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Poema O morcego, de Augusto dos Anjos (com análise)

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Conheça o poema O morcego, de Augusto dos Anjos, e confira nossa análise!

O morcego é um soneto escrito pelo poeta brasileiro Augusto dos Anjos e publicado em seu único livro, Eu (1912).

O poema resume-se a uma reflexão sobre as principais características e a atuação da consciência humana.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça O morcego, de Augusto dos Anjos. Em seguida, você poderá conferir nossa análise do poema.

Boa leitura!

O morcego, de Augusto dos Anjos

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Análise do poema

  • Tipo de verso: decassílabo rimado
  • Número e tipo de estrofes: 4 estrofes: 2 quadras e 2 tercetos (soneto)
  • Número de versos: 14 versos

O morcego é um soneto construído em decassílabos rimados, portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.

O poema, bem característico do estilo de Augusto dos Anjos, é uma mistura de elementos que criam uma atmosfera meio real, meio fantástica, e marcadamente pessimista.

Estrutura do poema

O morcego é um soneto, portanto, possui 14 versos divididos em 4 estrofes, sendo elas duas quadras e dois tercetos.

Poderíamos classificar este poema como tradicional quanto à disposição das estrofes, posto que apresenta duas quadras e dois tercetos, possuindo aquelas duas rimas e estes três.

Há, porém, um detalhe que o diferencia dos sonetos tradicionais, e consiste na inversão operada nas rimas das quadras: embora ambas apresentem rimas que chamamos enlaçadas, a primeira quadra rima conforme o esquema abba, já a segunda conforme o esquema baab

Os tercetos apresentam-se conforme o esquema abc abc.

Quanto ao ritmo, todos os versos apresentam acentuação na sexta sílaba, conforme o padrão que chamamos decassílabo heroico; exceção feita ao quarto verso.

Sentido do poema

O morcego é um poema que, resumidamente, versa sobre a consciência humana — suas características e sua atuação.

Grande parte do efeito deste soneto é derivado da maneira como ele está construído, isto é, só descobrimos o seu verdadeiro sentido quando chegamos ao terceto final.

Vejamos, pois, como o poema se desenvolve.

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

Nesta quadra inicial temos várias informações.

Em primeiro lugar, vemos que o poema é narrado em primeira pessoa por um eu lírico que se dirige a nós e a outros que, como nós, o escutam (“vede”, 2ª pessoa).

A cena narrada é a seguinte: o eu lírico, à meia-noite, deita-se para dormir, quando é surpreendido por um morcego, que lhe morde a “goela”.

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Aqui percebemos, primeiro, o espanto do eu lírico ao encontrar o morcego (“Meu deus!”); em seguida, percebemos que o morcego adota uma postura agressiva e o ataca.

Através de “na bruta ardência orgânica da sede”, quer o eu lírico sugerir-nos que o morcego estava sedento por mordê-lo, e daqui podemos concluir que tal morcego, aos olhos do eu lírico, é um ser medonho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Nesta quadra, vemos que o eu lírico, após mordido, toma uma ação.

“Vou mandar levantar outra parede…” pode ser lido como “farei algo que impeça este morcego de entrar no meu quarto”.

O sujeito poético ergue-se “a tremer” e fecha o ferrolho, o que nos mostra que ele, assustado, faz algo para livrar-se do morcego.

Mas então ele olha ao teto, e o encontra “igual a um olho” sobre a rede em que ele pretende deitar-se.

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Tal imagem é muito forte, e quer significar que o morcego não só não o abandonou, mas permanece acima de sua rede, como a mirá-lo fixamente.

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

O eu lírico, então, pega um pau e tenta acertar o morcego, para que ele saia do teto, posto que, com ele lá, é impossível dormir.

Ele faz esforços e se concentra, portanto luta exterior e interiormente para que este morcego lhe saia do quarto.

O verso final deste terceto é mais uma vez a expressão do caráter medonho e desagradável de tal morcego.

Agora, o grande encerramento do poema:

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Aqui, pois, somos tomados de surpresa, e percebemos que todo o poema não era senão uma metáfora.

O morcego, na verdade, está representando a consciência humana, portanto, é ela que atacou o eu lírico ao deitar-se para dormir e é dela que o eu lírico não se consegue livrar.

Os dois versos finais são de interpretação simples, e dizem sumariamente que o homem não pode livrar-se da sua consciência, isto é, ela estará sempre presente para atacá-lo.

Assim, O morcego é um soneto muito interessante que reflete sobre sobre o sentimento de culpa e remorso que pode resultar daquilo que somos e fazemos.

