Conheça o poema Minha mãe, de Vinícius de Moraes, e confira nossa análise!
Minha mãe é um poema escrito pelo poeta brasileiro Vinícius de Moraes que está disponível em sua obra de estreia, O caminho para a distância (1933).
Este poema é a expressão de um eu lírico que, amedrontado com a vida, recorre à figura materna como refúgio.
São versos bonitos sobretudo porque abordam a relação mútua entre mãe e filho e evidenciam todo o carinho experimentado por ambos para com o outro.
Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema Minha mãe, de Vinícius de Moraes. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.
Boa leitura!
Minha mãe, de Vinícius de Moraes
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fronte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão, que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu.Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.
Análise do poema
- Tipo de verso: decassílabo branco
- Número e tipo de estrofes: 3 estrofes irregulares
- Número de versos: 32 versos
Minha mãe é construído em decassílabos brancos; portanto, é um poema que utiliza metrificação, mas não utiliza rimas regulares.
Trata-se de um poema lírico que, como o título sugere, é direcionado à mãe daquele que se expressa.
Estrutura do poema
Minha mãe possui 32 versos divididos em três estrofes irregulares.
Os versos são decassílabos, isto é, são versos metrificados que contêm, cada um deles, dez sílabas poéticas.
O poema não apresenta uma disposição regular de rimas. Por isso, são versos que chamamos brancos (ou soltos).
Tanto a métrica, quanto o ritmo apresentam alguns pequenos defeitos, mas é evidente que o apoio rítmico do poema está posicionado na sexta sílaba, acentuada em praticamente todos os versos, seguindo a tradição dos decassílabos italianos.
Sentido do poema
Minha mãe é um poema em que o eu lírico expressa o seu medo para com a vida e atribui à figura materna sua fonte de consolo.
O poema é apresentado como se fosse, em primeiro lugar, uma confissão do eu lírico à sua mãe, como percebemos já nos primeiros versos:
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Temos aqui, pois, um eu lírico que externa sua angústia e sua mãe, naturalmente, desde já é retratada como um refúgio, uma espécie de âncora emocional.
Nestes primeiros versos, é interessante notar que as repetições são utilizadas com efeito não somente melódico, mas intensivo em relação à emoção expressa.
Em seguida, o eu lírico passa a evocar reminiscências de sua infância, tempo em que era “protegido” por sua mãe, que lhe transmitia segurança quando experimentava temores infantis, como o de fantasmas.
Essas memórias são descritas com doçura e delicadeza, e ficamos comovidos pelo carinho que acaba sendo expresso, tanto do filho para com a mãe, tanto da mãe para com o filho.
Dado momento, porém, o eu lírico mostra-nos que o sentimento que ora experimenta nada tem de infantil.
Após se descrever como alguém de olhos “sem luz e sem repouso”, tomado de uma “angústia imensa”, ele diz haver uma dor que o espera “eternamente”.
Neste ponto, a dramaticidade do poema é reforçada, posto que vemos o anseio de um adulto que deseja que sua mãe lhe alivie o sofrimento como fazia quando ainda criança.
Acontece que, como bem sabemos, os temores de crianças são muitíssimo mais simples que aqueles dos adultos; portanto, ficamos com a sensação de que o eu lírico, no auge de sua angústia, delira e pede à sua querida mãe algo que ela já não pode fazer.
Por fim, a estrofe que fecha o poema exibe a complexidade deste sentimento:
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.
De início, vemos a confissão do medo da “renúncia”; depois, o eu lírico pede à sua mãe que diga que ele “fique” e diga que ele “parta”, afugentando simultaneamente o “espaço que o prende” e o “infinito que o chama”.
Nestes versos paradoxais, o que notamos é, primeiro, o temor do eu lírico perante o desconhecido; depois, sua angustiante busca por segurança, mais uma vez representada pelo desejo de que sua mãe lhe alivie o sofrimento.
Aqui, porém, fica absolutamente evidente a confusão em que ele se encontra, debatendo-se entre “partir” ou “ficar” sem, contudo, ser capaz de decidir, desejando que sua mãe lhe aponte a direção.
O efeito da verbalização deste estado de espírito é, mais uma vez, de intensificar o sentimento expresso, o qual, agora, se nos afigura mais do que nunca como o responsável pela completa perturbação do eu lírico.
Novamente, é em sua própria mãe que ele vê a possibilidade de acalmar os seus tormentos.
Minha mãe, portanto, é um poema em que o eu lírico estabelece a figura materna como símbolo de amparo e proteção diante das angústias e incertezas da vida.
Sobre Vinícius de Moraes
Vinícius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, filho de um pai funcionário público e poeta, e de uma mãe poetisa.
Apelidado carinhosamente de “poetinha”, Vinícius de Moraes teve atuação destacada, além de como poeta, como compositor, dramaturgo e diplomata.
Na música, esteve ele ao lado de figuras importantíssimas, podendo ser considerado, junto a Tom Jobim e João Gilberto, o epicentro do movimento que ficou mundialmente conhecido como bossa nova.
Sua canção Chega de saudade, que contou com arranjos de Tom Jobim, é considerada um marco na música popular brasileira que, regravada na voz de inúmeros artistas, foi considerada pela revista americana Rolling Stone a sexta melhor canção brasileira de todos os tempos.
No teatro, Vinícius de Moraes destacou-se com a peça Orfeu da Conceição (1956), e sua poesia costuma ser enquadrada na segunda fase do modernismo brasileiro, apresentando de forma acentuada temáticas lírico-amorosas, como vemos no Soneto de fidelidade.
Além de reconhecido nacionalmente por sua obra artística, Vinícius de Moraes ficou também famoso por sua vida pessoal bastante agitada: o “poetinha”, tido como um grande conquistador, casou-se nove vezes e deixou cinco filhos, vindo a falecer em 9 de julho de 1980.
Obras poéticas de Vinícius de Moraes
- O caminho para a distância (1933)
- Forma e exegese (1935)
- Ariana, a mulher (1936)
- Novos poemas (1938)
- Cinco elegias (1943)
- Poemas, sonetos e baladas (1946)
- Pátria minha (1949)
- Antologia poética (1954)
- Livro de sonetos (1957)
- Novos poemas II (1959)
- O mergulhador (1968)
- A arca de Noé (1970)
- Poemas esparsos (2008)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Minha mãe, de Vinícius de Moraes.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre Trem de ferro, de Manuel Bandeira.
Um abraço e até a próxima!