em: 14 mai. 2024.