A originalidade de Augusto dos Anjos

O crítico literário Otto Maria Carpeaux classificou Augusto dos Anjos (1884-1914) como o poeta mais original da literatura brasileira.

É fato: o poeta da “angústia absurda e tragicômica” criou um universo que parece rejeitar todas as comparações.

Esteticamente, alguns classificam-no como parnasiano, outros como simbolista, outros como pré-modernista… E disso notamos que não há como resumi-lo num movimento literário.

Os poemas de Augusto dos Anjos harmonizam uma excentricidade incrível com comicidade e pessimismo, lançando mão de termos científicos e exóticos que aparentemente repelem o discurso poético, além de metáforas impressionantemente originais e uma filosofia particular.

Poeta excêntrico, cuja obra é tôda ela um grito de dor que sangra por mil feridas. Mesmo dizendo blasfêmias, mesmo falando na corrupção da matéria orgânica, crepita em fagulhas de gênio. (Horácio de Almeida)

Infância infeliz, vida adulta instável e conturbada; existência breve e marcada por episódios dramáticos: assim podemos resumir este poeta brasileiro que, repetindo Horácio de Almeida, deixou-nos uma obra que “crepita em fagulhas de gênio”.

Sobre Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos nasceu em 20 de abril de 1884, no Engenho Pau D’Arco, no atual município de Sapé, na Paraíba.

Horácio de Almeida conta-nos o seguinte:

Teve êsse poeta uma infância sem alegria no engenho Pau d’Arco. O ambiente que ali respirava asfixiava-o. Sua mãe, Sinhá-Mocinha, era quem mandava, como ditadora, naquele mundo de horizontes fechados. Seu pai, dr. Alexandre dos Anjos, homem boníssimo, de sólida cultura humanista, versado em latim, grego, matemática, ciências naturais, história e disciplinas correlatas, não mandava coisa alguma, nem na casa, nem no engenho. Mas foi êle quem pôs a carta de A-B-C nas mãos de Augusto e preparou o rapaz para os exames no Liceu Paraibano em tôdas as matérias do curso de humanidades.

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Aos 16 anos de idade apaixonou-se por uma mocinha do Pau d’Arco, que morava sob o mesmo teto, na casa grande do engenho. Era uma jovem que emigrara do sertão da Borborema, tangida pela sêca que expulsa do solo calcinado os moradores da terra, em levas de retirantes. Augusto não era ainda o môço triste que depois se tornou, quando o vento da desgraça varreu a sua felicidade. Deu à amada todo o seu afeto e naquele bucólico meio os dois sentiram os corações abrasados. Na cegueira dos que amam, ela acabou se entregando a êle.

Mas o idílio durou pouco porque o caso chegou logo ao conhecimento de Sinhá-Mocinha. De pronto, a môça foi retirada para um esconderijo das vizinhanças, levando já no ventre o fruto do seu amor. Ferida na sua sensibilidade orgulhosa, Sinhá-Mocinha não podia tolerar uma semelhante união e mais revoltada ficou quando o rapaz se propôs a reparar o mal por meio do casamento. Deu-se então o desfecho trágico do drama passional, porque a môça morreu e o rapaz sofreu com êsse fato um transtorno psíquico, que o deixou sombrio para todo o sempre

Em 1903, o poeta matriculou-se na Faculdade de Direito de Recife e começou a publicar versos no jornal paraibano O Comércio.

Os poemas de Augusto dos Anjos tiveram repercussão fortemente negativa, e o poeta foi tido como histérico, desequilibrado e neurastênico.

Em 1907, Augusto formou-se e mudou-se para João Pessoa, onde passou a lecionar língua portuguesa. Embora diplomado em direito, nunca exerceu profissões relativas à sua formação.

Em 1910, casou-se com Ester Fialho, com quem teve três filhos — o primeiro deles morreu recém-nascido.

De João Pessoa, Augusto transferiu-se ao Rio de Janeiro, onde publicou seu único livro, Eu, com ajuda financeira do irmão.

De João Pessoa, Augusto seguiu para Leopoldina, cidade em que morreu pouco tempo depois, em 1914, vítima de pneumonia.

Obra poética de Augusto dos Anjos

  • Eu (1912)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema O morcego, de Augusto dos Anjos.

Vale lembrar que a obra completa com todos os poemas de Augusto dos Anjos está disponível gratuitamente em domínio público.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa análise do poema Tabacaria, de Fernando Pessoa.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema O morcego, de Augusto dos Anjos (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-o-morcego-de-augusto-dos-anjos-poesia/. Acesso em: 25 out. 2024.